Periódico galego de informaçom crítica

Correchouso. Nos limites da terra inóspita

por

Eiqui, o home vive lonxe do home, pro sem­pre perto da Terra”. É di­fí­cil des­cre­ver dum modo mais certo a que­rença da et­nia ga­lega por es­pa­lhar-se ao longo de todo o ter­ri­tó­rio que ha­bita. Assim o es­cre­veu num ar­tigo Vicente Risco no ou­tono de 1920. É cousa sa­bida que esta ten­dên­cia a dis­se­mi­nar-se deu como re­sul­tado umha in­tensa ocu­pa­çom do ter­ri­tó­rio e umha funda hu­ma­ni­za­çom da pai­sa­gem que, junto com Astúrias, a mon­ta­nha le­o­nesa e o norte de Portugal, nos sin­gu­la­riza na con­torna ibé­rica. A fra­tura do ter­reno e a com­plexa rede de rios e re­ga­tos con­fa­bu­lá­rom-se para que cada re­canto da nossa terra fosse um lu­gar me­re­ce­dor de ser ha­bi­tado (1). Percorrer a Galiza numha ou nou­tra di­re­çom per­mite-nos cons­ta­tar essa sa­tu­ra­çom do es­paço, a exu­be­rante pre­sença de lu­ga­res ha­bi­ta­dos e o te­souro mi­cro-to­po­ní­mico que dela de­riva. Apenas to­pa­re­mos es­pa­ços de certa am­pli­tude sem po­voar (2). Porém, essa far­tura de po­vo­a­mento vai di­mi­nuindo se avan­çar­mos cara ao su­este do país, nas co­mar­cas da Límia, Monterrei e as Terras do Bolo. Aqui as al­deias som já mai­o­res, as ca­sas agru­pam-se em nú­cleos mai­o­res e a dis­tân­cia en­tre elas aumenta.

Cara ao Maciço Central
Para as pes­soas aman­tes da ge­o­gra­fia ga­lega é um reto iden­ti­fi­car quais po­dem ser as par­tes do ter­ri­tó­rio onde ainda po­de­mos to­par es­pa­ços li­vres, lu­ga­res nom ha­bi­ta­dos polo ser hu­mano ga­lego. Um rá­pido olhar ao mapa leva-nos cara às mon­ta­nhas su­ro­ri­en­tais (ser­ras do Eixo, Calva e Segundeira) e o Maciço Central. Umha vez aqui cum­pre de­ter-se, au­men­tar a es­cala do mapa e co­me­çar a tra­çar li­nhas. As tec­no­lo­gias de que dis­po­mos hoje para olhar e me­dir o ter­ri­tó­rio se­rám-nos de grande va­lor, mas nom re­nun­ci­e­mos nunca à ca­mi­nhada e à con­versa com os pai­sa­nos. Vamos cen­trar as nos­sas pes­qui­sas nas al­deias que cir­cun­dam o Maciço Central(3), a terra inós­pita dos ga­le­gos e ga­le­gas, um con­junto de ser­ras que se es­ten­dem como umha rosa dos ven­tos numha ex­tensa área de­li­mi­tada ao norte po­las Terras de Trives e Caldelas; ao sul pola de­pres­som de Monterrei e o vale de Laça; ao leste polo ca­nhom do rio Bibei; e ao oeste pola pe­ne­chaira de Montederramo e a de­pres­som limiá(4).

Pista do Marroquím, que co­mu­ni­cava as bo­cas dos tú­neis dos com­boios para sub­mi­nis­trar ho­mens e materiais.

Segundo va­mos en­trando desde qual­quer di­re­çom no Maciço Central, os nú­cleos de po­vo­a­mento vam es­cas­se­ando até de­sa­pa­re­cer. Um con­junto de al­deias de meia mon­ta­nha cir­cun­vala o ma­ciço a al­ti­tu­des que vam dos 800 aos 1290 me­tros. Como fi­nis­ter­raes de in­te­rior, es­tas úl­ti­mas al­deias que to­pa­mos som avan­ça­das na nossa obs­ti­nada von­tade de po­voar, os der­ra­dei­ros in­ten­tos de pe­ne­trar na mon­ta­nha. Lugares como A Mogaínça, A Teixeira, A Ferraria, Requeijo, Castéligo, Cernado, Paradela, Chaguaçoso, Pradoalbar, As Hedradas, Campobecerros, Camba, Correchouso, Toro ou Recordechau, se­me­lham sen­ti­ne­las que mar­cam os li­mi­tes da terra inós­pita. Foi polo seu ex-com­boio me­ri­di­o­nal por onde pe­ne­trou no seu dia o ca­mi­nho de ferro pro­ce­dente da me­seta, fu­rando mon­ta­nhas e sal­vando gro­vas e ca­vor­cos. Serpenteando desde o Padornelo bor­deja desde A Gudinha até Vilar de Bairro tra­çando umha li­nha im­pos­sí­vel no co­ra­çom mon­tês dumha terra de lu­ga­res du­ros e so­li­tá­rios como A Venta do Bolanho, A Venta da Teresa, A Venta do Espinho, a as­su­la­gada al­deia de Veiga de Camba, Campobecerros, Portocamba, Cededelo, O Pereiro, Toro, Correchouso, Prado, A Albergaria e Borrám.

O com­boio e Correchouso

Cravada a 788 metros de altitude, a aldeia de Correchouso, no concelho de Laça, agüenta os rigores da invernia da montanha ourensá protegida por um paredom vertical que ascende desde o fundo do rio até os 1350 metros

Até 2013 um com­boio de meia dis­tân­cia per­cor­ria es­tas ter­ras desde Ourense até a Póvoa de Seabra. Pagava a pena fa­zer a vi­a­gem só por puro pra­zer. Hoje o com­boio já nom para nas ve­lhas es­ta­çons mas os vi­a­gei­ros das li­nhas que co­mu­ni­cam Galiza com a me­seta ainda ten­tam de ma­neira in­fru­tu­osa nom per­der conta na in­ter­mi­ná­vel su­ces­som de tú­neis que sin­gu­la­ri­zam este tra­çado. Por ve­zes, en­tre as bo­cas dos tú­neis ape­nas há um cen­te­nar de me­tros e en­tom a re­pen­tina lu­mi­no­si­dade e be­leza das pai­sa­gens se­me­lham ins­tan­tâ­neas de lu­ga­res pa­ra­dos no tempo, eter­nos, an­te­ri­o­res e pos­te­ri­o­res à cons­tru­çom da via e in­di­fe­ren­tes à olhada dos vi­a­gei­ros dum es­tron­doso com­boio que co­necta ci­da­des. A al­deia de Correchouso é um des­tes lu­ga­res. Nos pou­cos se­gun­dos que o com­boio tarda em per­cor­rer os 150 me­tros de dis­tân­cia que se­pa­ram a boca do tú­nel 65 da boca do tú­nel 64 ir­rompe umha pa­no­râ­mica fu­gaz desta al­deia do Concelho de Laça. De noite, vista do com­boio, umhas pou­cas lu­zes ace­sas per­mi­tem-nos ver o lu­ga­rejo como umha som­bra fu­gi­dia, umha santa com­pa­nha de ca­sas hu­mil­des, umha vi­som no­turna e du­vi­dosa que cum­pre cor­ro­bo­rar com a luz do dia.

Embora o com­boio passe por di­ante de Correchouso nom é por aqui por onde dis­cor­rem os prin­ci­pais ca­mi­nhos para che­gar até a al­deia. A en­trada na­tu­ral é a es­trada que vem desde Laça e que vai su­bindo o monte de Lastredo ou da Armada. Depois de pas­sar polo lu­gar d’O Navalho, os cas­ta­nhei­ros cen­te­ná­rios co­me­çar a dar a bem-vinda, no co­ra­çom do souto está Correchouso. Poderia di­zer-se que, em re­a­li­dade, Correchouso é um grande souto onde cres­cê­rom as ca­sas. Os ve­lhos cas­ta­nhei­ros caem la­deira abaixo desde a parte alta do lu­gar até quase o rio Cabras, ao que a gente do lu­ga­rejo tam­bém lhe cha­mam rio Correchouso. A pai­sa­gem é es­pe­ta­cu­lar, sel­va­gem e abrupta. A al­deia se­me­lha aga­char-se do mundo re­fu­gi­ando-se no fundo do ca­nhom polo que dis­corre o rio e de­bru­çando so­bre umha das suas la­dei­ras. Cravada a 788 me­tros de al­ti­tude, Correchouso agüenta os ri­go­res da in­ver­nia da mon­ta­nha ou­rensá pro­te­gida por um im­pres­si­o­nante pa­re­dom ver­ti­cal que as­cende desde o fundo do rio até os 1350 me­tros e que aqui cha­mam o Neboeiro e o Neboínho (5). O clima é duro e as ter­ras sem­pre fô­rom es­cas­sas, pouco pro­du­ti­vas e em des­ní­vel. Houvo que bus­car vida com o gado e nos sou­tos. Encaixados, aper­ta­dos, caindo so­bre o rio, aga­cha­dos en­tre os cas­ta­nhei­ros, co­ber­tos pola neve, a vi­zi­nhaça deste lu­gar so­bre­pujo-se a umha ge­o­gra­fia di­fí­cil e im­pla­cá­vel. Durante sé­cu­los usá­rom bur­ros e ca­va­los para bai­xar até Laça. Porque ainda que a ori­gem da al­deia pode vir do lu­ga­rejo pró­ximo de Toro (6), ge­o­gra­fi­ca­mente Correchouso co­mu­nica-se me­lhor com as ter­ras de Laça; umha vez su­pe­rada a por­tela da Armada fica li­vre o acesso à ca­be­ceira mu­ni­ci­pal e às al­deias do vale do Támega.

Túnel do Corno, da li­nha Ourense-Zamora. Correchouso al­ber­gou os car­ri­la­nos que par­ti­ci­pá­rom des­tas obras.

Os car­ri­la­nos e a silicose
Como em tan­tos ou­tros lu­ga­res de mon­ta­nha ga­lega, o seu meio de vida fun­da­men­tal e quase único foi a abun­dante cas­ta­nha que ainda hoje apa­nham. Som es­ses cas­ta­nhei­ros cen­te­ná­rios o pri­meiro que chama a aten­çom ao en­trar em Correchouso. Em 2005 um enorme in­cên­dio de­vas­tou umha parte dos sou­tos e as la­pas che­gá­rom às por­tas das ca­sas. A vi­zi­nhança tivo que ser eva­cu­ada e le­va­dos até Laça. Mas houvo um tempo em que os que da­vam casa e co­mida para as pes­soas que vi­nham de fora eram os ha­bi­tan­tes de Correchouso. A vida na al­deia trans­for­mou-se quando co­me­çá­rom as obras do com­boio Ourense-Zamora. Durante três dé­ca­das que du­rá­rom os tra­ba­lhos, este lu­gar apar­tado do mundo, terra fria e de lo­bos, al­ber­gou mui­tos tra­ba­lha­do­res que fu­rá­rom as mon­ta­nhas e cons­truí­rom os tú­neis pró­xi­mos, en­tre eles o mí­tico tú­nel do Corno. Naquela imensa obs­cu­ri­dade, hú­mida e fria, em­pa­pa­dos e exaus­tos, os car­ri­la­nos de Correchouso, de Toro, de Campobecerros ou de Laça, dei­xá­rom os seus cor­pos e as suas al­mas e per­dê­rom os me­lho­res anos das suas vi­das quando nom a vida in­teira. O do­cu­men­tal de Xabier Cid, Carrilanos, Os tú­ne­les dun tempo, re­flete de ma­neira ma­gis­tral a du­reza da­quela epo­peia. O com­boio trouxo a aque­las mon­ta­nhas mi­lha­res de pes­soas. Proliferárom as can­ti­nas, as ven­tas e os bar­ra­cons e criá­rom-se sin­di­ca­tos, mas quando as obras re­ma­tá­rom co­me­çá­rom a en­cher-se os ce­mi­té­rios. A si­li­cose ar­ra­sou os pul­mons dos car­ri­la­nos e aca­bou se­gando a vida da mai­o­ria de­les. Em Correchouso sa­bem de que fa­la­mos. Apenas há fa­mí­lia que nom ti­vesse al­guns dos seus en­tre as ví­ti­mas da si­li­cose, o mal da via.

O des­po­vo­a­mento

Por volta de setenta pessoas chegárom a morar em Correchousa na década de 50, hoje apenas ficam oito vizinhos e cinco casas abertas durante todo o ano

A his­tó­ria de Correchouso nom es­ta­ria com­pleta sem re­fe­rir-nos a ou­tra cons­tante das úl­ti­mas dé­ca­das, a emi­gra­çom e o des­po­vo­a­mento. Nas dé­ca­das de 50 e 60, a al­deia vol­tou a va­ziar-se e a per­der ha­bi­tan­tes. Aqueles com­boios que pas­sa­vam ve­lo­zes le­va­vam agora a vi­zi­nhança de Correchouso cara a Madrid, Astúrias, Euskadi ou Barcelona, mas tam­bém para Alemanha ou Suiça. Por volta de se­tenta pes­soas che­gá­rom a mo­rar em Correchousa na dé­cada de 50, hoje ape­nas fi­cam oito vi­zi­nhos e cinco ca­sas aber­tas du­rante todo o ano. Numha his­tó­ria que se re­pete em cada rin­com da Galiza, a al­deia re­cu­pera um pouco de vida quando os fi­lhos e ne­tas dos emi­gra­dos vol­tam para pas­sar um dia nas fes­tas de Santa Ana e Santiago com­par­ti­lha­das com a vi­zi­nhança do lu­gar pró­ximo d’O Navalho.

A vida es­mo­rece em Correchouso. Os com­boios se­guem a pas­sar en­tre os tú­neis 65 e 64 mas fica-lhe pouco. Cinqüenta me­tros por de­baixo dos ve­lhos pas­sos, quase a al­tura do rio, gi­gan­tes­cas má­qui­nas de ex­ca­va­çom fam de novo o tra­ba­lho de tou­pei­ras que um dia fi­gé­rom mi­lha­res de car­ri­la­nos. Um tú­nel de mais de oito qui­ló­me­tros fu­rará no­va­mente os mon­tes de Toro e Correchouso desde Cerdedelo até Prado. Setenta anos de­pois, de novo obrei­ros e téc­ni­cos pro­ce­den­tes de todo o es­tado dam vida às pen­sons e can­ti­nas dos lu­ga­re­jos do vale do Támega. Som mui­tos me­nos que en­tom e já nom uti­li­zam a Pista do Marroquím, umha ve­lha pista de ser­viço es­ca­vada a tumba aberta na la­deira do ca­nhom e que co­mu­ni­cava as bo­cas dos tú­neis para sub­mi­nis­trar ho­mens e ma­te­ri­ais. Recorrê-la no seu tramo mais agreste, en­tre Toro e Correchouso paga a pena. Cumpre fazê-lo quanto an­tes. As de­to­na­çons das obras pro­vo­cá­rom o der­ru­ba­mento par­cial da pista num ponto con­creto e só se pode pas­sar a pé e com di­fi­cul­dade. O si­lên­cio só se vê roto polo passo dos com­boios e polo mur­mu­rar das águas do rio no fundo do ca­nhom. Os ve­lhos bar­ra­cons, as es­ta­çons aban­do­na­das, as bo­cas dos tú­neis, as pe­ga­das que a magna obra dei­xou na to­po­ní­mia e na pai­sa­gem evo­cam a me­mó­ria dum tempo de fa­tiga e ex­plo­ra­çom. Os uten­tes da nova e so­ter­rada li­nha do AVE já nom po­de­rám ver dos seus as­sen­tos a pos­tal fu­gaz da al­deia de Correchouso. Quem qui­ger co­nhecê-la de­verá ir ex pro­feso até lá, já que este lu­ga­rejo nom se passa, há que ir. Assim foi sem­pre por­que nesta al­deia re­mata o ca­mi­nho. Mais lá, monte ar­riba, já só fica o co­ra­çom da terra inóspita.

NOTAS

1. A emo­ción do se­den­ta­rismo à que alu­dia Risco le­vou o nosso povo a fun­dar por volta de 33.000 nú­cleos de po­vo­a­çom, ar­re­dor da me­tade de to­dos os exis­ten­tes no con­junto do es­tado espanhol.

2. Umha co­marca pa­ra­dig­má­tica neste sen­tido é a Terra Chá, onde as al­deias se dis­se­mi­nam num grande nú­mero de lu­ga­res e ca­sas, un pobo aquí e ou­tro acolá.

3. Se po­mos o olhar nas ser­ras su­ro­ri­en­tais de­ve­mos con­cen­trar-nos na am­pla faixa que vai de Lardeira, Casaio e Soutadoiro (con­ce­lho de Carbalheda de Valdeorras) ao Norte até Pradorramisquedo (con­ce­lho de Viana do Bolo) e Porto no Sul.

4. Nesse grosso es­paço de meia mon­ta­nha al­ter­nam ser­ras de cu­mes li­gei­ra­mente achai­ra­dos, en­tre as que des­ta­cam as ser­ras de Queija, Invernadoiro, Fial das Corzas, Sam Mamede, Altos do Samiom e Serra do Burgo, e va­les pro­fun­dos em que to­pa­mos o nas­ci­mento de rios como o Queija-Návea, Camba, Arnoia, Támega, Mao e Cenza.

5. O cota mais alta está no Alto de Baroncelho (1406). Os cha­ma­dos Montes de Correchouso som unha pro­lon­ga­çom cara ao sul da serra de San Mamede. Por de­trás des­tes mon­tes já des­cen­de­mos cara A Edreira, ainda em ter­ras de Laça, unha es­pe­ta­cu­lar pa­ra­gem so­li­tá­ria car­re­gada de trá­gica his­tó­ria e que nou­tro mo­mento foi lu­gar de re­fú­gio para guer­ri­lhei­ros. As águas da Edreira já caem cara ao rio Queija ou Návea na ba­cia do Sil, en­quanto as águas do rio Cabras ou Correchouso jun­tam-se com o rio Trez para tri­bu­tar ao Támega.

6. No pleito polo monte co­mu­nal que sus­tivo a vi­zi­nhança de Correchouso e Touro no sé­culo XVIII pode com­pro­var-se como os ape­li­dos dos de­man­dan­tes de am­bas al­deias coin­ci­dem (Diz, Requeijo, Queija, Touro).

O último de O bom viver

Ir Acima