
A morte dum paciente em fevereiro de 2017 enquanto estava sob ‘contençom mecânica´ no CHUAC da Corunha, só evidencia a situaçom de vulnerabilidade e maltrato em que ainda se encontram os doentes psiquiátricos nos hospitais galegos. Falamos com Miguel Salas, autor de ‘Pedagogías radicales de (la) locura’ sobre a importância de dar-lhe visibilidade a estas práticas, consideradas como tortura polo Conselho de Europa; sobre os protestos que estám a protagonizar associaçons, pacientes e familiares contra do maltrato que sofrem os doentes e sobre a importância de deixar de considerar a saúde mental como um tema tabu e um estigma.
Como crês que é a situaçom da psiquiatria na atualidade?
Há que assinalar que a história da atençom psiquiátrica está ateigada dumha série de práticas que poderíamos qualificar de cruéis e inumanas e que nom distam tanto de certos métodos que ainda se empregam hoje em dia. As descargas elétricas, a imobilizaçom, mediante camisas de força no seu momento e que agora se fai através de correias; ou a extirpaçom de certas partes do cérebro que hoje em dia, ainda que com anestesia, continuam a ser praticadas, som alguns exemplos paradigmáticos. No caso concreto de atar os pacientes à cama, estamos a falar dumha realidade infelizmente comum nas unidades de atençom psiquiátrica, o que acontece é que se fai baixo diferentes eufemismos: ‘contençom mecânica’, ‘sujeiçom’… mas o processo é o mesmo que no passado: atar as pessoas polos pulsos, polos tornozelos e polo tórax, com os riscos que isso implica tanto a nível emocional como físico. Num processo de contençom podem dar-se golpes, deslocaçons, asfixias… certos órgaos vitais podem chegar a sofrer falta de oxigénio e isto, em casos extremos, pode chegar a provocar a morte.
A contençom mecânica, para além de ser mui perigosa, é umha prática degradante para os doentes, que tem sido assinalada pola ONU como potencialmente constitutiva de tortura. Ademais, pode levar a outras intervençons nom consentidas como a sobremedicaçom forçada ou os eletroshocks. Esta prática, ao alcance da mao em todas as unidades de psiquiatria, é um recurso normalizado. Um dos argumentos aos que recorrem alguns profissionais para o uso deste tipo de métodos é a falta de recursos, quando a ONU adverte que a falta de médios nom pode, em caso nengum, justificar a violaçom dos direitos humanos dumha pessoa, que é o que supóm esta prática. Também há quem diga que é um recurso que se emprega in extremis, mas isto também nom parece umha escusa válida quando em estados como a Finlândia a contençom é proibida desde 1996, em regions como Trieste ou Módena também nom se pratica, ou na Suíça ou no Reino Unido tenhem-se feito esforços específicos para eliminá-la. Porque aqui se realiza e noutros países nom é necessária? Isto fai pensar que talvez dependa dos países, das equipas, evidencia a variabilidade por territórios e demonstra que há outras formas de atuar possíveis mesmo em situaçons limite.
baixo diferentes eufemismos: ‘contençom mecânica’, ‘sujeiçom’… é o mesmo que no passado: atar as pessoas polos pulsos, polos tornozelos e polo tórax, com os riscos que isso implica tanto a nível emocional como físico
Qual é a situaçom na Galiza?
Na Galiza há um obscurantismo respeito da utilizaçom destas práticas. Nom dispomos de dados objetivos e transparentes em que se indique de forma clara quando, onde e a quem se lhe pratica a contençom mecânica e por parte de quem. Nom existe um registo deste tipo de protocolos que seja sistemático e objetivo, a partir do qual fazer umha avaliaçom das consequências que supóm. O que é claro é que tem havido mortes, como no ano 2017 no hospital corunhês de Oça, onde um doente morreu em situaçom de submetimento físico. Este tipo de situaçons tenhem sido denunciadas reiteradamente polo Movimento Galego de Saúde Mental, mas nom parece haver umha resposta por parte das administraçons. Também temos o caso de Conxo, em que o Defensor do Povo assinalou, num informe de julho do ano passado, como as contençons mecânicas continuam a ser praticadas incluso como medida de castigo, algo que por parte do Comité Europeu para a Prevençom da Tortura ‑que aliás integra ao Estado Espanhol‑, tem-se assinalado como umha prática inaceitável. Este tipo de denúncias indicam umha situaçom frágil ou de retrocesso quanto ao avance em que se conhece como a reforma psiquiátrica. Informes como este evidenciam umha carência geral, nem só de recursos assistenciais, mas também de instalaçons, nalguns casos obsoletas. No hospital de Oça continua existindo umha sala para a contençom onde se podem chegar a atar três pessoas simultaneamente, por exemplo, algo que nom está permitido.
Tem-se desativado o Plano Galego de Saúde Mental por parte do PP e fronte as mobilizaçons de coletivos de pessoas usuárias e afetadas, a administraçom pública responsável do Sergas fai ouvidos surdos. Do meu ponto de vista, a situaçom é grave.

Depois do caso de Oça houvo mobilizaçons e açons para consciencializar sobre este tipo de práticas. Continuam agora?
Sim, estám-se levando a cabo umha série de açons, promovidas polo Movimento Galego de Saúde Mental (MGSM), que dalgum jeito soma-se à campanha ‘0 Contenciones’ que iniciou o Colectivo Lo Común. Juntam-se os sábados às 13:00 horas no Obelisco da Corunha até que se remate com a prática da contençom mecânica. Através destas performances, em que se representa umha contençom, busca-se dar a conhecer à gente o que suponhem estas praxes que nom só nom estám obsoletas, mas continuam a ser comuns. E pretende-se continuar com as mobilizaçons até que se tomem medidas ao respeito.
É interessante que o MGSM se tenha somado, já que esta campanha tem aglutinado diferentes coletivos. Foi promovida polo Colectivo Lo Común mas somárom-se associaçons de usuários, sobreviventes, familiares, profissionais… é umha campanha que está a colher força e pondo sobre a mesa algo que a populaçom em termos sociais desconhece. Há umha tendência a olhar para outro lado quando falamos deste tipo de práticas. Há que pensar que a única soluçom aceitável é a aboliçom e estamos num momento em que cumpre tomar posiçons e assumir as responsabilidades que isto implica. Quando falamos deste tipo de atuaçons em que se violam de maneira reiterada os direitos humanos como apontam organismos como a ONU, a sociedade e as responsáveis de executar estas práticas deveriam tomar partido; e deveriam poder existir também a opçom da objeçom de consciência a este tipo de técnicas por parte das profissionais.
a única soluçom aceitável é a aboliçom e estamos num momento em que cumpre tomar posiçons e assumir as responsabilidades que isto implica
A atual privatizaçom da sanidade pública afeta também a psiquiatria?
Evidentemente. Nom só falamos dum recorte nos recursos assistenciais, de proteçom insuficiente, de instalaçons obsoletas e de falta de pessoal, mas também da privatizaçom do sistema público. É parte dum conjunto de políticas de corte neoliberal que se estám a viver nom só na Galiza e que afetam a todos os âmbitos da sanidade pública, também ao psiquiátrico.
Acabas de escrever um livro sobre saúde mental junto de Asun Pié Balaguer, ‘Pedagogías radicales de (la) locura’. Porque esse título?
A ideia do título tem a ver com a politizaçom da linguagem. Por um lado, utilizamos o conceito de loucura que, como os de esquizofrenia ou psicose, vem sendo apontado por autores coma John Read ou Jim Geekie como um conceito controvertido, nom existe um acordo unânime respeito do seu emprego. Por exemplo, a categoria esquizofrenia por parte da literatura científica vem sendo mui questionada pola sua falta de fiabilidade, para além de ter outras consequências no seu uso como a estigmatizaçom das pessoas com esta doença. Neste livro, a ideia é empregar o conceito de loucura coma umha chiscadela, convergindo com as posturas dos movimentos sociais no campo da saúde mental que desde há tempo venhem-se organizando a favor dumha forma de ‘orgulho tolo’, isto é, apropiar-se de termos como o de loucura, tradicionalmente degradantes e carregados de estigma, e abrir a porta a que adquiram um novo significado através da reapropriaçom, logrando deste jeito dar-lhe a volta à linguagem e fazendo que estes conceitos perdam a sua carga negativa. Neste sentido, o livro nutre-se da experiência das pessoas que vivem o sofrimento psíquico e o estigma em carne própria.
E por outro lado, dizemos ‘radicais’ porque revisitamos umha série de autores como Paulo Freire, pedagogo referente no século XX, para dar importância à parte pedagógica da saúde mental como um ato radical. É dizer, ir à raiz das problemáticas para daí marcar a opressom como causa do sofrimento mental e buscar a sua transformaçom. O que pretendemos é abrir umha fenda nos modelos hegemónicos no relativo à educaçom social em saúde mental. Qual é a posiçom que se deve ter, de que ferramentas dispomos, se é necessária… e admitir que som possíveis outros campos de atuaçom que reconheçam a diferença sem menosprezá-la e acabando com essas dinâmicas que tenhem tendência a reduzir as atuaçons à vigilância e ao controlo e que lhe dam um maior peso à farmacologia, e que esquecem as pessoas que há trás cada paciente.