Periódico galego de informaçom crítica

Duas pessoas

por
sa­bela iglesias

Como pro­duto hu­mano, as lín­guas le­vam de­sa­pa­re­cendo desde o co­meço dos tem­pos, de acordo com as mu­dan­ças e as re­la­ções de po­der nas so­ci­e­da­des que as usa­vam. Há mui­tos sé­cu­los que dei­xá­rom de es­cu­tar-se o uga­rí­tico, o picto ou o guan­che, mas a mo­der­ni­dade ace­le­rou o pro­cesso e con­forme o mundo se glo­ba­liza, mais e mais lín­guas acham-se em pe­rigo de extinção.

Desde o nas­ci­mento da lin­guís­tica e a sua busca de do­cu­men­tar as fa­las an­tes da sua de­sa­pa­ri­ção, po­pu­la­ri­zá­rom-se no­mes como os de Tuone Udaina ou Hirawanu Tapu como “úl­ti­mas fa­lan­tes”. Na re­a­li­dade, a morte lin­guís­tica é um pro­cesso gra­dual e por baixo dessa eti­queta aga­cham-se re­a­li­da­des mais com­ple­xas: a exis­tên­cia de fa­lan­tes des­co­nhe­ci­das, a com­pe­tên­cia pas­siva da fala ou uma si­tu­a­ção de me­no­ri­za­ção em que uma lín­gua, aos pou­cos, perde as suas ca­rac­te­rís­ti­cas para su­mir-se na dominante.

Em 1815, um re­li­gi­oso cha­mado Dámaso Antonio Larrañaga do­cu­men­tava na beira do Paraná, nas Províncias Unidas do Rio da Prata, a ago­nia de uma lín­gua. No seu Compendio del idi­oma de la Nacion Chaná as­se­gura que “os no­vos já nem fa­lam nem en­ten­dem o idi­oma” e com­pila num só dia, da boca de três ve­lhos, 53 re­gras desta lín­gua, para que “as suas vo­zes dei­xem de pe­re­cer com o som”. Semelhava o mo­mento pre­ciso: as se­guin­tes ex­pe­di­ções à zona já não to­pam ne­nhuma fa­lante. O mesmo ca­mi­nho se­guem as ou­tras duas lín­guas da fa­mí­lia, o char­rua e o gue­noa, que mor­rem agi­nha, dei­xando ainda me­nos informação. 

Em 2004, na ci­dade de Paraná, Blas Jaime, um ju­bi­lado de 70 anos, co­menta numa feira de ar­te­sa­nato que sabe fa­lar chaná, o que chama a aten­ção de um jor­na­lista, que pu­blica a sua his­tó­ria. As lin­guis­tas mos­tra­rão-se cé­ti­cas ante a afir­ma­ção, mas as pro­vas re­sul­tam ir­re­fu­tá­veis: o chaná de Jaime é con­sis­tente com os da­dos de Larrañaga e com todo o resto de tes­te­mu­nhas so­bre esta e ou­tras lín­guas pró­xi­mas. Contra toda pro­ba­bi­li­dade, a lín­gua chaná re­gres­sava de en­tre as mortas. 

Por dous sé­cu­los, o chaná fora trans­mi­tido em se­gredo po­las mu­lhe­res da fa­mí­lia. De mães a fi­lhas e de avoas a ne­tas. Só ao mor­re­rem as ir­mãs de Jaime, a mãe pro­pujo-lhe apren­der o idi­oma. Tinha da­quela 14 anos. A sua his­tó­ria, su­pu­nha, era a de mui­tas cha­nás, mas até agora os es­for­ços para en­con­trar ou­tras fa­lan­tes re­sul­tá­rom in­fru­tu­o­sos. Esta si­tu­a­ção, junto com o in­te­resse das lin­guis­tas, fijo que Jaime re­pen­sara o seu pa­pel como guar­dião da lín­gua. Transmitiu-na à sua fi­lha Evangelina, algo que não fi­gera até en­tão, e co­me­çá­rom a dar au­las de chaná. Duzentos anos de­pois, de­va­gar, a lín­gua vive a sua revitalização. 

A do chaná, con­tudo, não é uma his­tó­ria ale­gre. Fala-nos de co­lo­ni­a­lismo, ra­cismo e acul­tu­ra­ção. De um idi­oma man­tido em se­gredo para evi­tar o es­cár­nio e a dis­cri­mi­na­ção. De mui­tas ca­rac­te­rís­ti­cas da fala per­di­das no tempo. Mas tam­bém nos lem­bra que o único pre­ciso para a su­per­vi­vên­cia de uma lín­gua é a con­vi­vên­cia fe­liz de duas pes­soas: uma que queira trans­miti-la e ou­tra dis­posta a re­cebê-la. Isso, que pa­rece tão pouco, pode às ve­zes sig­ni­ficá-lo todo. 

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