Numa terra que através do tempo conservou uma espiritualidade paralela radicalmente diferente do cristianismo oficial, tinha tarde ou cedo que surgir um movimento organizado que fosse diretamente à raiz. É assim que na Galiza de hoje existe a Irmandade Druídica Galaica. Falamos com Xoán Milésio, Durvate Mor da IDG, de diversos aspetos da druidaria galaica. Lamentavelmente, as limitações espaciais forçaram-nos a deixar fora certas questões que, com certeza, não encerram menos interesse do que o resto.
Como é que se começa a articular a IDG?
Formalmente nasce no 2011, partindo dumas condições anteriores onde se misturavam convições e crenças pessoais com um renovado debate sobre o celtismo na nossa terra a raiz de novas investigações. Assim, surge também a necessidade de canalizar um sentimento e organizar as pessoas que o partilham, quando menos oferecer-lhes um lugar de encontro para continuarmos a aprendizagem entre todos e todas.
Esse sentimento era a evidência de que, como noutros lugares da Europa, existia na Callaecia uma forma peculiar de ver o mundo, a vida e a morte, uma sensibilidade, uma espiritualidade nativa que como elemento antropológico fulcral necessariamente influiu e influi todo o devir posterior.
Daí, lentamente, a IDG foi madurando até a sua legalização como entidade religiosa em 2015, onde tomou sem vergonha esse adjetivo de “religioso” numa tentativa de exemplificar a seriedade do projeto apesar dos nossos muito humildes números e recursos.
Não esqueçamos, seja dito, que o conceito atual de religião é uma mera construção ocidental que começa no século XVII e acaba de tomar forma só no século XIX no rastro do supremacismo cristão, mas é uma palavra que agora toda a gente percebe como algo minimamente organizado e com vocação de continuidade, e organicamente isso é o que é a IDG.
No vosso web, dizeis que não elaborardes reconstruções arbitrárias. Porém, ressuscitar, restaurar ou recuperar uma religião autóctone (quase) desaparecida não deve ser uma tarefa singela…
É certo que é muito complicado e há quem pense que é impossível, ou até algo de alucinados. Contudo, a verdade é que apesar das informações fragmentadas e da complexidade intrínseca também não é certo que saibamos tanta pouca cousa.
Tem-se dito e feito muito desde o primeiro ressurgir da Druidaria há mais de 200 anos e afortunadamente contamos já com um importante corpo de estudos comparados, que são fundamentais neste tipo de temas.
Digamos que é um trabalho a vários níveis e prolongado no tempo. Começamos por uma análise da nossa própria tradição, entre estudos de antropologia, história, religiosidade popular, etc, que depois podemos contrastar nos mesmos termos com o que sabemos do nosso entorno geográfico natural, que não é outro que a Europa Atlântica.
Pouco a pouco é fascinante descobrir como há certos elementos básicos que encaixam, desde uma determinada ética a uma cosmovisão idêntica. São como peças dum puzzle do que todos temos umas poucas mas onde precisamos pô-las em comum para vermos a imagem completa.
Sempre foi dito que nos territórios herdeiros da antiga Galécia ficam muitos vestígios da antiga religiosidade pré-cristã, que frequentemente sofreram processos de sincretização. Até que ponto os vossos cultos e formulações religiosas bebem destas fontes?
A religiosidade popular “pseudo-católica” — pouco tem de católico o chamado catolicismo galego, mal que lhe pese a Martinho de Dume na sua tomba e aos seus herdeiros — frequentemente codifica crenças anteriores bem pouco cristãs. Isso é factual e é um fenómeno habitual entre religiões em contacto ou quando uma é imposta sobre outra.
O assunto é que essas crenças podem ser filtradas tentando estabelecer a sua origem cronológica implementando, novamente, uma comparativa direta com outros povos europeus vizinhos. A informação derivada é altamente esclarecedora e, logicamente, de grande valor e utilidade para nós.