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Após a COVID-19: Volta à terra?

por
charo lo­pes

Ao igual que certos sectores da classe obreira ganhárom novo prestígio ‑limpadoras, caixeiras, enfermeiras -, os labregos recebêrom o reconhecimento da populaçom como garantes da subsistência de todos. Além disso, a expansom do vírus associou-se aos fenómenos capitalistas do turismo massivo, o contágio por simplificaçom de ecossistemas e a macro-urbanizaçom. Juntam-se os ingredientes para um novo olhar sobre o agro e a natureza.

Do ponto de vista de­cres­cen­tista, o cen­tro de gra­vi­dade dum mo­delo fu­turo que ga­ran­tisse a nossa so­bre­vi­vên­cia como es­pé­cie está no ru­ral e numha nova re­la­çom com a Terra. “Sempre di­xe­mos que cum­pria ru­ra­li­zar a so­ci­e­dade; que in­clui ob­vi­a­mente ru­ra­li­zar as ci­da­des, mas tam­bém ru­ra­li­zar o pró­prio agro, que se move em cha­ves in­dus­tri­a­lis­tas”, ex­pom Miguel Anxo Abraira, ati­vista da Rede Galega do Decrescimento. “No curto prazo, eu nom som nada oti­mista. Penso que es­ta­mos ape­nas num pa­rên­tese, trás do qual vol­ve­re­mos ao dogma do cres­ci­mento”, acrescenta. 

Produtoras na encruzilhada

Embora o tó­pico nos si­tue como um país de po­tente pro­du­çom agro-ga­deira, Abraira es­cla­rece que esta é umha ver­dade par­cial: “Temos mo­no­cul­ti­vos for­tes como o leite, mas por volta de 50% dos ali­men­tos que con­su­mi­mos pro­cede de fora da Galiza”. Na mesma li­nha pro­nun­cia-se Isabel Vilalba, la­brega e sin­di­ca­lista no SLG: “Eu nom me atrevo a fa­zer pre­di­çons, mas per­cebo que nes­tes dias o nosso dis­curso em fa­vor da so­be­ra­nia ali­men­tar ga­nhou apoios”. Para Vilalba, a re­cu­pe­ra­çom do mundo agrá­rio foi “umha odis­seia” e es­cla­rece: “te­mos dous mo­de­los: os que pro­cu­rá­rom ex­plo­ra­çons muito ca­pi­ta­li­za­das, que ra­pi­da­mente se en­di­vi­dá­rom e nom dé­rom se­guido o ritmo pro­du­tivo que exige a grande in­dús­tria; ou o das pes­soas rein­cor­po­ra­das ao ru­ral com a ideia da pro­du­çom agro­e­co­ló­gica, sem­pre obs­ta­cu­li­za­das pola nor­ma­tiva eco­nó­mica e hi­gié­nico-sa­ni­tá­ria.” O po­si­ci­o­na­mento ins­ti­tu­ci­o­nal con­tra o la­brego pa­rece evi­dente e Vilalba chama a le­var em conta a di­men­som po­lí­tica: “Cumpre apos­tar por umha mu­dança. Ora, nós tam­bém te­mos claro que isto nom é pos­sí­vel sem um grande pro­cesso de auto-or­ga­ni­za­çom popular.”

Limitaçom de liberdades

Joám Evans Pim é um mi­li­tante eco­lo­gista que vive na pa­ró­quia de Frojám, em Lousame. Joám, um dos di­na­mi­za­do­res das Brigadas Deseucaliptizadoras, tem pa­la­vras ro­tun­das para o que está a acon­te­cer: “Fora a pro­ble­má­tica con­creta do ví­rus, o que penso é que se exe­cuta um plano de li­mi­ta­çom das li­ber­da­des que pre­para umha volta à nor­ma­li­dade de sem­pre, no sen­tido da men­ta­li­dade ur­bana e industrialista”.

Joám Evans Pim: “Cumpre que in­ter­ve­nha a so­ci­e­dade civil”

Evans acha que neste con­texto al­guns se­to­res mi­no­ri­za­dos cons­ci­en­ci­a­li­za­dos po­de­riam ace­le­rar um des­lo­ca­mento cara o ru­ral, e como “evi­dên­cia ane­dó­tica” sa­li­enta que as Brigadas Deseucaliptizadoras re­ce­bê­rom nes­tas se­ma­nas mui­tas men­sa­gens de apoio, “mas eu nom me atrevo a di­zer que isto é um ponto de in­fle­xom.”, ma­ni­festa. Este eco­lo­gista aguarda que a ges­tom da crise nom re­caia ape­nas em es­pe­ci­a­lis­tas e po­lí­ti­cos: “Cumpre que in­ter­ve­nha a so­ci­e­dade ci­vil, e ante o que se avi­zi­nha, nom só para fa­lar do ru­ral: mas tam­bém de mo­delo sa­ni­tá­rio, de di­rei­tos, ou de desobediência”.

Todos os direitos em questom

A pre­ten­som de pro­te­ger a saúde das pes­soas vul­ne­rá­veis, e a res­pon­sa­bi­li­dade in­di­vi­dual por nom es­ten­der o con­tá­gio, mi­ni­mi­zou a crí­tica e a de­so­be­di­ên­cia. Porém, sa­be­mos que a pre­tensa luita pola saúde eli­mi­nou au­to­no­mias, si­tuou o exér­cito na rua e em­pa­pou a casta po­lí­tica com um dis­curso be­li­cista inau­dito. Enquanto Portugal ou a Alemanha per­mi­tiam rei­vin­di­ca­çons obrei­ras no 1 de maio, a Espanha go­ver­nada pola “es­querda” proscrevia-as.

Borxa Colmenero é ad­vo­gado, pro­fes­sor da Universitat Oberta da Catalunha e co­la­bo­ra­dor de mo­vi­men­tos po­pu­la­res que ques­ti­o­nam os abu­sos do po­der. Colmenero afirma que “o facto de fa­la­rem de nova nor­ma­li­dade tam in­sis­ten­te­mente, anun­cia que se está a con­ce­ber umha nova fase do con­trolo so­cial». Porém, es­cla­rece, “nom será to­tal­mente des­co­nhe­cida nem ra­di­cal­mente di­fe­rente”. Para Colmenero, le­va­mos dé­ca­das de avanço de es­pa­ços de ex­ce­ci­o­na­li­dade no in­te­rior das de­mo­cra­cias li­be­rais, acom­pa­nha­das por umha vi­gi­lán­cia da po­pu­la­çom exaus­tiva, e no mundo post-Covid vi­ve­re­mos “a sua in­ten­si­fi­ca­çom. É a tí­pica go­ver­nança ne­o­li­be­ral em si­tu­a­çons de risco, que se con­so­lida como pa­ra­digma mundial.”

Borxa Colmenero: “A nova fase do con­trolo so­cial nom será to­tal­mente des­co­nhe­cida nem ra­di­cal­mente diferente”

Esta crise traz con­sigo um apa­rente pa­ra­doxo: as me­di­das mais se­ve­ras con­tra as li­ber­da­des e o ca­tivo auto-go­verno per­mi­tido por Espanha toma-as um go­verno que diz ser de es­quer­das. Fernando Blanco, ad­vo­gado e mem­bro de Esculca. Observatório de Direitos e Liberdades, é claro na sua va­lo­ra­çom: “os que te­mos umha certa idade, e que pre­ci­sa­mente nos for­ma­mos po­li­ti­ca­mente nos anos 80, con­tra o PSOE, sa­be­mos o que acon­tece nes­tes ca­sos: que a ale­gada le­gi­ti­mi­dade mo­ral da tam­bém ale­gada es­querda per­mite uns atro­pe­los que à di­reita nom lhe se­ria tam fá­cil exe­cu­tar. Por isso o ter­ro­rismo de Estado, a lei de imi­gra­çom e ou­tros abu­sos fô­rom co­zi­nha­dos por exe­cu­ti­vos ‘so­ci­a­lis­tas’ ”.

Desafios e esperança

Mas “onde há po­der há re­sis­tên­cia”, ma­ni­festa Colmenero. As se­ma­nas mais du­ras da crise fô­rom tam­bém as de múl­ti­plas ini­ci­a­ti­vas co­mu­ni­tá­rias pro­ta­go­ni­za­das po­los vá­rios gru­pos de ajuda mú­tua. No su­porte aos se­to­res mais es­pe­zi­nha­dos, or­ga­nis­mos como Ceivar in­ten­si­fi­cá­rom o seu tra­ba­lho de de­nún­cia. O co­le­tivo anti-re­pres­sivo lan­çou nas re­des umha cam­pa­nha con­tra a cha­mada “po­lí­cia de va­randa” e or­ga­ni­zou em aberto en­con­tros de for­ma­çom em au­to­de­fesa le­gal; tam­bém ani­mou a ra­char re­ci­pro­ca­mente con­fi­na­men­tos com cor­res­pon­dên­cia às pre­sas e pre­sos in­de­pen­den­tis­tas, cam­pa­nha que, se­gundo re­co­nhe­cem mem­bros do or­ga­nismo “foi ainda mais exi­tosa do que es­pe­rado”. Ante um po­der om­ni­po­tente e prin­ci­pal­mente apoi­ado na cum­pli­ci­dade so­cial e na alta tec­no­lo­gia, a ima­gi­na­çom ati­vista pro­cura as for­mas de man­ter es­pa­ços de li­ber­dade e ca­pa­ci­dade de res­posta. Na França, já sa­cu­dida pola vi­o­lên­cia es­ta­tal desde o mo­vi­mento dos co­le­tes ama­re­los, ati­vis­tas so­ci­a­li­zam já en­tre a po­pu­la­çom umha app que grava e fis­ca­liza os abu­sos po­li­ci­ais. A Galiza que luita, se quer so­bre­vi­ver, terá de do­tar-se de es­cu­dos semelhantes.

Agromará umha nova política?

Ante a pos­si­bi­li­dade de um pa­no­rama de de­sa­fei­çom po­lí­tica, Mónica Ferrín acha que “os da­dos nom som cla­ros, o in­di­ca­dor que se toma para me­dir a de­sa­fei­çom é o de sa­tis­fa­çom com a de­mo­cra­cia. E flu­tua so­bre­todo em re­la­çom ao es­tado da eco­no­mia”. Ferrín é pro­fes­sora de Metodologia de Investigaçom por Inquéritos na Faculdade de Sociologia da Universidade da Corunha. “Há in­di­ca­do­res que sim te­nhem ten­dên­cias ne­ga­ti­vas: como o de con­fi­ança nos po­lí­ti­cos e o de con­fi­ança nos par­ti­dos. Nestes sim se tem ve­ri­fi­cado umha queda na mai­o­ria dos paí­ses eu­ro­peus. Nas dé­ca­das de oi­tenta e no­venta a fi­li­a­çom par­ti­dá­ria era mui clara, hoje já nom o é tanto”.

Ferrín ad­verte que as ci­fras de abs­ten­çom elei­to­ral tam­bém flu­tuam e nom se de­fine umha ten­dên­cia clara mesmo, in­dica, “por­que a gente tam­bém uti­liza ou­tras vias, como a par­ti­ci­pa­çom em mo­vi­men­tos so­ci­ais, para in­fluir na política”.

Mas a po­lí­tica além da ins­ti­tu­ci­o­nal des­perta dú­vi­das. “Há uns anos te­ria dito que todo o po­der para o po­der po­pu­lar, hoje som bas­tante cé­tico”, re­co­nhece David Rodríguez, au­tor do en­saio O ca­nas­tro sen tor­nar­ra­tos so­bre a emer­gên­cia da nova po­lí­tica. “Os mo­vi­men­tos so­ci­ais no país es­tám mui ver­des, te­nhem pouca ca­pa­ci­dade or­ga­ni­za­tiva e mo­bi­li­za­dora. Afinal som os par­ti­dos e os sin­di­ca­tos clás­si­cos os que te­nhem a ca­pa­ci­dade de es­tru­tu­ra­rem mi­ni­ma­mente o mal-es­tar. Mas a his­tó­ria sem­pre está aberta e a cada vez há mais gente ex­cluída que num mo­mento dado po­de­ria organizar-se”.

A eco­no­mia, as pos­si­bi­li­da­des de sub­sis­tên­cia ma­te­rial, de­ter­mi­nam os gi­ros po­lí­ti­cos, coin­ci­dem os ana­lis­tas. “Ainda es­tá­va­mos a nos re­cu­pe­rar da an­te­rior e já te­mos aqui mais umha crise eco­nó­mica que pode ser de­vas­ta­dora. Quiçá ve­ja­mos unha re­e­di­çom dos dis­cur­sos do 15M, mas sem vo­ca­çom trans­for­ma­dora”, di a jor­na­lista e po­li­tó­loga Carmen Arango, que in­tui umha luz nos mo­vi­men­tos vi­zi­nhais que du­rante o con­fi­na­mento se fi­gé­rom cargo de aten­der e abas­te­cer as vi­zi­nhas mais vul­ne­rá­veis. “Se ca­lhar, esta crise serve para re­for­çar os vín­cu­los mais pró­xi­mos e ve­mos agro­mar um te­cido so­cial a pe­quena es­cala sem co­ne­xom com en­tes institucionalizados”.

Mónica Ferrín par­ti­cipa dum pro­jeto eu­ro­peu so­bre a ideia de de­mo­cra­cia en­tre a ci­da­da­nia ini­ci­ado em 2012. “Descobrimos que a per­cep­çom par­ti­lha­das em 2012 aca­bá­rom por afe­tar ao pa­no­rama po­lí­tico a ní­vel ma­cro. É di­zer, umha de­ter­mi­nada con­cei­çom de­ri­vou nu­nha de­ter­mi­nada con­fi­gu­ra­çom do sis­tema de par­ti­dos”. Assim, nos es­ta­dos mais afe­ta­dos pola crise, os ele­men­tos de igual­dade so­cial ga­nhá­rom re­le­ván­cia. “O de­sa­juste en­tre o que os ci­da­daos aguar­dam que lhes dê a de­mo­cra­cia e o que re­al­mente lhes ofe­rece per­mite que sur­jam de­ter­mi­na­dos par­ti­dos” . Ferrín nom tem res­posta para o in­ter­ro­gante so­bre que par­ti­dos no­vos trará esta crise. “O único que po­de­mos cons­ta­tar é que já ha­via umha ten­dên­cia para a po­la­ri­za­çom”, assinala.

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