Periódico galego de informaçom crítica

Ano 2020, um homem foi linchado ontem

por
héc­tor barandela

Som tem­pos com­ple­xos os que es­ta­mos a vi­ver. COVID-19, mor­tes es­pa­lha­das polo mundo, exa­mes e pre­cau­çons, me­nos con­tato so­cial, mais en­cerro e vi­o­lên­cia, maior pre­sença nas re­des so­ci­ais…. E de sú­peto, so­mos tes­te­mu­nhas de um as­sas­si­nato que se co­mete du­rante o dia e fica re­gis­tado no te­le­mó­vel de umha ra­pa­riga ne­gra que acha ne­ces­sá­rio gra­var o acon­te­ci­mento para que as vi­das das ne­gras importem.

Passam dias e este su­cesso é re­pe­tido mi­lha­res de ve­zes nos meios de co­mu­ni­ca­çom obri­gando-nos a to­das a ser cúm­pli­ces da im­pu­ni­dade com a que pes­soas, que re­pre­sen­tam as for­ças da “or­dem”, co­me­tem um crime abo­mi­ná­vel mesmo sa­bendo que es­tám a ser gra­va­dos num te­le­fone. Parte-se-me a alma ao es­cui­tar George Floyd pe­dindo cle­mên­cia e in­clu­sive cha­mar a sua nai nes­ses fa­tí­di­cos mi­nu­tos an­tes de dei­xar de fa­lar, de lui­tar, de respirar. 

Passam este ví­deo no te­le­jor­nal en­quanto apuro a co­mida e dis­cuto com o meu com­pa­nheiro so­bre a du­reza das ima­gens e a ne­ces­si­dade de re­pro­duzi-las na te­le­vi­som, sem avi­sar pre­vi­a­mente de que nesse mo­mento va­mos ver como um ho­mem ne­gro de idade adulta é vi­o­len­tado de um modo tam cruel.

[Paro de jan­tar, re­volve-se-me o es­tó­mago e as bá­goas co­me­çam a caí­rem sem dar-me conta…velai ou­tro mais]

Desligo a te­le­vi­som e tento re­co­brar a es­ta­bi­li­dade en­quanto penso so­bre a “boa sorte” que te­mos as pes­soas ne­gras neste mundo cruel. Surpreende a falta de sen­si­bi­li­dade de to­dos os meios (ade­mais das mi­lha­res de pes­soas) que nom fam mais do que par­ti­lhar algo que, do meu ponto de vista, re­pre­senta a des­graça e a ne­gro­fo­bia pre­sen­tes, ainda que de­pois mui­tas des­sas pes­soas se can­sem em re­pe­tir esse man­tra de: “Nom vejo co­res, to­das as pes­soas per­ten­ce­mos à raça humana”.

Surpreende a falta de sen­si­bi­li­dade de to­dos os meios que nom fam mais do que par­ti­lhar algo que, do meu ponto de vista, re­pre­senta a des­graça e a ne­gro­fo­bia presentes

Esse ter­rí­vel su­cesso e as mi­lha­res de re­vol­tas que se su­ce­dem du­rante dias em di­fe­ren­tes par­tes do mundo ser­vem para que a mai­o­ria da po­pu­la­çom branca que, até o mo­mento vi­via num coma in­du­zido, te­nha em boca pa­la­vras com as quais an­te­ri­or­mente nom se sen­tia iden­ti­fi­cada, nom com­pre­en­dia ou ne­gava ro­tun­da­mente que isso se­quer exis­tira. Termos como ‘ra­cismo ins­ti­tu­ci­o­nal’ e a sua vin­cu­la­çom com as atu­a­çons das for­ças de se­gu­rança do es­tado pas­sam a con­ver­ter-se no fio con­du­tor de um mo­vi­mento an­tir­ra­cista de meia-pa­taca que pre­cisa fa­zer-se vi­sí­vel (para exis­tir) atra­vés de um qua­drado em ne­gro  que sim­bo­liza o seu apoio a esta cor­rente po­lí­tica tam ne­ces­sá­ria em to­das. Resulta quase de brin­ca­deira essa fa­ci­li­dade para ex­pli­car a co­ne­xom en­tre o ra­cismo ins­ti­tu­ci­o­nal e o fun­ci­o­na­mento de umha so­ci­e­dade como a ame­ri­cana en­quanto ne­gam que essa mesma si­tu­a­çom su­ceda aqui onde elxs vi­vem, tam per­ti­nho da casa e da sua realidade.

O que acon­tece no ter­ri­tó­rio do es­tado es­pa­nhol nom é re­co­nhe­cido po­los meios e as mas­sas po­pu­la­res como ra­cismo ins­ti­tu­ci­o­nal, nom existe a bru­ta­li­dade po­li­cial neste país, e, de exis­tir, é para con­ter aque­las on­da­na­das de imi­gran­tes ile­gais que ve­nhem vi­ver do es­tado e rou­bar em­pre­gos que nin­guém quer.

héc­tor barandela

É in­dig­nante como as mor­tes desta parte do mundo nom te­nhem tanto ti­rom como as que acon­te­cem lá, basta com­pa­rar os mi­nu­tos da­dos para ana­li­sar o caso de George Floyd com o acon­te­cido com as mor­tes do Tarajal, a morte de Imad num cen­tro de me­no­res ou as es­tra­nhas mor­tes que te­nhem lu­gar du­rante as cus­tó­dias po­li­ci­ais, por nom fa­lar da exis­tên­cia dos CIES e o que ocorre em ter­ri­tó­rio de ninguém.

Penso que no Estado es­pa­nhol de­ma­si­a­das ve­zes com­pa­ram-se ou vin­cu­lam-se os ter­mos ra­cismo, imi­gra­çon ou ile­ga­li­dade, facto que sim­pli­fica a re­a­li­dade e oculta as vul­ne­ra­çons que te­nhem ca­bida nessa tríada.

O que é o ra­cismo para a so­ci­e­dade ga­lega e como se reproduz?

Quem som aque­las pes­soas con­si­de­ra­das imi­gran­tes? Só elas es­tám ex­pos­tas aos com­por­ta­men­tos racistas?

Quem som con­si­de­ra­das ilegais?

Eu per­gunto-me, é tam sim­ples para es­tas pes­soas iden­ti­fi­car a fun­ci­o­na­li­dade do ra­cismo numha re­a­li­dade tam afas­tada como a que existe nos Estados Unidos da América e nom a que so­frem as suas vi­zi­nhas na Galiza?  Trata-se de sim­ples ig­no­rân­cia ou de hi­po­cri­sia para de­nun­ciar aquela si­tu­a­çom e à vez ser cúm­plice de um sis­tema es­pa­nhol que te be­ne­fi­cia no mo­mento em que nasces?

O que é o ra­cismo para a so­ci­e­dade ga­lega e como se re­pro­duz? Quem som aque­las pes­soas con­si­de­ra­das imi­gran­tes? Só elas es­tám ex­pos­tas aos com­por­ta­men­tos ra­cis­tas? Quem som con­si­de­ra­das ilegais?

É pre­ciso re­co­nhe­cer a pele que ha­bi­ta­mos e o con­texto his­tó­rico e so­cial em que me­dra­mos an­tes de pôr-nos a re­fle­xi­o­nar e opi­nar so­bre re­a­li­da­des alheias nunca so­fri­das. Som di­ver­sas as va­riá­veis a ter em conta as­sim como a na­tu­reza do sis­tema co­lo­nial her­dado. Ditos ima­gi­ná­rios, cons­truí­dos em épo­cas de co­lo­ni­za­çom, ex­pro­pri­a­çom e ex­plo­ra­çom ra­cial dei­xam umha pe­gada his­tó­rica que pouco in­te­ressa a aque­las an­ti­gas po­ten­cias mun­di­ais der­ru­ba­rem. Como se es­ta­be­lece o pri­vi­lé­gio ra­cial e por que é umha tó­nica que se re­pro­duz na atu­a­li­dade? Será que isto ser­via e serve para fa­vo­re­cer a mo­bi­li­dade so­cial de umhas eli­tes bran­cas que se ne­gam a re­co­nhe­cer dito po­der para nom ter que re­parti-lo? Como me be­ne­fí­cio eu desta ló­gica? O que acon­tece no meu país com as pes­soas ra­ci­a­li­za­das? Som vi­o­len­ta­das como acon­tece em EUA com a bru­ta­li­dade po­li­cial con­tra a co­mu­ni­dade negra?

Para mim es­tas som as pri­mei­ras per­gun­tas que cada pes­soa deve res­pon­der, re­fle­xi­o­nar,  em pri­vado (a po­der ser) so­bre a sua vida e a dos seus fa­mi­li­a­res e a re­la­çom com a so­ci­e­dade ou país em que re­side. Nom de­ve­mos ter medo a ques­ti­o­nar-nos, pois é o modo de de­sa­pren­der so­bre a nossa tra­je­tó­ria vi­tal e cons­truir fer­ra­men­tas com as que de­sa­cor­dar an­ti­gas ati­tu­des e com­por­ta­men­tos ra­cis­tas para co­me­çar a ser umha cúm­plice mais. Pensar que esta luita an­tir­ra­cista só nos per­tence às pes­soas ra­ci­a­li­za­das é um grande erro.

Agora que já o sa­bes, que vás fazer?

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