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Eu sou Egéria’: Umha viageira do século IV visita-nos

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O pas­sado mês de março pu­bli­quei na edi­tora Galaxia o li­vro Eu son Exeria. Lectura fe­mi­nista du­nha vi­axe no sé­culo IV com ilus­tra­çons de Sole Pite Sanjurjo. Velaqui esta achega so­bre Egéria, que poda ser­vir de in­tro­du­çom à leitura.

Em 1884 Gian Francesco Gamurrini ato­pou na ci­dade de Arezzo o Codex Aretinus, um có­dice co­pi­ado no sé­culo XI no mos­teiro de Montecasino, do qual fal­tam al­gu­mas fo­lhas, que con­ti­nha um am­plo frag­mento do Itinerarium de Egéria.

O texto ato­pado está di­vi­dido em duas par­tes. A pri­meira, da­tada en­tre fe­ve­reiro de 383 e ju­nho de 384, re­co­lhe o úl­timo tramo do re­lato dumha vi­a­gem mais longa. A nar­ra­çom ini­cia no monte Sinai, onde Egéria conta que está vol­tando de per­cor­rer Egito. Por sua vez, a se­gunda parte do Itinerarium des­creve as di­fe­ren­tes li­tur­gias que se re­a­li­za­vam ao longo dum ano nas di­fe­ren­tes edi­fi­ca­çons de­di­ca­das ao culto cris­tao em Jerusalém, as pri­mei­ras cons­tru­çons re­li­gi­o­sas no berço do cris­ti­a­nismo, bem como di­fe­ren­tes ri­tos e as ca­te­que­ses ba­tis­mais. Como dito acima, o frag­mento do Itinerarium ato­pado ini­cia em fe­ve­reiro do ano 383 no monte Sinai, vol­vendo Egéria de Egito a Jerusalém. Desde esta ci­dade fai duas vi­a­gens mais, a Jordânia e Síria, che­gando à fron­teira com Pérsia (atual Iraque). Em maio de 384 ini­cia o re­gresso à sua terra atra­ves­sando a atual Turquia até Constantinopla, onde re­mata e des­pede o seu escrito. 

Por ou­tros tex­tos me­di­e­vais que co­men­tam o li­vro sa­be­mos aliás que Egéria par­tiu da Gallaecia, que atra­ves­sou o sul da França se­guindo a Via Narbonensis e que em Egito fijo umha vi­a­gem  longa na qual vi­si­tou Alexandria, Nitria e a Tebaida, os lu­ga­res de nas­ci­mento do mo­vi­mento mo­nás­tico cristao.

Egéria é, se­gundo re­co­nhece na sua carta o abade Valério do Berzo umha “mu­lher mais forte que to­dos os va­rons do sé­culo”. É desde esta afou­teza que po­de­mos ca­li­brar a gesta desta mu­lher, a pri­meira es­cri­tora da Hispânia, au­tora do pri­meiro li­vro de vi­a­gens em Europa.

Dizia por carta o abade Valerio do Bérzo que Egéria era umha “mu­lher mais forte que to­dos os va­rons do seu século”

Quando que­res mar­car umha posta no mar, pre­ci­sas fi­xar polo me­nos dous pon­tos em terra que te lo­ca­li­zem. Assim tam­bém este li­vro ori­enta-se com duas mar­cas em terra desde as quais se si­tuar. A pri­meira é um co­men­tá­rio da his­to­ri­a­dora e en­saísta Milagros Rivera Garretas, que es­creve que em Egéria todo é tam im­pe­cá­vel, tam sin­gelo e liso, que pu­dera pa­re­cer que nom  há  nada sus­pei­toso numha mu­lher que per­corre o Imperio ro­mano dumha ponta à ou­tra a fi­nais do sé­culo IV

A se­gunda marca é da teó­loga fe­mi­nista norte-ame­ri­cana Elisabeth Schüssler Fiorenza, quem no seu li­vro En me­mo­ria de ella: re­cons­truc­ción te­o­ló­gico-fe­mi­nista de los orí­ge­nes del cris­ti­a­nismo (Desclée de Brouwer, 1989) nos con­vida a pra­ti­car a her­me­nêu­tica da sus­peita. As mu­lhe­res pre­ci­sa­mos da sus­peita como mé­todo de lei­tura quando nos ache­ga­mos aos tex­tos his­tó­ri­cos que se nos trans­mi­tem, pois to­dos eles es­tám es­cri­tos em con­tex­tos an­dro­cên­tri­cos, e o nesgo pa­tri­ar­cal per­turba a cor­reta lei­tura. A teó­loga con­vida-nos aliás a re­criá-los com olhos de mu­lher, desde óti­cas nom  pa­tri­ar­cais; a nos co­lo­car na pele das mu­lhe­res, dando-lhes o pro­ta­go­nismo que a his­tó­ria lhes rouba e ima­gi­nando como con­ta­riam elas o que sucede.

Egéria es­creve em pri­meira per­soa, com umha lín­gua co­lo­quial, sin­gela, afas­tada das re­tó­ri­cas de moda, usando gi­ros e ex­pres­sons pró­prias do seu lu­gar de ori­gem, Gallaecia, o qual cons­ti­tui o pri­meiro chanço na evo­lu­çom do la­tim que, sé­cu­los des­pois, aca­bará sendo a lín­gua ga­lega. Assim o po­nhem de ma­ni­festo es­tu­dos como o de Alejandra B. Mariano e Aires A. Nascimento, em Egéria. Viagemm do oci­dente à Terra Santa, no séc. IV, (Ed. Colibrí, Lisboa, 1998)

Non há  dú­vida nen­gumha so­bre o ele­vado ní­vel cul­tu­ral desta mu­lher, que se de­sen­volve com com­pe­tên­cia na fala e a es­crita em la­tim e grego, e que mesmo pa­rece sa­ber algo de si­ríaco. Umha mu­lher que se ale­gra fun­da­mente quando lhe re­ga­lam um li­vro, que guarda como um te­souro pen­sando em par­ti­lhá-lo com as suas irmás.

Egéria é umha mu­lher e de­dica o seu es­crito a um grupo de mu­lhe­res ás quais chama ir­más e ami­gas. O pri­meiro cris­ti­a­nismo, em con­creto o do sé­culo IV, está cheio de his­tó­rias das mu­lhe­res que, como Egéria e as suas ami­gas, lem, es­cre­vem, pre­o­cu­pam-se po­los pro­ble­mas so­ci­ais do seu tempo, agem na so­ci­e­dade e na Igreja… Todas elas som mu­lhe­res que, igual que Egéria coa sua vi­a­gem, sal­tam por riba das proi­bi­çons do seu tempo para vi­ver e se de­sen­vol­ver po­las bei­ras do pa­tri­ar­cal­mente admitido. 

O pri­meiro cris­ti­a­nismo está cheio de his­tó­rias de mu­lhe­res que, como Egéria e as suas ami­gas, lem, es­cre­vem ou pre­o­cu­pam-se po­los pro­ble­mas sociais

É in­te­res­sante tam­bém de­ter-se na au­to­ri­dade tal e como a en­tende Egéria. Em la­tim há  duas pa­la­vras di­fe­ren­tes para re­fe­rir au­to­ri­dade: auc­to­ri­tas e po­tes­tas. A po­tes­tas de­fine o po­der ca­paz de se im­por pola força. A auc­to­ri­tas as­senta no re­co­nhe­ci­mento da sa­be­do­ria dumha per­soa numha de­ter­mi­nada ma­té­ria. Esta se­gunda é a ma­neira de Egéria. Egéria re­co­nhece a sa­be­do­ria de vida das per­soas com que fala, das quais ela aprende. Egéria re­para pouco no po­der en­ten­dido como po­tes­tas, por isso nom  se fai de me­nos ante nin­guém. Uma prova este nom se fa­zer de me­nos é que nom  re­co­lhe os no­mes dos bis­pos com que fala, de nen­gum… e fô­rom mui­tos! A única per­soa das quais fala que chama polo seu nome, a quem apre­senta como amiga, é Marthana, umha mu­lher que di­rige vá­rias co­mu­ni­da­des mo­nás­ti­cas fe­mi­ni­nas em Seleucia (na atual Turquía). Egéria co­nhece a Marthana du­rante a sua longa es­tan­cia em Jerusalém e logo visita‑a na vi­a­gem de volta, quando atra­vessa Turquia ca­mi­nho de Constantinopla, no ano 385. Em Marthana Egéria en­con­tra umha amiga, com quem se funde num abraço ale­gre de re­co­nhe­ci­mento de au­to­ri­dade feminina. 

Também ve­mos a auc­to­ri­tas de Egéria quando es­creve às suas com­pa­nhei­ras. Todo o Itinerarium está es­crito para elas, as ami­gas na dis­tân­cia, com as quais fala com muito ca­ri­nho, desde abaixo, desde a pro­xi­mi­dade, cha­mando-as do­mi­nae, so­ro­res, lu­men meum, do­mi­nae ve­ne­ra­bi­les so­ro­res, do­mi­nae ani­mae meae... Egéria é umha boa prova de au­to­ri­dade fe­mi­nina, dum jeito de exer­cer o li­de­rado muito se­me­lhante ao que a an­tro­pó­loga me­xi­cana Marcela Lagarde des­creve como li­de­ra­dos en­tra­nhá­veis na sua obra Claves fe­mi­nis­tas para li­de­raz­gos en­traña­bles (Ed Puntos de en­cu­en­tro, Managua, 2000) Egéria nom  é umha su­pe­ri­ora di­ri­gindo-se às suas pu­pi­las, nem umha su­bal­terna que obe­deça or­dens dou­tra per­soa que con­si­dere su­pe­rior a ela. A única au­to­ri­dade que re­co­nhece Egéria é o seu de­sejo de co­nhe­cer, que pom ao ser­viço das ou­tras, das suas so­ro­res, ir­más e ami­gas que­ri­das, quando lhes di: “quero que saibades”. 

É com as suas ir­más que Egéria pre­pa­rou a sua vi­a­gem. Todo o que vê e vi­sita obe­dece a um plano tra­çado pre­vi­a­mente, e res­ponde as in­qui­e­tu­des in­ves­ti­ga­do­ras que este grupo de mu­lhe­res tem. Egéria vai bus­cando e cons­ta­tando o que já co­nhece po­los li­vros, e quando nom en­con­tra o que busca, ou os seus da­dos nom  coin­ci­dem com o en­con­trado, nom  pode me­nos de o di­zer às companheiras.

Outro as­peto im­por­tante do re­lato é a Igreja que Egéria nos re­vela, tanto a ní­vel or­ga­ni­za­tivo como hu­mano. O Itinerarium achega muita in­for­ma­çom so­bre como eram as pri­mei­ras ce­le­bra­çons, fes­tas, ri­tos e mesmo edi­fi­ca­çons cris­tás de Jerusalém. Egéria vê nas­cer o mo­na­cato e conta‑o de jeito par­ti­cu­lar às mu­lhe­res da Gallaecia do sé­culo IV, com da­dos con­cre­tos so­bre os pri­mei­ros ana­co­re­tas, que es­tám evo­luindo cara a for­mas co­mu­ni­tá­rias de or­ga­ni­za­çom. Toma nota da aco­lhida que lhes pres­tam, dos ri­tos que ce­le­bram, até de como or­ga­ni­zam a pró­pria ma­nu­ten­çom e a de quem os vi­sita, plan­tando e cul­ti­vando hor­tas. Todo isto du­zen­tos anos an­tes de que che­gara às nos­sas ter­ras Martinho de Dúmio, o con­si­de­rado “pai” e fun­da­dor da mo­nás­tica galega. 

Toma nota tam­bém Egéria das li­tur­gias na ci­dade de Jerusalém, cen­tro ecle­sial do mo­mento,; vi­sita lu­ga­res de culto (so­bre­todo cer­tas tum­bas de ho­mens e mu­lhe­res após­to­las e már­ti­res que já co­nhece) e fai co­men­tá­rios a todo o que vai encontrando. 

Egéria re­para em todo: as fes­tas, as lei­tu­ras, as pro­ces­sons… até o idi­oma que se fala, que é o grego. Lendo Egéria po­de­mos des­mon­tar o mito do la­tim como idi­oma da Igrexa. É mais, cum­pre sa­li­en­tar como Roma nom  pujo pro­blema nen­gum por tro­car na li­tur­gia o grego polo la­tim, um idi­oma que en­ten­dia me­lhor a gente ro­mana. Sabendo isto, en­tende-se mal como há  hoje na Igreja per­soas que de­fen­dam o uso do la­tim como o idi­oma dos iní­cios, ou que se re­sis­tam a fa­lar na li­tur­gia o idi­oma que fala a gente, que na Galiza é o galego. 

Egéria é a mu­lher que ca­mi­nha ut de ex­tre­mis porro ter­ris, desde os con­fins da terra, cara às ori­gens, cara ao ama­nhe­cer, bus­cando o es­pí­rito dos iní­cios. É umha pe­re­grina, umha mu­lher forte, com umha funda es­pi­ri­tu­a­li­dade. Todo o que des­co­bre faina me­drar, alarga‑a por den­tro. Por isso, de­pois de jor­na­das de vi­a­gem por ve­zes es­go­ta­do­ras, é que de ti­rar pluma e per­ga­mi­nho e es­cre­ver às suas ir­más todo o que vai des­co­brindo. Sabe que vai ser lida com gosto, por isso a sua é umha es­crita vi­tal, desde a en­tra­nha. Egéria es­creve apoi­ando-se nas ir­más na dis­tân­cia, e vi­aja sus­tida por elas. 

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