Periódico galego de informaçom crítica

As direitas partilham a adoraçom ao macho branco”

por
b.p.

Raúl Zibechi é um jor­na­lista e in­ves­ti­ga­dor uru­guaio que, nos seus anos de car­reira, tem posto o foco so­bre os mo­vi­men­tos so­ci­ais ame­ri­ca­nos. Com ele abri­mos umha co­mu­ni­ca­çom tran­so­ceâ­nica para co­nhe­cer qual é o sig­ni­fi­cado da vi­tó­ria de Jair Bolsonaro nas elei­çons do Brasil no con­junto da América Latina e no atual mo­mento do ci­clo mo­bi­li­za­dor dos mo­vi­men­tos sociais.

Em ‘Brasil Potencia’ re­fle­tias so­bre a ali­ança exis­tente en­tre as eli­tes sin­di­cais e ins­ti­tui­çons como as Forças Armadas ou a bur­gue­sia. Continuou este pro­cesso nos úl­ti­mos anos de Dilma? Achas que os go­ver­nos do PT pu­dé­rom de­bi­li­tar os mo­vi­men­tos de re­sis­tên­cia de cara a en­fren­tar o atual auge da ex­trema-di­reita?
Sobre esse li­vro te­ria hoje mui­tas cou­sas para re­es­cre­ver, ainda que para mim se­gue a ser vá­lido como um in­tento de com­pre­en­der a con­fi­gu­ra­çom de um país tam com­plexo como é o Brasil. Penso que nom se trata de umha ali­ança se­nom de umha con­fluên­cia, que agora se­gue em pé, mas que se dis­tan­ciou no­ta­vel­mente. Porém, o prin­ci­pal pro­blema nom é esse, se­nom as mu­dan­ças acon­te­ci­das de­pois das mo­bi­li­za­çons de ju­nho de 2013, que foi um ver­da­deiro es­ta­lido so­cial que o PT e a es­querda nom pu­dé­rom com­pre­en­der nem fô­rom ca­pa­zes de pôr-se à ca­beça desse mo­vi­mento. Estamos a fa­lar de 20 mi­lhons de per­soas a ocu­pa­rem as ruas em 350 ci­da­des du­rante um mês, so­bre­todo jo­vens que re­jei­ta­vam a de­si­gual­dade cres­cente e ques­ti­o­na­vam as eli­tes po­lí­ti­cas. Esta ener­gia nom de­sa­pa­re­ceu, se­nom que pe­rante o va­zio foi ca­na­li­zada po­las di­rei­tas, por­que a es­querda so­cial que im­pul­sou es­sas lui­tas nom ti­nha ca­pa­ci­dade para as con­du­zir. Com cer­teza, o PT con­tri­buiu à des­po­li­ti­za­çom, so­bre­todo com as suas po­lí­ti­cas so­ci­ais as­sis­ten­ci­ais e nom trans­for­ma­do­ras, e co­op­tando mo­vi­men­tos. A des­po­li­ti­za­çom, com­ple­tada por umha in­te­gra­çom atra­vés do con­sumo, fa­ci­li­tou a che­gada de Bolsonaro ao governo.

A des­po­li­ti­za­çom, com­ple­tada por umha in­te­gra­çom atra­vés do con­sumo, fa­ci­li­tou a che­gada de Bolsonaro ao governo”

En que mo­mento es­tám atu­al­mente es­tes mo­vi­men­tos? Quais som os que se apre­sen­tam com umha maior ener­gia?
Lamento di­zer que os mo­vi­men­tos que co­nhe­ce­mos no Brasil cum­prí­rom um ci­clo his­tó­rico e que hoje es­tám à de­fen­siva, com o risco de se con­ver­te­rem em tes­te­mu­nhais. Ou se rein­ven­tam ou nom po­de­rám jo­gar um pa­pel des­ta­cado no fu­turo. Nesse sen­tido, o MST está a pro­ces­sar um in­te­res­sante de­bate in­terno so­bre fe­mi­nismo e LGBT que pode ache­gar-lhe umha ne­ces­sá­ria renovaçom.

Por ou­tro lado, há um po­tente mo­vi­mento de mu­lhe­res ne­gras e de ha­bi­tan­tes das fa­ve­las, que se­guem a ser mui dis­cri­mi­na­das e per­se­gui­das, como de­mons­tra o as­sas­si­nato de Marielle Franco. Com a re­pres­som que aí vem, penso que to­dos os mo­vi­men­tos o irám pas­sar mui mal, ainda que deve di­zer-se que isto já está a acon­te­cer. O go­verno do Bolsonaro será umha prova de fogo para to­dos os mo­vi­men­tos, mas tam­bém para o se­tor de es­querda da sociedade.

Nos úl­ti­mos anos, umha sé­rie de go­ver­nos con­si­de­ra­dos pro­gres­sis­tas fô­rom caindo. Neste con­texto, que sig­ni­fica a vi­tó­ria de Bolsonaro no con­junto da América Latina?
Completa-se a vi­ra­gem à di­reita e con­so­lida-se o fim do ci­clo pro­gres­sista. O mais grave é que o can­di­dato do PT perde pe­rante um tipo ver­go­nhoso como Bolsonaro, e isso nom é qual­quer cousa. A mi­nha im­pres­som é que as no­vas di­rei­tas, muito mais mi­li­tan­tes que as ve­lhas, che­gá­rom para fi­car um bom tempo. Som go­verno em quase to­dos os paí­ses, e po­dem se-lo nas pró­xi­mas elei­çons no Uruguai e na Bolívia, em­bora em am­bos ca­sos o te­nhem mui difícil.

Do meu ponto de vista, o mais im­por­tante que mos­tra Bolsonaro é a exis­tên­cia de umha po­tente di­reita so­cial, mi­li­ta­rista e evan­gé­lica, que pre­tende re­tro­trair as re­la­çons so­ci­ais ao sé­culo XIX, usando o anti-fe­mi­nismo e o ra­cismo como ban­dei­ras que con­tam com um am­plo res­paldo so­cial. Reverter isto nom será sim­ples, e re­que­rerá muita or­ga­ni­za­çom e muita mi­li­tân­cia, con­creta, lo­cal, cara a cara.

Quais som as se­me­lhan­ças e di­fe­ren­ças que se apre­ciam en­tre Bolsonaro e Trump ou ou­tros lí­de­res da ex­trema-di­reita ao ní­vel glo­bal?
Nunca po­de­mos tras­la­dar umha re­a­li­dade a ou­tra. O par­ti­cu­lar no caso do Brasil é a sim­pa­tia com os mi­li­ta­res e todo o que isso com­porta, como a ad­mi­ra­çom das hi­e­rar­quias, da vi­o­lên­cia con­tra os que dis­sen­tem, do des­prezo ao di­fe­rente. No Brasil esse di­fe­rente é o 53% da po­pu­la­çom ne­gra, o que co­loca as cou­sas num lu­gar mui com­plexo. Quero di­zer que é um caso di­fe­rente à ex­trema-di­reita es­pa­nho­lista que de­fende a uni­dade de Espanha ou à alemá e a fran­cesa que es­tám con­tra os imi­gran­tes que som umha pe­quena per­cen­ta­gem da populaçom.

No Brasil nunca houvo umha ru­tura com a ditadura”

Outra es­pe­ci­fi­ci­dade do Brasil é que a di­ta­dura mi­li­tar (1964–1985) é sen­tida por umha par­cela grande da so­ci­e­dade como um pe­ríodo muito po­si­tivo em mui­tos sen­ti­dos, mas so­bre­todo no económico.

O que acho que to­das as di­rei­tas do mundo par­ti­lham é a ado­ra­çom ao ma­cho alfa, ao va­rom, branco, au­tos­su­fi­ci­ente que re­jeita os di­rei­tos das mulheres.

É acaso o Brasil um lu­gar em que exis­tem con­di­ci­o­nan­tes es­pe­ci­ais para este res­sur­gir da ex­trema-di­reita e a sua vi­o­lên­cia?
Acho que o par­ti­cu­lar do Brasil é umha tri­pla he­rança: a es­cra­va­tura, o co­ro­ne­lismo ou cau­di­lhismo e a di­ta­dura. A es­cra­va­tura só foi abo­lida em fi­nais do sé­culo XIX, meio sé­culo mais tarde que em ou­tros paí­ses, mas per­ma­ne­ceu nas re­la­çons so­ci­ais, até o ponto que hoje os ne­gros som os po­bres, as em­pre­ga­das do­més­ti­cas que som mal tra­ta­das po­las suas pa­troas e ocu­pam os pi­o­res pos­tos de trabalho.

O co­ro­ne­lismo foi um tipo de cau­di­lhismo que subs­ti­tuiu o con­trolo so­cial que exer­cia o im­pé­rio e a mo­nar­quia, an­co­rado nos mu­ni­cí­pios onde eram com­pra­dos os vo­tos com fa­vo­res ou com ame­a­ças. E a di­ta­dura que foi tam­bém mui longa agra­vou as duas ten­dên­cias an­te­ri­o­res, le­vando o Brasil a ser um dos dez paí­ses mais de­si­guais do mundo.

As ul­tra­di­rei­tas de hoje na América Latina res­pon­dem a umha ló­gica de con­trolo das mai­o­rias po­bres mar­gi­na­das polo mo­delo extrativo”

Achas ade­quado usar o ad­je­tivo ‘fas­cista’ para re­fe­rir-se a Bolsonaro e à ul­tra­di­reita bra­si­leira?
Nom, acho que con­funde e des­po­li­tiza por­que im­pede ana­li­sar a re­a­li­dade atual, que é mui di­fe­rente à dos anos 30 do sé­culo pas­sado. Naqueles anos a classe do­mi­nante pro­cu­rava tra­var o im­pulso re­vo­lu­ci­o­ná­rio ope­rá­rio, num clima de forte com­pe­tên­cia dal­gumhas na­çons emer­gen­tes para en­con­trar um lu­gar no re­parto im­pe­ri­a­lista do mundo. As ul­tra­di­rei­tas de hoje na América Latina res­pon­dem a umha ló­gica de con­trolo das mai­o­rias po­bres mar­gi­na­das polo mo­delo ex­tra­tivo, quer di­zer, dos mo­no­cul­ti­vos, da mi­na­ria a céu aberto e das gran­des obras de infraestrutura.

Em que fase es­tám as re­la­çons en­tre os EUA e a América Latina, con­cre­ta­mente o Brasil? (Em agosto o se­cre­tá­rio norte-ame­ri­cano de Defesa, James Mattis, vi­si­tava o Brasil e cha­mava a re­a­li­zar ali­an­ças es­tra­té­gi­cas). Pudo in­fluir isto na as­cen­som da di­reita?
Nom som par­ti­dá­rio de acha­car os pro­ble­mas a cau­sas exó­ge­nas, nem pôr no im­pe­ri­a­lismo to­dos os ma­les. Acho que eles fa­zem o seu jogo, mas os EUA te­nhem hoje muita me­nos ca­pa­ci­dade para de­li­near o mapa-múndi da que ti­vé­rom nou­tros tem­pos. Eles apoiam as ten­dên­cias à di­rei­ti­za­çom, po­ten­cia-nas, mas nas­cem das con­tra­di­çons in­ter­nas de cada país.

Quais fô­rom os mo­ti­vos para que um im­por­tante se­tor da po­pu­la­çom bra­si­leira acei­tasse a in­ter­ven­çom de mem­bros das Forças Armadas na po­lí­tica do país?
Que nunca houvo umha ru­tura com a di­ta­dura, por­que a di­fe­rença de paí­ses como o Uruguai, a Argentina ou a China nunca houvo um Nunca Más, jul­ga­men­tos e cas­ti­gos aos vi­o­la­do­res dos di­rei­tos hu­ma­nos. Até mesmo a es­querda nunca se em­pe­nhou em fa­zer co­nhe­cer à po­pu­la­çom es­sas violaçons.

A isso há que so­mar-lhe o clima de in­se­gu­rança e vi­o­lên­cia nas ruas do Brasil, que cresce de ma­neira ex­po­nen­cial: em 2017 houvo 63 mil mor­tes vi­o­len­tas, o do­bro das que ha­via nos 90. Esse clima de in­se­gu­rança afeta so­bre­todo os po­bres, quer di­zer os jo­vens ne­gros, mas a di­reita tem-se apro­vei­tado do clima existente.

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