
I. Cargas e violência policial, identificaçons que nom chegam a denúncias, denúncias que nom chegam a juízos, juízos que nom chegam a condenas, condenas que som revogadas no recurso e, nalguns casos, prisom. Em todo caso, centos de pessoas que cada ano som vítimas de violência, milhares de horas de juntanças, de euros investidos, de pensamentos ocupados na defesa e preocupados com o que será. Eis a lógica da repressom: lenta ou ‘preventiva’, subtil ou monstruosa. Diferentes níveis com os mesmos objetivos de medo, parálise e desmobilizaçom.
II. No Reino que passou por umha ‘Transiçom’ sem depurar os mandos policiais e o poder judicial do regime fascista, falar na repressom política e na perseguiçom à dissidência como um fenómeno novo é, no mínimo, naïf. Neste reino, os mesmos poderes do nacional-catolicismo obtivérom licença da ‘democracia nascente’ para regerem o processo de mudança de mandos, para desenharem a sua própria reproduçom ideológica e modularem, nas últimas décadas, o modelo de ‘ordem público’ do regime do 78. A maquinaria repressiva ‑e o seu correlato da criminalizaçom nos mass media- construíra-se sobre a dicotomia entre ‘honrados trabalhadores’ e ‘a Mao Negra’, entre ‘espanhóis de bem’ e ‘subversivos’, e aginha se adaptou para ‘cidadania’ e ‘terroristas’.
III. O sentir comum de neutralidade da legislaçom e até da justiça tem sido historicamente questionado, e para o caso concreto do estado espanhol tenhem sido muitas as vozes a denunciarem a instalaçom progressiva no paradigma do direito penal do inimigo. É dizer, a instauraçom, ao abeiro do chamado antiterrorismo, dum permanente regime de excecionalidade contra aquelas pessoas julgadas inimigas do estado e, portanto, nom-pessoas.
Falar dessas margens, nomear essas violências em que assenta a convivência constitucional; isso sim é justiça.
IV. Escreveu Brecht: “Do rio que tudo arrasta, di-se que é violento. Mas ninguém acha violentas as margens que o comprimem”. Somos hoje espetadoras e vítimas dum intenso e acelerado estreitamento das margens. E enquanto as margens estreitam, é cada vez mais rio o que fica fora, o que é radical, violento, enaltecedor do terrorismo ou, finalmente, terrorista.
As margens, porém, estivérom sempre aí. Desenhando-se, alargando-se e estreitando-se em funçom do momento político, mas marcando em todo momento umha fronteira mui nítida. Fora dela as garantias do chamado estado democrático de direito ficam em interrogante. Fora dela ficam as nompessoas.
Falar dessas margens, nomear essas violências em que assenta a convivência constitucional; isso sim é justiça.
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P.S.: Dizia Julien Coupat (recentemente absolvido depois de quase dez anos imputado por ‘terrorismo’) em 2008: “o antiterrorismo, ao contrário do que quer insinuar o termo, nom é um meio de luita contra o terrorismo; é o método polo qual se produz, positivamente, o inimigo político como terrorista”.