
Maçarico, maçarico,
quem che deu tão longo bico
(Cantiga popular)
Começa abril, recende a primavera e quem sabe se, no lusco-fusco, em qualquer fraga recôndita poderemos encontrar-nos com a silhueta pesada de uma ave a realizar um singular voo de exibição, enquanto lança ao ar um canto monótono, a modo de rouco chilreio. Trata-se do cortejo nupcial do macho da arceia. Raríssimos são os exemplares desta espécie monogâmica que ficam no nosso país para acasalar… nos últimos cinquenta anos, só se tem comprovado a sua nidificação ocasional na Terra Chã e nos Montes de Cervantes.
A galinhola ou arceia (Scolopax rusticola) ocorre nas regiões setentrionais temperadas da Europa e da Ásia, mas está ausente da maior parte da região mediterrânica. Tem uma plumagem castanha com listras claras, que lhe serve para se camuflar perfeitamente entre as folhas secas em que mexe com o seu bico à procura de sustento. Precavida e discreta, é pouco conhecida, exceto para os caçadores, que veem nela uma alternativa à perdiz, de tamanho similar. Diferentemente das outras limícolas, gosta mais de bosques densos e sombrios que de zonas húmidas propriamente ditas.
As limícolas, formadas por nove famílias de aves recentemente enquadradas dentro da ordem das Ciconiiformes, são um grupo com alta heterogeneidade nos seus diferentes aspetos biológicos, estando a maioria das espécies ligadas a ambientes aquáticos, como lagoas, estuários, praias e marismas, onde se alimentam de pequenos seres vivos enterrados nas areias ou nos limos (daí o nome). Minhocas, vermes, insetos, moluscos, crustáceos, pequenos peixes e, por vezes, até matéria vegetal ou plâncton constituem parte essencial da sua dieta e para isso, em muitos casos, têm adaptações especiais como pernas altas e bicos longos. Mas entre as limícolas não há regras gerais e é muita a diversidade morfológica ou de comportamento. Amiúde migratórias de grandes distâncias; algumas chegam a viajar cerca de 25.000 km entre as zonas de reprodução e as de invernada, por exemplo, o pequeno pilrito-das-praias (Calidris alba), habitual nos nossos areais de setembro a março, pode nidificar na tundra europeia e invernar na África do Sul.
As limícolas são um grupo com alta heterogeneidade, estando a maioria das espécies ligadas a ambientes aquáticos
A Galiza constitui um refúgio para as limícolas, principalmente, na invernada e nas passagens migratórias. No entanto, algumas espécies nidificam aqui como: a galinhola, já antes comentada, a narceja-comum (Gallinago gallinago), o abibe (Vanellus vanellus), o maçarico-real (Numenius arquata), o maçarico-das-rochas (Actitis hypoleucos), o maçarico-de-bico-direito (Limosa limosa), o perna-vermelha-comum (Tringa totanus), o alcaravão (Burhinus oedicnemus), o ostraceiro (Haematopus ostralegus), o borrelho-pequeno-de-coleira (Charadrius dubius) ou o borrelho-de-coleira-interrompida (Charadrius alexandrinus). Todas elas em baixo número e/ou de forma irregular.

A Límia (designadamente, as terras que em tempos faziam parte da antiga Lagoa de Antela) e o Complexo Húmido da Terra Chã (as lagoas de Cospeito, de Caque, do Pedroso e do Rio Caldo, a Veiga do Pumar, os prados de Espinheira…), áreas de elevado interesse ecológico, agora seriamente ameaçadas por processos de dessecação e polas transformações agropecuárias que está sofrer o campo galego, são fundamentais para manter os escassos efetivos reprodutores das nossas limícolas.
A Límia e o Complexo Húmido da Terra Chá som áreas de interesse ecológico, para manter os escassos efetivos reprodutores das nossas limícolas.
Muito parecida com a galinhola, ainda que mais esbelta, e perseguida igualmente polos caçadores (apesar de ter as dimensões dum melro!), encontramos a narceja-comum em lameiros e outras zonas semi-pantanosas. A nidificaçãono noroeste peninsular circunscreve-se à região da Límia e ao transmontano planalto da Mourela. É muito característico o berro que emite quando, ziguezagueante, levanta o voo, o que lhe valeu ser batizada a nível popular como “cabra”, “berra” e outras denominações similares.
Cos bandos da ave-fria, chega tamém a invernia reza o dito popular, fazendo referência à chegada massiva de abibes (Vanellus vanellus) durante as vagas de frio polar. Facilmente reconhecível por ter um conspícuo penacho e um distintivo padrão de cores, em que um dorso escuro e irisado contrasta com a tonalidade clara de peito e abdome. Galo-monteiro, galo-da-branha, ave-fria, pega-do-frio… são alguns dos seus muitos nomes tradicionais. Os poucos casais reprodutores limitam-se às bacias altas dos rios Minho e Lima.
Uma outra limícola com larga presença na cultura tradicional é o maçarico-real (Numenius arquata), ave que dá nas vistas polo seu considerável tamanho e um bico recurvado e comprido. Esporadicamente tem nidificado em terras chairegas e na ilha de Arouça.
De costumes terrestres, o alcaravão (Burhinus oedicnemus) é cada vez menos frequente na Nossa Terra, ficando nas últimas décadas somente três núcleos reprodutores (Terra Chã, Límia e Corruvedo). Limícola de plumagem críptica e hábitos furtivos e crepusculares, mostra-se difícil de observar, o que complica os recenseamentos.
Habitante da beira-mar, onde procura os moluscos que lhe servem de comida, o ostraceiro (Haematopus ostralegus) não oferece dúvidas na identificação, plumagem branca e preta com patas e bico de um tom laranja chamativo. Alguns casais nidificam em ilhas próximas à orla litoral galega, fundamentalmente, na Marinha.
O borrelho-de-coleira-interrompida (Charadrius alexandrinus) adora as praias e nelas e nos sistemas dunares adjacentes constrói o ninho ao longo de toda a costa galega. A sua ameaça mais importante na atualidade é a presença de cães ceivos nos areais, cada vez mais visitados fora da época estival e com práticas lúdicas nem sempre ecologicamente sustentáveis.
A ‘disneyficação dos animais’ leva-nos a esquecer que os nossos cãezinhos (tão queridos!) ainda continuam a ser lobos, mais ou menos domesticados, mas lobos ao fim ao cabo e, portanto, predadores perigosos para outros seres vivos.