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A Operaçom Jaro: um atentado contra as nossas liberdades

por
car­los vieito

Umha das di­fe­ren­ças en­tre o mo­delo pro­ces­sual acu­sa­tó­rio e o in­qui­si­tivo é o ob­jeto de ca­dan­seu pro­cesso. Este con­ceito de “ob­jeto do pro­cesso” re­fere-se a aquilo so­bre o que versa o jul­ga­mento. Nos sis­te­mas acu­sa­tó­rios pró­prios dos sis­te­mas po­lí­ti­cos li­be­rais, o ob­jeto do pro­cesso é um de­ter­mi­nado feito de­li­tu­oso co­me­tido por al­guém, como pode ser um roubo ou um ho­mi­cí­dio. Por con­tra, nos sis­te­mas in­qui­si­ti­vos o ob­jeto do pro­cesso nom cos­tuma ser um de­ter­mi­nado feito, se­nom umha de­ter­mi­nada pes­soa. O im­por­tante nom é tanto es­cla­re­cer um feito de­li­tu­oso, mas in­da­gar so­bre a con­di­çom de umha pessoa.

Evidentemente, as con­sequên­cias de um ou de ou­tro mo­delo som cla­ras: no pri­meiro, a pre­sun­çom de ino­cên­cia tem plena vi­gên­cia; no ou­tro, en­tra em jogo umha pre­sun­çom de cul­pa­bi­li­dade. Num caso, é a acu­sa­çom quem deve pro­var que a pes­soa acu­sada é au­tora dum de­ter­mi­nado de­lito; no ou­tro, a carga da prova re­cai na pes­soa acu­sada, que deve de­mons­trar a sua ino­cên­cia, nom tanto frente a umha de­ter­mi­nada açom que lhe é im­pu­tada, se­nom mesmo no plano on­to­ló­gico; quer di­zer, deve de­mons­trar que é inocente.

No dia de hoje ainda se con­se­guem al­vis­car re­mi­nis­cên­cias do sis­tema in­qui­si­tivo. Tal acon­tece, por exem­plo, quando re­cai so­bre umha pes­soa acu­sada o sam­be­nito de ter­ro­rista. A par­tir desse mo­mento, cada açom, cada opi­niom ma­ni­fes­tada e cada exer­cí­cio até de di­rei­tos re­co­nhe­ci­dos polo or­de­na­mento ju­rí­dico por parte de tais pes­soas pas­sam a ter um sig­ni­fi­cado di­fe­rente, que os si­tua por fora da lei. Isto foi o que acon­te­ceu na Operaçom Jaro, que se sal­dou há al­gumhas se­ma­nas com a ab­sol­vi­çom das doze acusadas.

Quando re­cai so­bre umha pes­soa o sam­be­nito de ter­ro­rista, cada açom, cada opi­niom ma­ni­fes­tada e cada exer­cí­cio até de di­rei­tos re­co­nhe­ci­dos polo or­de­na­mento ju­rí­dico pas­sam a ter um sig­ni­fi­cado di­fe­rente, que os si­tua por fora da lei

Na de­cla­ra­çom pe­ri­cial de in­te­li­gên­cia chave dessa “ope­ra­çom”, o agente de­cla­rante – que pre­su­mi­vel­mente es­tivo à frente das in­ves­ti­ga­çons – se­men­tou a dú­vida em de­ter­mi­na­das oca­si­ons. De forma que o que eram ma­ni­fes­ta­çons de so­li­da­ri­e­dade com pes­soas pre­sas, a fi­nan­ci­a­çom de as­sis­tên­cia le­trada a pes­soas pro­ces­sa­das ou me­ras pa­ra­be­ni­za­çons de ani­ver­sá­rios a mi­li­tan­tes de di­ver­sos mo­men­tos, tor­nam-se açons in­te­gra­das numha fér­rea dis­ci­plina or­ga­ni­za­tiva di­ri­gida a jus­ti­fi­car, exal­tar e pro­mo­ver a sub­ver­som atra­vés de mé­to­dos vi­o­len­tos e in­dis­cri­mi­na­dos. Nessa pul­som por criar um re­lato que si­tue os acu­sa­dos fora da co­mu­ni­dade de di­reito, chega-se a ver na ce­le­bra­çom do Dia da Galiza Combatente um cha­ma­mento a re­a­li­zar todo o tipo de ati­vi­da­des ile­gais des­ti­na­das a con­se­guir ob­je­ti­vos po­lí­ti­cos que, por des­con­tado, som ilegítimos.

12empe

Poderá pen­sar quem está a ler que quem es­creve ago­cha o ele­mento fun­da­men­tal que da­ria sen­tido ao que é des­crito como um au­tén­tico re­lato de­li­rante. Talvez al­gum tec­ni­cismo ou al­gumha ex­pli­ca­çom mais com­plexa da si­tu­a­çom. Nada mais longe da re­a­li­dade. Durante o pro­cesso fi­cou es­cla­re­cido que os in­dí­cios com que con­ta­vam as bri­ga­das de in­te­li­gên­cia im­pli­ca­das apon­ta­vam que era pos­sí­vel os acu­sa­dos te­rem co­me­tido de­li­tos de in­jú­rias à co­roa, de enal­te­ci­mento do ter­ro­rismo e dum de­lito que nem se­quer existe no có­digo pe­nal vi­gente: o de­lito de ódio con­tra for­ças e cor­pos de se­gu­rança do Estado. Assim que a si­tu­a­çom é que vá­rios fun­ci­o­ná­rios ale­ga­da­mente es­pe­ci­a­li­za­dos in­ves­ti­gá­rom de perto du­rante vá­rios anos, quando me­nos, doze pes­soas para da­rem forma a umha acu­sa­çom de ter­ro­rismo con­tra pes­soas que, como muito, eram sus­pei­tas de te­rem co­me­tido de­li­tos de opi­niom. No jul­ga­mento oral foi posta em re­levo a in­gente quan­ti­dade de re­cur­sos hu­ma­nos e de ma­te­ri­ais dis­po­ni­bi­li­za­dos ao ser­viço da acu­sa­çom: pe­ri­ci­ais ca­li­grá­fi­cas, se­gui­men­tos, re­gis­tos, de­ten­çons, tra­du­çom e aná­lise de nu­me­ro­sos do­cu­men­tos etc. Nom fal­tou, claro, o la­bor sujo dos mass me­dia, que se en­car­re­gá­rom de fa­zer de porta-vo­zes das “clo­a­cas do Estado”, con­tri­buindo para umha es­tra­té­gia de ten­som bas­tante torpe, mas pe­ri­gosa, que pro­cu­rava si­tuar a opi­niom pú­blica ga­lega con­tra as pes­soas acusadas.

Nom fal­tou o la­bor sujo dos ‘mass me­dia’, que se en­car­re­gá­rom de fa­zer de porta-vo­zes dos ‘su­mi­doi­ros do Estado’, con­tri­buindo para umha es­tra­té­gia de ten­som que pro­cu­rava si­tuar a opi­niom pú­blica ga­lega con­tra as pes­soas acusadas

Durante todo este tempo, as pes­soas acu­sa­das de­vé­rom en­fren­tar acu­sa­çons es­tra­fa­lá­rias e me­di­das cau­te­la­res que li­mi­tá­rom sen­si­vel­mente as suas li­ber­da­des du­rante o processo

O re­sul­tado de todo isso foi a li­vre ab­sol­vi­çom de cada umha das pes­soas acu­sa­das. Mas o dano nom fica re­pa­rado polo des­cré­dito que o tri­bu­nal, aten­dendo a ju­ris­pru­dên­cia do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e do Tribunal Supremo es­pa­nhol, re­a­liza de cada umha das pre­ten­sons da acu­sa­çom. Durante todo este tempo, as pes­soas acu­sa­das de­vé­rom en­fren­tar acu­sa­çons es­tra­fa­lá­rias – de até 10 anos de pri­som –, e me­di­das cau­te­la­res que li­mi­tá­rom sen­si­vel­mente as suas li­ber­da­des du­rante o pro­cesso. Toda essa pre­som psi­co­ló­gica fica, se se me per­mi­tir a ex­pres­som, im­pune. O ce­ná­rio vem agra­vado pola le­gis­la­çom so­bre cus­tos pro­ces­su­ais, que em caso de ab­sol­vi­çom som de­cla­ra­das de ofí­cio; quer di­zer, que cada pes­soa acu­sada se fai cargo das suas, acres­cen­tando um gasto eco­nó­mico mesmo ante ca­sos de absolviçom.

As per­gun­tas que nos de­ve­mos fa­zer agora som ób­vias: que­re­mos per­mi­tir, como mem­bros de umha so­ci­e­dade plu­ral, que o po­der pu­ni­tivo do Estado seja exer­cido sem qual­quer fun­da­mento con­tra de­ter­mi­na­das pes­soas com base nas suas op­çons po­lí­ti­cas? Queremos, como con­tri­buin­tes, fi­nan­ciar cus­to­sas in­ves­ti­ga­çons po­li­ci­ais sus­ten­ta­das em va­gos in­dí­cios so­bre a co­mis­som de de­li­tos de opi­niom? Queremos, como de­mo­cra­tas, se­guir­mos a in­cluir na nossa lei pe­nal de­li­tos di­ri­gi­dos a cas­ti­gar de­ter­mi­na­das opi­ni­ons? Com cer­teza, a sen­tença da Operaçom Jaro de­ve­ria ser­vir para, quando me­nos, res­pon­der­mos, como so­ci­e­dade, es­sas perguntas.

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