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Ancares, o parque natural que ainda não foi

por
da­vid pérez

Nas du­ras in­ver­nias, dos al­tos dos Mons Ferus, perto das Fragas do Eume, en­xer­ga­mos na li­nha do ho­ri­zonte, alva, uma serra e sa­be­mos que são os cu­mes ne­va­dos dos Ancares, as úl­ti­mas es­tri­ba­ções da Cordilheira Cantábrica, onde a Terra Mãe acaba. 

Mira-va­les (1966 m), Cuínha (1992 m), Pena Longa (1881 m), Mostalhar (1934 m), Pico dos Lagos (1866 m), Três Bispos (1794 m), Pena Rúvia (1822 m)… De norte a sul, es­tas são as mai­o­res al­ti­tu­des das ser­ras ori­en­tais (com li­cença de Pena Trevinca e os seus 2127 m).

Serra con­fi­gu­rada po­las oro­ge­nias her­cí­nica, pri­meiro, e al­pina de­pois; e mol­dada por gla­ci­a­ções qua­ter­ná­rias, cuja pe­gada po­de­mos ob­ser­var nos va­les em forma de U, pon­ti­lha­dos de mo­re­nas e pe­que­nos la­gos, ou nos cir­cos gla­ci­ais, au­tên­ti­cos an­fi­te­a­tros na­tu­rais que o gelo afei­çoou. Repartem-se os va­les an­ca­re­ses en­tre as ba­cias dos rios Sil e Návia. Geologicamente, as ro­chas pre­do­mi­nan­tes são xis­tos, are­ni­tos, quart­zi­tos, cal­cá­rios e filitos. 

Lato sensu, a co­marca está di­vi­dida ad­mi­nis­tra­ti­va­mente en­tre as pro­vín­cias de Lugo, Leão e Oviedo, sem uma de­mar­ca­ção pre­cisa. Montes de Návia, de Cervantes, de Bezerreã, do Zebreiro, va­les de Ancares, de Íbias… É claro que to­das es­tas ter­ras par­ti­lham tra­ços et­no­grá­fi­cos co­muns. Na ar­qui­te­tura po­pu­lar des­ta­cam-se as pa­lho­ças, ca­sas tra­di­ci­o­nais de re­mi­nis­cên­cias cas­tre­jas, com planta cir­cu­lar e teito de colmo (pa­lha de cen­teio). Existem tam­bém im­por­tan­tes ves­tí­gios ar­que­o­ló­gi­cos, den­tre os quais se sa­li­en­tam os pe­tró­gli­fos gra­va­dos em xisto. Linguisticamente, o iso­la­mento des­tas ter­ras per­mi­tiu con­ser­var ca­rac­te­rís­ti­cas per­di­das no resto da Galiza, como, por exem­plo, a na­sa­li­dade que con­ser­vam pa­la­vras como «ir­mão» ou «co­ra­ções» no vale de Ancares.

A co­marca está ad­mi­nis­tra­ti­va­mente di­vi­dida en­tre as pro­vín­cias de Lugo, Leão e Oviedo: Montes de Návia, de Cervantes, de Bezerreã, do Zebreiro, va­les de Ancares, de Íbias…

E se o seu pa­tri­mó­nio cul­tu­ral se re­vela im­por­tan­tís­simo, os Ancares são co­nhe­ci­dos, fun­da­men­tal­mente, po­los seus va­lo­res naturais…

O galo-mon­tês (Tetrao uro­gal­lus) foi a ave icó­nica des­tas mon­ta­nhas, onde ti­nha o seu li­mite oci­den­tal de dis­tri­bui­ção. A der­ra­deira ob­ser­va­ção fiá­vel nos Montes de Cervantes data de 2003, re­fere-se a um exem­plar fê­mea em Cabana Velha. Todavia ou­tra fê­mea de­so­ri­en­tada apa­re­ceu na al­deia Candim em maio de 2019, mas a pita-do-monte pode-se con­si­de­rar ex­tinta em toda a serra. Sendo o fu­turo da su­bes­pé­cie can­tá­brica ex­tre­ma­mente preocupante.

Nos Ancares ainda po­de­mos ver char­re­las (Perdix per­dix) ga­le­gas, uma es­pé­cie de per­diz de alta mon­ta­nha. Mais uma ave ga­li­forme que pa­rece con­de­nada à de­sa­pa­ri­ção no nosso país.

Aqui, na se­gunda me­tade do sé­culo XX, en­con­trou o urso-pardo (Ursus arc­tos)  o seu úl­timo re­fú­gio ga­lego. Hoje, fe­liz­mente, a es­pé­cie volta a es­tar em ex­pan­são e co­lo­niza no­vas áreas mais a sul.

ne­rea v. lameiro

A le­bre-de-pi­or­nal (Lepus cas­tro­vi­e­joi) é ou­tro dos te­sou­ros fau­nís­ti­cos des­tas mon­ta­nhas. Endemismo ex­clu­si­va­mente can­tá­brico, que ha­bita en­tre os 1.000 e os 1.900 m de al­ti­tude, da Serra dos Ancares à de Híjar. O seu nome ci­en­tí­fico é uma ho­me­na­gem ao ga­lego Javier Castroviejo, o pri­meiro bió­logo que in­ves­ti­gou esta le­bre e um dos prin­ci­pais es­tu­di­o­sos da bi­o­di­ver­si­dade des­tas montanhas.

Nos Ancares, por riba dos 1600 m, sub­siste tam­bém uma in­te­res­sante cu­ri­o­si­dade her­pe­to­ló­gica, a la­gar­tixa-das-bra­nhas (Zootoca vi­vi­para), uma es­pé­cie tí­pica das tur­fei­ras. Ora, ape­sar do seu nome ci­en­tí­fico, a su­bes­pé­cie louis­lantzi que acha­mos no norte da Península não é vi­ví­para, mas oví­para. E mesmo que, tra­di­ci­o­nal­mente, se te­nha con­si­de­rado uma he­rança das eras gla­ci­ais, na Galiza, para além dos Ancares, lo­ca­li­zamo-la nal­gu­mas ser­ras do ex­tremo norte, por ve­zes, a al­ti­tu­des sur­pre­en­den­te­mente bai­xas, de até 367 m!!!

Os bos­ques an­ca­re­ses têm uma alta bi­o­di­ver­si­dade, fruto da con­fluên­cia da re­gião bi­o­ge­o­grá­fica eu­ro­si­be­ri­ana com a me­di­ter­râ­nica. Existem fai­ais (Fagus syl­va­tica) como o da Pintinidoira, o mais oci­den­tal da Europa; azi­nhais (Quercus ilex) como o de Cruzul, o mais se­ten­tri­o­nal da Galiza; sou­tos (Castanea sa­tiva) mag­ní­fi­cos como os de Búrbia; aze­ve­dos (Ilex aqui­fo­lium) que, como o de Cabana Velha, ali­men­ta­ram e pro­te­ge­ram os ga­los-mon­te­ses; e gran­des car­va­lhei­ras com car­va­lhos-al­va­ri­nhos (Quercus ro­bur), car­va­lhos-bran­cos (Quercus pe­traea) e os seus hí­bri­dos (Quercus ro­sa­cea) ou com car­va­lhos-ne­grais (Quercus py­re­naica). 

Os Montes de Cervantes guar­da­vam ex­ten­sas flo­res­tas ca­du­ci­fó­lias, quase pri­mi­gé­nias… Porém a par­tir de 1915 e du­rante uns três lus­tros, co­me­çou a ope­rar em Vilarelho de Donis a com­pa­nhia ma­dei­reira «Los Ancares» do marquês de Riestra, que cor­tou as me­lho­res ár­vo­res da mata do rio do Ortigal. Não se­ria a única, nem a úl­tima agres­são so­frida por es­tes bosques.

Os Montes de Cervantes guar­da­vam ex­ten­sas flo­res­tas ca­du­ci­fó­lias, quase pri­mi­gé­nias… Porém a par­tir de 1915 e du­rante uns três lus­tros, co­me­çou a ope­rar em Vilarelho de Donis a com­pa­nhia ma­dei­reira ‘Los Ancares’ do marquês de Riestra, que cor­tou as me­lho­res ár­vo­res da mata do rio do Ortigal

A res­peito da pro­te­ção am­bi­en­tal da re­gião, em 1966, cri­ava-se a «Reserva Nacional de Caça dos Ancares (Lugo)» e sete anos mais tarde a «dos Ancares Leoneses (León, Oviedo)» (sic.).  Estas re­ser­vas per­mi­ti­ram a rein­tro­du­ção, com fins ci­ne­gé­ti­cos, de es­pé­cies como o ve­ado (Cervus elaphus), o re­beço-can­tá­brico (Rupicapra py­re­naica) ou a ca­bra-brava (Capra py­re­naica). Em 1971, a ver­tente le­o­nesa da serra de Ancares re­ce­beu a con­si­de­ra­ção de «Paisagem Pitoresca» e, em 2002, foi-lhe con­ce­dido o tí­tulo de «Espaço Natural da Serra dos Ancares (León)», com um ní­vel de pro­te­ção me­nor abaixo do de par­que na­tu­ral. No ano de 2006, eram de­cla­ra­das as re­ser­vas da bi­os­fera dos «Ancares Lucenses, e Montes de Cervantes, Návia e Bezerreã», por um lado, e a dos «Ancares Leoneses» por outro. 

Em 1929, aquele que logo se tor­nou o di­re­tor da se­ção de Ciências Naturais do Seminário de Estudos Galegos e ca­te­drá­tico de Biologia, Luís Igrejas, pu­bli­cava El Parque Regional Gallego, um li­vro em que re­cla­mava a pro­te­ção am­bi­en­tal deste ter­ri­tó­rio para pre­ser­var «es­tas es­pé­cies de ani­mais que só rara ou uni­ca­mente se en­con­tram neste lo­cal» e que, va­ti­ci­nou, irão «de­sa­pa­re­cer to­tal­mente pola en­car­ni­çada per­se­gui­ção que so­frem por parte de maus e ines­cru­pu­lo­sos ca­ça­do­res».  Pois bem, quase um sé­culo de­pois, por in­crí­vel que pa­reça e con­tra­ri­a­mente ao que tan­tas ve­zes se afirma, os Ancares con­ti­nuam à es­pera de ser par­que natural. 

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