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Grupo de mulheres diante do julgado de Ourense com umha faixa que di "Se é machista nom é justiça".

Algumhas aclaraçons necessárias sobre a Lei do ‘só sim é sim’

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Grupo de mulheres diante do julgado de Ourense com umha faixa que di "Se é machista nom é justiça".
Concentraçom da Marcha Mundial de Mulheres em Ourense em 2021. | mar­cha mun­dial das mu­lhe­res — galiza

A Ley Orgánica 10/2022, de 6 de se­tem­bro, de ga­ran­tía in­te­gral de la li­ber­tad se­xual re­co­nhece no preâm­bulo a sua ori­gem e fun­da­mento nas rei­vin­di­ca­çons fe­mi­nis­tas. Esta Lei trata de de­nun­ciar a vi­o­lên­cia ma­chista como um pro­blema de es­tado, polo que adota um le­que de me­di­das até agora nom ti­das em conta: con­tem­pla o acom­pa­nha­mento no pro­cesso de de­nun­cia desde o iní­cio, a for­ma­çom in­te­gral dos pro­fis­si­o­nais que te­rám de in­ter­vir no pro­cesso po­li­cial, mé­dico-fo­rense e ju­di­cial e as me­di­das de pro­te­çom nos ca­sos de es­pe­cial vul­ne­ra­bi­li­dade ten­tando dar am­paro às mu­lhe­res que, além da vi­o­lên­cia in­fli­gida polo agres­sor se­xual, te­nhem de so­frer a vi­o­lên­cia ins­ti­tu­ci­o­nal quando por fim o denunciam.

Desde 7 de ou­tu­bro de 2022, data em que en­trou em vi­gor a lei, tras­cen­deu à opi­niom pú­blica é o es­ta­be­le­ci­mento de um único de­lito: agres­som se­xual, com in­de­pen­dên­cia de se me­diou vi­o­lên­cia e/ou in­ti­mi­da­çom. Também tras­cen­deu a re­du­çom da pena mí­nima do de­lito de agres­som se­xual. Do resto da lei… quase nada. Sim se sabe da LO 10/2022, ao máis puro es­tilo go­eb­be­li­ano, é que “be­ne­fi­cia os violadores”.

Porém, a ver­dade é que nom se re­du­zí­rom as pe­nas má­xi­mas de ne­nhum dos de­li­tos con­tem­pla­dos até a apro­va­çom da nova lei e, por­tanto, de­pende do cri­té­rio do tri­bu­nal que re­visa a sen­tença apli­car a re­du­çom ou man­ter a con­dena imposta.

Se es­tu­dar­mos al­guns ca­sos em que se “re­du­ziu” a pena po­derá-se ana­li­sar o ta­lante do Julgado e/ou Tribunal da(s) sentença(s) inicial/is:

1) A sec­çom sexta da Audiencia Provincial da Corunha, re­du­ziu em 18 me­ses a con­dena a um ho­mem que abu­sou da fi­lha da sua par­ceira, de 13 anos de idade, com umha dis­ca­pa­ci­dade e à qual ame­a­çava para que nom o con­tasse a nin­guém. A pena ini­ci­al­mente im­posta era de 6 anos de pri­som e o Tribunal re­du­ziu para 4 anos e seis meses.

Para pro­ce­der á re­du­çom, a Audiencia “en­ten­deu” que nom é apli­cá­vel a agra­vante de ser a ví­tima umha pes­soa es­pe­ci­al­mente vul­ne­rá­vel por ser me­nor e com dis­ca­pa­ci­dade por­que, se­gundo diz, tex­tu­al­mente: “nom fi­cou pro­vado que a dis­ca­pa­ci­dade da me­nor in­cre­men­tasse com re­le­vân­cia tí­pica a vu­le­ra­bi­li­dade que de­ri­vava da sua idade e dos fa­to­res cir­cuns­tan­ci­ais an­tes expostos”.

Se, acre­di­tado que a ví­tima é me­nor e tem dis­ca­pa­ci­dade, o ju­rado, num salto no ar, diz que nom “lhe” consta que isso afe­tasse ao facto de­li­tivo, é isso que vai pre­va­le­cer. Isso é o “Critério” judicial.

Nom se re­du­zí­rom as pe­nas má­xi­mas, por­tanto, de­pende do cri­té­rio do tri­bu­nal que re­visa a sen­tença apli­car a re­du­çom ou man­ter a condena

2) A Audiencia da Corunha re­du­ziu as pe­nas para os con­de­na­dos num caso de vi­o­la­çom e co­o­pe­ra­çom. Sucedeu em 2016, em Santiago de Compostela. A ví­tima ti­nha saído de festa com o seu na­mo­rado e com um amigo. Com a ex­cusa de levá-la para casa, e sa­bendo que o seu amigo que­ria ter re­la­çons com ela, con­du­zí­rom até um lu­gar apar­tado. Ali o amigo levou‑a à força ao as­sento de atrás e violou‑a en­quanto o na­mo­rado dela per­ma­ne­cia sem in­ter­vir no as­sento do condutor.

3) A Audiencia Provincial de Madrid (sala com­posta por Ana Vitoria Revuelta, Luis Carlos Pelluz e María del Pilar Casado) re­visa e re­duz a sua pró­pia con­dena po­los fac­tos su­ce­di­dos em 2018 quando qua­tro ami­gos den­tre 25 e 27 anos le­vá­rom umha ra­pa­riga com 65% de dis­ca­pa­ci­dade in­te­lec­tual a umha casa num po­lí­gono in­dus­trial para man­ter re­la­çons se­xu­ais com ela. A Fiscalia so­li­ci­tou umha con­dena de 17 anos para cada um: 14 anos por agres­som se­xual e ou­tros três por les­sons. O tri­bu­nal só con­de­nou um de­les a 6 anos de ca­deia por “agres­som se­xual” (a pena mí­nima da lei an­te­rior, sem con­tem­plar agra­van­tes que já exis­tiam na al­tura). A Audiencia re­du­ziu a pena para 4 anos.

Já na sen­tença ini­cial a pro­te­çom à ví­tima foi ine­xis­tente: an­tes, du­rante e des­pois do pro­cesso fi­cou de­sam­pa­rada. É ir­re­le­vante que ao único con­de­ado lhe fos­sem des­con­ta­dos 2 anos de pena, o que é in­crí­vel é que só se con­de­nasse um só vi­o­la­dor e a 6 anos. Entretanto, isso nom deve ser me­re­ce­dor de aná­lise para quem se es­can­da­li­zam pola reduçom.

4) A Audiencia Provincial de Madrid, em sen­tença de 7 de ou­tu­bro de 2022, re­duz umha con­dena de 6 anos e 9 me­ses de pri­som a tam só 1 ano e 3 me­ses a um pro­fes­sor de in­glês con­de­ado por abu­sar se­xu­al­mente de vá­rias alu­nas, al­gumhas me­no­res de idade.

Porém, de novo: nom “lhe” consta, ao tri­bu­nal, que as cir­cuns­tân­cias –elas me­no­res, ele o pro­fes­sor, adulto– fos­sem de­ter­mi­nan­tes para a co­mis­som do delito.

Umha reforma ineficaz

Numha manifestaçom feminista, umha moça está disfarçada de justiça, com umha venda nos olhos e umha balança na mau.
Concentraçom na Corunha polo 25N, em 2021. | ra­dio coruña

Nom es­ta­mos longe dos juí­zos onde se pre­gun­tava à mu­lher se fe­chara bem as per­nas. Estes juí­zes e juí­zas es­tám re­vi­sando as suas pró­prias sen­ten­ças que já im­pu­ge­ram por im­pe­ra­tivo ju­rí­dico-so­cial e nom por con­vi­çom pró­pria nem por apli­ca­çom téc­nica do di­reito, que re­tor­ciam (e re­tor­cem) até ní­veis insuspeitos.

Com isto tudo, pom-se o foco na re­forma das pe­nas como cor­re­çom ao “erro” co­me­tido polo Ministerio de Igualdad. Porém, com esta re­forma nom se vai po­der im­pe­dir que no pe­ríodo em que es­ti­ver em vi­gor a atual se pro­ceda à re­vi­som e re­du­çom das con­de­nas im­pos­tas até o 7/10/2022 (caso os tri­bu­nais, juí­zes e juí­zas “achem que pro­cede”), com o qual esta re­forma tem a única fi­na­li­dade de sus­ten­tar o dis­curso de que a lei do ‘só o sim é sim’ ataca as mu­lhe­res e está re­a­li­zada por pes­soas incompetentes.

Podia ter-se in­tro­du­zido umha dis­po­si­çom tran­si­tó­ria que pre­visse que nos ca­sos já sen­ten­ci­a­dos se ti­nha que man­ter a pena se esta fi­cava no arco abran­gido pela nova lei. Contudo, isso nom te­ria evi­tado en­ten­der –como se está a fa­zer nas re­vi­sons– que a agra­vante con­si­de­rada nom con­cor­ria ou que, mesmo con­cor­rendo, nom ti­vesse in­ci­dên­cia no de­lito, pro­ce­dendo a re­vi­som na mesma. Se o di­reito fos­sem ma­te­má­ti­cas, nom exis­ti­riam sen­ten­ças con­tra­di­tó­rias, nem se­quer distintas.

Em qual­quer caso, exis­tem os cha­ma­dos prin­cí­pios in­for­ma­do­res do di­reito, en­tre ou­tros o art. 3.1 do Código Civil (“as nor­mas se­rám in­ter­pre­ta­das se­gundo o sen­tido pró­prio das suas pa­la­vras, em re­la­çom ao con­texto, aos an­te­ce­den­tes his­tó­ri­cos e le­gis­la­ti­vos e à re­a­li­dade so­cial do tempo em que ham de ser apli­ca­das, aten­dendo fun­da­men­tal­mente ao es­pí­rito e à fi­na­li­dade da­que­las”), que se aplica tam­bém ao prin­cí­pio de re­tro­a­ti­vi­dade das leis que fa­vo­re­cem o réu, pre­visto no art. 2.2. do Código Penal.

Os prin­cí­pios in­for­ma­do­res do di­reito nom som ex­clu­den­tes, mas con­cor­ren­tes. Assim, a re­du­çom das pe­nas a in­vo­car o di­reito ao ‘be­ne­fí­cio da lei mais fa­vo­rá­vel’ está efe­tuar-se de forma in­justa, pre­va­ri­ca­dora e con­trá­ria ao di­reito, além de pro­du­zir o efeito oposto ao pre­ten­dido polo texto le­gal e ainda além de que, na mai­o­ria dos ca­sos, as sen­ten­ças eram já à par­tida in­jus­tas. Esta cir­cuns­tân­cia tam­bém é subs­traída do de­bate me­diá­tico: nom con­vém ana­li­sar as sen­ten­ças ha­vi­das até a data nos ca­sos de agres­sons e abu­sos se­xu­ais por­que po­nhem em evi­dên­cia a vi­o­lên­cia institucional.

O consentimento no centro

Umha das no­vi­da­des mais ra­di­cais da lei é que co­loca o con­sen­ti­mento no cen­tro, como ma­neira de equi­li­brar pro­ces­su­al­mente a vul­ne­ra­bi­li­dade so­cial das mu­lhe­res. Até agora a gra­da­çom da gra­vi­dade do de­lito es­ta­be­le­cia-se se­gundo exis­tisse vi­o­lên­cia e/ou in­ti­mi­da­çom, en­ten­dendo por vi­o­lên­cia a pre­sença de gol­pes, ar­mas ou con­tex­tos que o pa­tri­ar­cado de­fi­nir como tal. Se o con­sen­ti­mento é o cen­tro, o mero facto de de­nun­ciar é prova in­di­ciá­ria de que aquele nom exis­tiu, polo que será o agres­sor e nom a ví­tima quem te­nha de de­mons­trar que a re­la­çom foi consentida.

Se se si­tua o con­sen­ti­mento no cen­tro é o agres­sor quem tem de de­mons­trar que a re­la­çom foi consentida

Parece que se de­bi­lita o prin­ci­pio de pre­sun­çom de ino­cên­cia que deve am­pa­rar a toda pes­soa acu­sada de um de­lito, mas acon­tece que se pro­duz um ne­ces­sá­rio equi­lí­brio. Analogamente, na ju­ris­di­çom so­cial, quando o/a trabalhador/a alega vul­ne­ra­çom dos seus di­rei­tos, o/a empresário/a, como parte “forte” do pro­cesso, deve pro­var que nom se pro­du­ziu, bas­tando à pes­soa tra­ba­lha­dora a mera ale­ga­çom para tres­la­dar a carga pro­va­tó­ria. Porque quando fa­la­mos da vi­o­lên­cia ma­chista, fa­la­mos de um de­lito am­pa­rado numha vi­o­lên­cia es­tru­tu­ral, que pre­cisa de pro­te­çom es­pe­cial para as ví­ti­mas, já que existe umha po­si­çom po­lí­tico-so­cial de vul­ne­ra­bi­li­dade ini­cial das mu­lhe­res e de su­pe­ri­o­ri­dade dos ho­mens que per­mite que se poda pro­du­zir ese de­lito. Este é o de­bate que de­via ter ge­rado a lei.

A nova lei es­ta­be­lece me­di­das até agora ine­xis­ten­tes, como a im­po­si­çom de pe­nas aces­só­rias à pri­som: ina­bi­li­ta­çom para exer­cer um cargo como au­to­ri­dade pú­blica, como do­cente, tra­ba­lha­dor em con­tacto com me­no­res, fun­ci­o­ná­rios de pri­sons, de cen­tros de me­no­res…; me­di­das a res­peito dos pró­pios filhos/as/es: a ina­bi­li­ta­çom para exer­cer a res­pon­sa­bi­li­dade pa­ren­tal, cu­ra­do­rias etc, sem que de­penda da von­tade do juíz, juíza ou tri­bu­nal, a evi­den­ciar que o pe­rigo do agres­sor se­xual abrange muito mais que a ví­tima di­reta, sendo um pe­rigo para a so­ci­e­dade no seu conjunto.

Cria-se um fundo de com­pen­sa­çom des­ti­nado a fi­nan­ciar me­di­das de re­pa­ra­çom às ví­ti­mas, por­que pouco ou nada se fala de que as mu­lhe­res ví­ti­mas de agres­som e/ou abu­sos se­xu­ais numha per­cen­ta­gem ele­va­dís­sima, sem com­pa­ra­çom com ne­nhum ou­tro de­lito, re­nun­ci­a­vam à even­tual in­dem­ni­za­çom como forma de acre­di­tar que a sua de­nún­cia era ve­raz e nom ti­nha um fim económico.

A lei 10/2022 cria re­cur­sos de pre­ven­çom, de­te­çom e acom­pa­nha­mento ao longo do pé­ri­plo que umha ví­tima de vi­o­lên­cia ma­chista deve per­cor­rer, sendo as pe­nas, se ca­lhar, o me­nos re­le­vante do texto.

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