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Às mulheres nom se nos permite ser líderes”

por

Leila Khaled nas­ceu em Haifa, ci­dade que tivo que aban­do­nar aos qua­tro anos, fu­gindo da in­va­som is­ra­e­lita. Aos 25 anos, seqües­tra um aviom com a in­ten­çom de vi­si­bi­li­zar a si­tu­a­çom da Palestina, e ao ano se­guinte re­pete-se a açom, que a FPLP re­a­liza con­jun­ta­mente atra­vés dou­tros três co­man­dos, re­sul­tando as­sas­si­nado o seu com­pa­nheiro. É mem­bra do Conselho Nacional Palestiniano, o ór­gao le­gis­la­tivo da Organizaçom para a Liberaçom de Palestina. Nas úl­ti­mas dé­ca­das as­su­miu um rol de de­fesa da luita pa­les­ti­ni­ana ao re­dor do mundo. Várias bi­o­gra­fias re­la­tam a his­tó­ria de Leila, que foi muito pa­ra­lela à evo­lu­çom da pró­pria FPLP.

 

ra­quel rei

 

Queremos ache­gar as nos­sas lei­to­ras à fi­gura de Leila Khaled, so­bre­todo à tua con­di­çom de mu­lher mi­li­tante. Como foi a vossa evo­lu­çom, como mu­lhe­res, den­tro dos mo­vi­men­tos re­vo­lu­ci­o­ná­rios em Palestina?

No co­meço, quando en­tra­mos no mo­vi­mento ou­tras com­pa­nhei­ras e mais eu, fi­gemo-lo para pro­var-nos como guer­ri­lhei­ras. Foi du­rante o ca­mi­nho, con­forme se de­sen­vol­viam as lui­tas, que nos de­mos conta de que éra­mos mu­lhe­res com uns di­rei­tos es­pe­cí­fi­cos por con­quis­tar. De que es­tes eram umha parte de to­dos os di­rei­tos hu­ma­nos, mas que nos cor­res­pon­dia a nós ga­nhá-los. Por isso, du­rante anos tra­ba­lha­mos para es­ta­be­le­cer a ideia de que a mu­lher nom só me­rece os mes­mos di­rei­tos que o ho­mem, mas tam­bém os mes­mos de­ve­res na luita, pois sente a opres­som, ex­plo­ra­çom e ocu­pa­çom. Demonstramos que à ex­plo­ra­çom co­mum se so­mava a que exer­cia o Patriarcado. Assim, acom­pa­nha­mos a luita na­ci­o­nal, so­ci­a­lista, com a luita con­tra a opres­som de gé­nero; e tam­bém fi­ge­mos com­pre­en­der que a so­ci­e­dade nom será li­vre sem­pre que fi­que al­gum tipo de dis­cri­mi­na­çom, polo que os di­rei­tos das mu­lhe­res nom se­rám al­can­ça­dos du­rante a ocu­pa­çom. Acho que to­dos os mo­vi­men­tos de li­be­ra­çom na­ci­o­nal de­ve­riam ter isto pre­sente e en­tendo que ti­ve­mos su­cesso com o que figemos.

O lai­cismo tem sido um dos pi­la­res cen­trais para grande parte das or­ga­ni­za­çons pola li­be­ra­çom na­ci­o­nal de Palestina. Como ten­des ge­rido e quais di­le­mas prin­ci­pais se vos apre­sen­tá­rom? Qual a vossa alternativa?

No pas­sado, em Palestina con­vi­viam três re­li­gi­ons: ju­daica, cristá e mu­çul­mana, e nin­guém se im­por­tava po­las cren­ças alheias. No sé­culo XIX, di­fe­ren­tes es­ta­dos co­me­çam a en­viar si­o­nis­tas a Palestina, e com o passo do tempo damo-nos conta de que a sua in­ten­çom é fa­zer do ju­daísmo umha na­ci­o­na­li­dade, umha iden­ti­dade ci­dadá, ao con­trá­rio do que ti­nha sido até essa al­tura. Começárom a ten­tar ti­rar as e os ju­deus cara à sua causa, e si­mu­lar um con­flito re­li­gi­oso. Nós nom ti­vé­ra­mos que en­fren­tar isto até que Israel se es­ta­be­le­ceu. @s palestin@s per­ma­ne­ce­mos unid@s pe­rante a in­va­som, foi prin­ci­pal­mente o medo o que nos man­tivo junt@s. Apesar de todo, a nossa al­ter­na­tiva foi e é edu­car o nosso povo na ideia de que nós nom es­ta­mos con­tra o ju­daísmo, es­ta­mos con­tra os si­o­nis­tas; con­tra os que mo­bi­li­zam as ju­dias e ju­deus con­tra nós. Levou-nos tempo. Perguntas-me qual é o fu­turo… Queremos es­ta­be­le­cer um es­tado de­mo­crá­tico ba­se­ado em iguais de­ve­res, onde todo o mundo poda vi­ver em paz e sem po­li­ti­zar a religiom.

O caso de Palestina tem des­ta­cado po­las suas es­pe­ci­ais ca­ra­te­rís­ti­cas den­tro do pa­no­rama in­ter­na­ci­o­nal de lui­tas po­pu­la­res, mas sa­be­mos que vos unem for­tes vín­cu­los com ou­tros po­vos do mundo, como a América Latina. Como cres­cê­rom es­ses laços?

As que estamos a luitar polas nossas liberdades procuramo-nos as umhas às outras

O nosso é um caso único, ne­nhum povo no seu con­junto foi ex­pulso do seu pró­prio país sem ter op­çom. Em América Latina a si­tu­a­çom foi dis­tinta, as ame­a­ças e os pe­ri­gos mo­ti­vá­rom à fu­gida de mui­tos e mui­tas re­vo­lu­ci­o­ná­rias. As que es­ta­mos a lui­tar po­las nos­sas li­ber­da­des pro­cu­ramo-nos as umhas às ou­tras. Quando co­me­çou a re­vo­lu­çom em Palestina, mui­tos des­tes mo­vi­men­tos vi­nhé­rom para es­ta­be­le­cer re­la­çons e tam­bém para ser trei­na­dos. Organizárom-se para aju­dar, por­que par­ti­lha­vam o ob­je­tivo co­mum da li­ber­dade e sen­tiam a opres­som no seu país como nós a sen­tía­mos no nosso. O Che Guevara en­si­nara-lhes que a re­vo­lu­çom está onde existe qual­quer opres­som. Esta é a ideia par­ti­lhada tam­bém por Simón Bolívar. Mas ainda que so­mos si­mi­la­res na opres­som, nom so­mos no caso po­lí­tico concreto.

Os mo­vi­men­tos de li­be­ra­çom na­ci­o­nal apre­sen­tá­rom his­to­ri­ca­mente ca­rên­cias glo­bais no tra­ta­mento da ques­tom de gé­nero. Num con­texto mi­li­tante tam pró­ximo, como se de­sen­volve umha mu­lher e prin­ci­pal­mente umha mu­lher com responsabilidades?

Para eles foi di­fí­cil aceitá-lo, so­bre­todo ao prin­cí­pio. Naquele mo­mento, na dé­cada de 70, a guerra ci­vil no Líbano obri­gou-nos a de­fen­der-nos. Foi ali quando os nos­sos ca­ma­ra­das com­pro­vá­rom que as mu­lhe­res po­día­mos lui­tar na mesma me­dida que eles lui­ta­vam e quando co­me­çá­rom a acei­tar a nossa li­de­rança, atra­vés do exem­plo na açom. Um dos ho­mens do que fum res­pon­sá­vel é Fayed Badawi [por­ta­voz para Europa da FPLP, pre­sente no mo­mento da en­tre­vista], eu trei­nei-no quando era muito novo, mas fi­cou con­tente de ter-me como res­pon­sá­vel. Culturalmente, às mu­lhe­res, por acima de todo, nom se nos per­mite ser lí­de­res; com­pre­en­dendo isto e as­su­mi­mos que ainda vai le­var tempo mu­dar esta mentalidade.

 

A re­pres­som tam­bém tem di­fe­ren­tes ca­ras quando ataca mu­lhe­res em lu­gar de ho­mens. Como achas que atua isto, no caso pa­les­ti­ni­ano, quando fa­la­mos de de­ten­çons e bru­ta­li­dade policial?

No nosso caso, a re­pres­som tra­tou de ma­neira si­mi­lar mu­lhe­res e ho­mens, para eles so­mos o ini­migo. Quando os is­ra­e­li­tas de­te­nhem umha mu­lher, ha­bi­tu­al­mente ba­tem nela, tor­tura-na, etc., exer­cem a mesma bru­ta­li­dade que com os ho­mens ou mais. Algumhas mu­lhe­res so­frê­rom abor­tos em pri­som por causa das tor­tu­ras. Eles fam-no sendo cons­ci­en­tes das so­ci­e­da­des re­li­gi­o­sas nas quais vi­ve­mos, e uti­li­zam as suas con­tra­di­çons. Sabem que tor­tu­rar umha mu­lher é um mé­todo mais de hu­mi­lha­çom mas­cu­lina. Também, quando um ho­mem fica ar­res­tado, uti­li­zam fi­gu­ras fe­mi­ni­nas: “va­mos tra­zer a tua mae para tor­turá-la di­ante dos teus olhos” é muito co­mum nes­tas de­ten­çons, e o mesmo com a com­pa­nheira, a irmá, etc., sa­bem que os ho­mens se sen­tem res­pon­sá­veis delas.

“Quando um homem fica arrestado, utilizam figuras femininas: “vamos trazer a tua mae para torturá-la diante dos teus olhos” é muito comum nestas detençons, e o mesmo com a esposa, a irmá, etc., sabem que os homens se sentem responsáveis delas”

ra­quel rei

Em mui­tas oca­si­ons, quando os meios fa­lam de ti re­cor­rem ha­bi­tu­al­mente a re­fe­rên­cias es­té­ti­cas, umha “dama”, umha “se­nho­rita” ou umha “be­leza re­vo­lu­ci­o­ná­ria”. Qual é a ideia de fundo nisto e qual a tua resposta?

É o sis­tema ca­pi­ta­lista, que fo­ca­liza no in­di­vi­dual. Tenhem umha ideia da mu­lher mu­çul­mana ou árabe em hi­jab, ca­rente de di­rei­tos e au­to­no­mia, etc. Entom, quando chega a eles al­guém que rompe essa ima­gem, tras­la­dam o foco para a sua apa­rên­cia pes­soal, e dei­xam à mar­gem as­pe­tos re­al­mente im­por­tan­tes. Neste sen­tido, ocor­rê­rom-me vá­rias ane­do­tas. Numha oca­siom, a umha pes­soa que me es­tava a per­gun­tar se me con­si­de­rava umha ter­ro­rista aca­bei por di­zer: “Por que me fás esse tipo de per­gun­tas? E por que vi­nheste do teu país en­tre­vis­tar-me?”. A única ra­zom que me deu é que eu era fa­mosa. E isto passa por­que nom na­tu­ra­li­zá­rom que as mu­lhe­res po­de­mos ser lí­de­res, e que des­ta­que­mos po­las qua­li­da­des tra­di­ci­o­nal­mente atri­buí­das aos ho­mens. Doutra vez, um jor­na­lista dixo: “Sabes por que a gente gosta de pes­soas como tu ou o Che Guevara? Porque so­des sexys”. Eu as­som­brei-me, e per­gun­tei-lhe se re­al­mente achava o que es­tava a di­zer, se ele es­tava aí di­ante de mim por­que era sexy ou por­que que­ria en­tre­vis­tar umha luitadora.

Por úl­timo, su­po­mos que du­rante os úl­ti­mos dias desde 6 de maio já foste bas­tante in­qui­rida so­bre a tua greve de fame e a de ou­tras com­pa­nhei­ras e com­pa­nhei­ros pa­les­ti­ni­a­nos. Mas gos­ta­ría­mos de sa­ber como se vive da tua pró­pria pers­pe­tiva os pe­ri­gos e di­fi­cul­da­des que im­plica um com­pro­misso este.

As gre­ves de fame som o úl­timo re­curso das pes­soas pre­sas para com­ba­te­rem a sua re­clu­som. Todas as que nos uni­mos à greve de fame as­su­mimo-lo como umha ma­neira de vi­si­bi­li­zar nom só a greve, se­nom a nossa uniom com esta açom con­junta em que uti­li­za­mos as mes­mas fer­ra­men­tas, que­re­mos sen­tir o mesmo que sen­tem elas ao es­ta­rem pre­sas. É tam­bém sim­bó­lico. Queremos aliás que sai­bam que as suas e os seus com­pa­nhei­ros fora es­tám-nos apoi­ando desta forma. No meu caso, fi­gem ape­nas greve de três dias por­que ti­nha que vi­a­jar. Ver o apoio e a quan­ti­dade de pes­soas que se uní­rom dá-lhes for­ças para continuar.

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