
Vista suspensa. Assim rematou a manhá do 19 de dezembro nos julgados de Fontinhas. Horas antes, dúzias de pessoas solidárias reuniam-se para apoiar o Chema Naia, vítima do que, objetivamente, semelha umha táctica dos agentes de polícia para evitarem represálias penais pola sua atuaçom durante o violento despejo do CS Escárnio e Maldizer. Já o deixou dito o sobrevalorizado Sun Tzu: a melhor defesa é um bom ataque.
Tecnicamente, a suspensom foi correta: umha vez que, iniciado o juízo, se pom de relevo a impossibilidade de continuar com a prática da prova pertinente e útil solicitada polas partes, o juíz non pode fazer mais do que suspender a vista. No caso particular, esta medida tende a garantir um dos princípios da prática da prova, chamado de concentraçom. A concentraçom implica que os diferentes meios de prova devem ser praticados de seguido, en unidade de ato, permitindo a quem vai ditar a sentença ter umha visom global do caso, evitando assim que o passo do tempo entre prova e prova faça esquecer elementos relevantes.
A impossibilidade de cumprir com o princípio de concentraçom neste caso tem por causa umha prática indesejável, segundo a qual os julgados venhem entendendo que, por causa da Covid-19, o depoimento de testemunhas pode ser feito telematicamente
Cumpre ter claro que a impossibilidade de cumprir com o princípio de concentraçom no caso particular tem por causa umha prática indesejável, segundo a qual os julgados venhem entendendo que, por causa da COVID-19, o depoimento de testemunhas pode ser feito telematicamente. Isto é especialmente incompreensível no caso de funcionários públicos, como agentes de polícia, que contam com o dia livre para prestarem declaraçom. Mas é também incompreensível porque essa declaraçom telemática entorpece outro princípio fundamental da prática de prova, como é o de imediaçom, que implica que a juíza que vai valorar a prova deve presenciá-la por si própria, com a finalidade de captar toda aquela informaçom que nom fique compreendida pola comunicaçom verbal de quem testemunha, mas também para permitir a espontaneidade, que se tem por elemento chave à hora de conhecer a verdade dos feitos ajuizados.

Também nom podemos esquecer que a impossibilidade de continuar com o juízo se devesse à inoperáncia da tecnologia providenciada pola Conselharia de Justiça da Junta para a declaraçom a distáncia. Basicamente, o software da Conselharia nom permitia a visualizaçom simultánea de um vídeo na sala de audiências e na sala da qual os agentes estavam a depor. Umha funcionalidade que, na atualidade, permitem mesmo várias aplicaçons de uso gratuito.
Para além das irregularidades técnicas, pode ser interessante umha breve reflexom no que di respeito aos efeitos que o processo penal, e as práticas judiciais em geral, produzem sobre as pessoas submetidas ao sistema penal, em particular, quando se trata de situaçons como a presente.
No seu relatório anual sobre violência institucional, a associaçom ofere um dado que chama a atençom: 81% de casos de abusos policiais ficam sem investigar e, muitas vezes, as vítimas som tratadas com desconfiança polos poderes públicos
Há uns meses a associaçom catalá de defesa dos direitos fundamentais, Iridia, apresentava o seu relatório anual sobre violência institucional. Um dado chama a atençom: 81% de casos de abusos policiais ficam sem investigar e, muitas vezes, as vítimas som tratadas com desconfiança polos poderes públicos, que ponhem en dúvida o seu relato dos feitos, causando a sua revitimizaçom. Nalguns casos, como o presente, as vítimas acabam mesmo por serem julgadas como agressoras.
Os efeitos deste tipo de práticas, segundo Iridia, som múltiplos e muito graves no plano psicossocial. Por isso, qualquer debate sério sobre saúde mental deve abordar a violência institucional, que afeta a um grande número de pessoas, atenta de forma grave contra a dignidade das pessoas e tem a sua causa na própria atuaçom do Estado, normalmente no quadro do exercício de direitos fundamentais, como o de manifestaçom. Umha forma de avançar para esse objetivo é mudar a cultura judicial, de forma que se mude a sua relaçom com a polícia e sirva efetivamente como instáncia de controlo da atividade administrativa no plano penal.