Periódico galego de informaçom crítica

As matas ribeirinhas no país dos dez mil rios

por

Se que­res que o carro cante
bota-lhe o eixo de freixo
e se que­res que o amor ve­nha
da-lhe ta­lha­das de queijo
(Cantiga po­pu­lar)

O grande Cunqueiro ba­ti­zou a Galiza como o país dos mil rios. Na ver­dade, en­tre rios, ri­bei­ros e re­gos, con­tam-se ar­re­dor de dez mil lín­guas de água que per­cor­rem mais de 30.000 km do nosso ter­ri­tó­rio. Estes cur­sos flu­vi­ais ainda en­te­sou­ram um pre­ci­oso pa­tri­mó­nio na­tu­ral e et­no­grá­fico (pon­tes, moi­nhos, pi­sões, levadas…).

As suas ri­bei­ras es­tão or­la­das por for­ma­ções flo­res­tais de­sig­na­das, ge­ral­mente, como bos­ques de ga­le­ria polo ca­rac­te­rís­tico tú­nel que, a jeito de abó­bada so­bre o leito do rio, con­for­mam as co­pas das ár­vo­res. Uma ve­ge­ta­ção que pro­tege as mar­gens face a ero­são oca­si­o­nada po­las pró­prias águas, es­pe­ci­al­mente nas en­chen­tes, tão fre­quen­tes aqui du­rante as in­ver­nias. Espécies flo­res­tais tí­pi­cas desta mata ri­bei­ri­nha são ami­ei­ros, frei­xos, sal­guei­ros e ne­gri­lhos, to­das elas de fo­lha caduca. 

Os ami­ei­ros (Alnus glu­ti­nosa), tam­bém co­nhe­ci­dos como ame­nei­ros ou abe­nei­ros, são a ár­bore ri­pí­cola mais fre­quente na Galiza e po­dem vi­ver mesmo den­tro dos rios, pois a pe­sar des­sas cir­cuns­tân­cias as­se­gu­ram a res­pi­ra­ção ra­di­cu­lar. Estas raí­zes sub­mer­sas têm es­pe­cial im­por­tân­cia eco­ló­gica, ao cons­ti­tui­rem um pre­zado re­fú­gio para pe­que­nos ver­te­bra­dos e in­ver­te­bra­dos ben­tó­ni­cos. A sua ma­deira leve re­vela-se fá­cil de tra­ba­lhar e pos­sui uma re­sis­tên­cia na­tu­ral a água, sendo tra­di­ci­o­nal­mente em­pre­gada na fa­bri­ca­ção de so­cas e pon­ti­lhões. Em Veneza, os ali­cer­ces dos pré­dios são de ami­eiro… E al­gu­mas des­sas es­ta­cas têm mil anos!!! De dis­tri­bui­ção am­pla na Europa, al­guns dos mais in­te­res­san­tes ame­ais da Península en­con­tramo-los nas Gândaras de Budinho, nas jun­quei­ras do rio Leres e no es­teiro do Ulha.

fo­lha de freixo

Na Nossa Terra con­vi­vem dous frei­xos di­fe­ren­tes, o freixo-eu­ro­peu (Fraxinus ex­cel­sior), es­pé­cie euro-si­be­ri­ana de maior ta­ma­nho (20–30 m de al­tura) e que pre­do­mina na me­tade norte e o freixo-das-fo­lhas-es­trei­tas (Fraxinus an­gus­ti­fo­lia), es­pé­cie me­di­ter­râ­nica mais abun­dante no sul e de me­nor al­tura (15–20 m). As fo­lhas ser­vem para os di­fe­ren­ciar, as do freixo-eu­ro­peu es­tão com­pos­tas de 7 a 13 fo­lío­los, en­quanto as do freixo-das-fo­lhas-es­trei­tas es­tão com­pos­tas de 5 a 9 fo­lío­los, muito ra­ra­mente de 11. Ambos hi­bri­dam, polo que po­de­mos ob­ser­var exem­pla­res com ca­rac­te­rís­ti­cas in­ter­me­diá­rias en­tre um e ou­tro. Com as fo­lhas dos frei­xos ela­bora-se um chá diu­ré­tico com di­fe­ren­tes usos me­di­ci­nais. A casca tem-se uti­li­zado como fe­brí­fugo e ci­ca­tri­zante. A ma­deira, dura, elás­tica e re­sis­tente, foi muito em­pre­gada em car­pin­ta­ria e dela fa­ziam-se di­ver­sas par­tes do carro de vacas.

Os sal­guei­ros são, ha­bi­tu­al­mente, ar­bus­tos di­oi­cos, exis­tindo pés com flo­res mas­cu­li­nas e ou­tros com flo­res fe­mi­ni­nas. Existem vá­rias es­pé­cies que hi­bri­dam fa­cil­mente en­tre si, o que di­fi­culta a sua iden­ti­fi­ca­ção. A ma­deira tem pouca qua­li­dade, mas da casca fa­ziam-se re­mé­dios ca­sei­ros para com­ba­ter a dor, a fe­bre e a in­fla­ma­ção. Precisamente, a par­tir de com­pos­tos ex­traí­dos da casca dos sal­guei­ros foi sin­te­ti­zado em 1853 polo quí­mico al­sa­ci­ano C. F. Gerhardt o ácido ace­til­sa­li­cí­lico ou as­pi­rina, um dos me­di­ca­men­tos mais con­su­mi­dos de to­dos os tempos. 

Precisamente, a par­tir de com­pos­tos ex­traí­dos da casca dos sal­guei­ros foi sin­te­ti­zado em 1853 polo quí­mico al­sa­ci­ano C. F. Gerhardt o ácido ace­til­sa­li­cí­lico ou as­pi­rina, um dos me­di­ca­men­tos mais con­su­mi­dos de to­dos os tempos. 

Dentro do gé­nero Salix, a es­pé­cie mais abun­dante é o sal­gueiro-ne­gro (Salix atro­ci­ne­rea), es­pa­lhado por toda a Europa atlân­tica. De pe­queno porte (até 12 me­tros) e fo­lhas ave­lu­da­das de cor verde es­cura, vive em ter­re­nos aci­di­fi­ca­dos e po­bres, desde o ní­vel do mar até aos 1.500 m. A sua flo­ra­ção, en­tre os mes­ses de fe­ve­reiro e abril, anun­cia pre­co­ce­mente a primavera.

Nas mon­ta­nhas ori­en­tais, acha­mos o sal­gueiro-ca­prino (Salix ca­prea) que se di­fe­ren­cia do an­te­rior por ter as fo­lhas um pouco mai­o­res. Aparece, para além das ri­bei­ras, em en­cos­tas até os 1.700 m de al­ti­tude, mis­tu­rado com o car­va­lho-alvo (Quercus pe­traea) e o vi­do­eiro (Betula alba).

Árvore pró­pria das zo­nas mais tem­pe­ra­das e com fo­lhas de cor al­va­zenta, o sal­gueiro-branco (Salix alba) tem um ta­ma­nho su­pe­rior (che­gando aos 20–30 me­tros de altura). 

O ne­gri­lho (Ulmus mi­nor), de am­pla copa oval, pode atin­gir 35 m de al­tura. Espécie pa­leárc­tica, dis­tri­buída pola parte sul-ori­en­tal da Galiza, pre­fere so­los fres­cos, hú­mi­dos e pro­fun­dos. A sua ma­deira, de ex­ce­lente qua­li­dade e muito re­sis­tente e fle­xí­vel é usada em mar­ce­na­ria e cons­tru­ção na­val. No úl­timo sé­culo, o ne­gri­lho, como ou­tros ul­mei­ros, tem sido di­zi­mado por uma grave do­ença, a gra­fi­ose, pro­vo­cada por fun­gos do gé­nero Ophiostoma.

Áreas de pro­te­ção
A Lei de Águas as­si­nala como áreas de es­pe­cial pro­te­ção am­bi­en­tal as con­tí­guas ao Domínio Público Hidráulico. Assim de­li­mita duas zo­nas nas mar­gens de ri­bei­ras flu­vi­ais, la­gos, la­goas e bar­ra­gens onde será con­di­ci­o­nado o uso do solo e quais­quer ou­tras ati­vi­da­des que ne­las se de­sen­vol­vam: uma faixa la­te­ral de “po­lí­cia” de cem me­tros de largo em cada mar­gem, e ou­tra de cinco me­tros de largo, den­tro da an­te­rior, de­no­mi­nada de “ser­vi­dão”, me­di­das am­bas a par­tir do li­mite do leito flu­vial e en­ten­dendo este leito como o ocu­pado po­las águas du­rante as má­xi­mas cheias or­di­ná­rias. Na zona de “ser­vi­dão” não se po­dem plan­tar es­pé­cies ar­bó­reas que de­te­ri­o­rem os ecos­sis­te­mas ri­pá­rios, re­que­rendo as plan­ta­ções flo­res­tais e de­vas­tas a au­to­ri­za­ção pré­via da res­pe­tiva Confederação Hidrográfica. Tampouco se per­mi­tem nesta zona qual­quer tipo de cons­tru­ções. A pró­pria nor­ma­tiva ga­lega proibe, na faixa dos pri­mei­ros 15 m, plan­tar es­pé­cies in­va­so­ras, como eu­ca­lip­tos (Eucaliptus), mi­mo­sas (Acacia de­al­bata) e acá­cias-bas­tar­das (Robinia pseu­do­a­ca­cia).

Se hou­ver ver­da­deira von­tade po­lí­tica, acom­pa­nhada da ne­ces­sá­ria sen­si­bi­li­za­ção so­cial, as nos­sas ri­bei­ras po­de­riam con­ver­ter-se em po­ten­tes cor­re­do­res na­tu­rais que fos­sem sal­va­guarda de biodiversidade.

Infelizmente, es­tas va­li­o­sas fer­ra­men­tas ju­rí­di­cas fi­cam hoje em dia em água de cas­ta­nhas a olhos vis­tos. Mas se hou­ver ver­da­deira von­tade po­lí­tica, acom­pa­nhada da ne­ces­sá­ria sen­si­bi­li­za­ção so­cial, as nos­sas ri­bei­ras po­de­riam con­ver­ter-se em po­ten­tes cor­re­do­res na­tu­rais que fos­sem sal­va­guarda duma bi­o­di­ver­si­dade, nunca tão ame­a­çada quanto nos tem­pos atuais.

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