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Frente à montanha

por
ga­liza contrainfo

Em 1994, o Exército Zapatista de Liberación Nacional (EZLN) fijo o seu primeiro comunicado, traspassando os limites de Chiapas. A partir desse momento, converteu-se numha referência internacional pola sua conceçom política e o seu jeito de organizaçom alternativo à figura dum Estado. Assim foi fundado esse novo ponto de encontro para pensar e imaginar outras formas de viver e procurar a vida. Agora, anos mais tarde dos precedentes nos quais abriram a porta ao diálogo fora das suas comunidades (os Encontros Internacionais das Mulheres que Lutam e as giras pola República Mexicana), o passado maio o EZLN começou uma gira polo continente europeu que deu começo na Galiza. 

Nunca se sabe cuándo y dónde otra mi­rada, otro oído, otras ma­nos, otro paso, otro co­ra­zón, en otro ca­len­da­rio y en otra ge­o­gra­fía, ha­brá de ba­jar el su­eño del ex­tenso es­tante de las ilu­si­o­nes, le abrirá las en­trañas y lo plan­tará, como una se­milla, en la do­li­ente re­a­li­dad.
-Sub Galeano.

Por ve­zes nom é do­ado acre­di­tar nas coin­ci­dên­cias, mas, nessa terça-feira, con­tra to­dos os prog­nós­ti­cos, o céu abriu e deu ca­lor. Porém, o vento ar­re­ava com força as on­das do mar, in­cre­men­tando o pe­rigo de de­sem­bar­car nas praias e por­tos vi­gue­ses. Foi por isso que o co­mité de or­ga­ni­za­çom de Xira pola vida, a as­sem­bleia in­te­grada por dis­tin­tas pes­soas e co­le­ti­vos e de­di­cada a ge­rir os atos de in­for­ma­çom e das boas-vin­das à de­le­ga­çom za­pa­tista, de­ci­diu que o lu­gar des­ti­nado ao de­sem­barco fosse o que­bra-mar junto ao Museo do Mar no bairro de Bouças.

A Travessia Pola Vida

Levávamos aguar­dando este mo­mento desde prin­cí­pios de ou­tu­bro, quando, atra­vés do por­tal web do Ejército Zapatista de Liberación Nacional (EZLN), o sub­co­man­dante Galeano anun­ciou que as co­mu­ni­da­des za­pa­tis­tas es­ta­vam a pre­pa­rar a Travesía por la vida, umha vi­a­gem na qual uma co­mis­som per­cor­re­ria du­rante vá­rios mes­ses vá­rios paí­ses do con­ti­nente eu­ro­peu para che­gar, fi­nal e sim­bo­li­ca­mente, a Madrid no 13 de agosto do 2021 (exa­ta­mente 500 anos de­pois da con­quista do que hoje é México) para di­zer ao Estado es­pa­nhol: “No nos con­quis­ta­ron; se­gui­mos en es­tado de re­sis­ten­cia y rebeldia”. 

O dous de maio deste ano, a em­bar­ca­çom bau­ti­zada como La Montaña zar­pou das cos­tas me­xi­ca­nas com o Escuadrón 421 a bordo, a pri­meira das co­mis­sons que che­ga­ria a Europa. Assim deu iní­cio a vi­a­gem que, quando che­gar a ter­ras eu­ro­peias, te­ria como fi­na­li­dade pro­pi­ciar es­pa­ços de en­con­tro e pen­sa­mento co­le­tivo que ser­vis­sem para re­for­çar as re­des de apoio in­ter­na­ci­o­nal e as­sim po­der criar uma frente de re­sis­tên­cia con­tra as ame­a­ças do ca­pi­ta­lismo ne­o­li­be­ral que está a des­truir a vida.

A ‘Travesía por la vida’ é umha vi­a­gem em que umha co­mis­som do EZLN per­cor­re­ria du­rante vá­rios me­ses vá­rios paí­ses do con­ti­nente eu­ro­peu para che­gar a Madrid no 13 de agosto de 2021

Logo de 50 dias (e vá­rias dis­cus­sons e ex­ci­sons nos úl­ti­mos pro­ces­sos de or­ga­ni­za­çom da as­sem­bleia Xira pola vida), La Montaña che­gou ao con­ti­nente eu­ro­peu, a Vigo, e a data e hora do de­sem­barco foi fi­xada para essa terça-feira 22 de ju­nho às 17 ho­ras, o dia em que, ofi­ci­al­mente, Europa dei­xou de ser Europa.

Em Bouças

Os car­ros nom ca­biam no es­ta­ci­o­na­mento das ime­di­a­çons do de­sem­barco. Faltavam dez mi­nu­tos para a hora e nom dei­xa­vam de che­gar mais pes­soas. O lu­gar era um mar de ban­dei­ri­nhas pre­tas com “EZLN” es­crito em le­tras ver­me­lhas, ca­mi­se­tas com a cara do Che im­pressa no peito e car­ta­zes que re­za­vam “Bem-vin­das”.

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O tempo de ve­rao, os car­ta­zes, o mar no fundo, a quan­ti­dade de gru­pos de gente ale­gre sen­tada no chao… Qualquer pes­soa que pas­sasse por ali e nom sou­besse nada do que es­tava a acon­te­cer se­gu­ra­mente ti­vesse pen­sado que es­tá­va­mos à es­pera do co­meço dum fes­ti­val de mú­sica. Mas on­de­a­vam em sin­cro­nia a ban­deira da se­gunda re­pú­blica, a ban­deira da se­reia de Castelao e a do EZLN so­bre as nos­sas ca­be­ças. A com­bi­na­çom emo­ci­o­nava à vista. O im­pre­vi­sí­vel vento do mo­mento fa­zia dan­çar ao mesmo com­passo os dis­tin­tos tem­pos e con­tex­tos. As ban­dei­ras fa­ziam da co­me­mo­ra­çom do pas­sado a ce­le­bra­çom do pre­sente, a pos­si­bi­li­dade de vi­ver em con­so­nân­cia e co­mu­ni­dade além das fron­tei­ras; dei­xa­vam à vista que, no fundo, a luita pola vida, a jus­tiça e a dig­ni­dade surge desde to­dos os re­can­tos do mundo, como se fosse algo ine­rente à con­di­çom humana. 

Chegada a hora, to­dos os meios jun­tá­rom-se o mais perto pos­sí­vel da zona do de­sem­barco, já que, por me­di­das de se­gu­rança, a or­ga­ni­za­çom li­mi­tou o acesso à zona de tal modo que, a ex­ce­çom de cer­tos co­mis­si­o­na­dos e qua­tro fo­tó­gra­fos, nin­guém mais puido pre­sen­ciar o mo­mento em que Maria José, umha das in­te­gran­tes do Escuadrón za­pa­tista, to­cou terra e fijo a pri­meira de­cla­ra­çom no continente. 

Os mi­nu­tos cor­riam e, pas­sa­das as 17:00 ho­ras, ainda nom ha­via no­vi­da­des no ho­ri­zonte. Com todo, man­tí­nhamo-nos em po­si­çom e to­das câ­ma­ras per­ma­ne­ciam fo­ca­das. Entre o passo do tempo à ex­pe­ta­tiva e a falta de vi­som do que re­al­mente se es­tava a pas­sar no fundo do que­bra-mar, em vá­rias oca­si­ons mo­vi­men­tos em falso es­per­tá­rom as gai­tas, os pés dan­çan­tes e os ber­ros de euforia. 

Finalmente, quase umha hora de­pois, o Escuadrón apa­re­ceu ro­de­ado de um grupo de cor­pos. Quando to­das es­ta­vam já à vista, nessa for­ma­çom tam ca­rac­te­rís­tica do EZLN, sau­da­ram com a mao em res­posta aos nos­sos aplau­sos. Há um par de anos nom ima­gi­na­ria que uma cena as­sim fosse pos­sí­vel, mas ali es­ta­vam: sete pes­soas de cor­pos miú­dos e ca­be­ças em alto. Os cor­pos que por sé­cu­los te­nhem sido ví­ti­mas da in­vi­si­bi­li­za­çom, o mas­sa­cre e a opres­som; os cor­pos de abaixo à es­querda glo­bal es­ta­vam a ser re­ce­bi­dos em Europa como heróis.

O Escuadrón za­pa­tista for­mou-se e, como mar­cava a agenda da as­sem­bleia, ca­mi­nhá­mos to­das jun­tas até à praia, en­vol­vendo o ar de tan­tos “Zapata vive, a loita se­gue” que o des­gas­ta­mos, qui­tá­mos-lhe o sentido.

Já na praia, o Escuadrón vol­tou a se for­mar e co­me­çou um ato sim­bó­lico que con­sis­tia em que va­rias ati­vis­tas de toda Europa se apre­sen­tas­sem frente às com­pa­nhei­ras za­pa­tis­tas para par­ti­lhar aquilo polo que lui­tam. O ato alu­dia ao mo­mento em que os pri­mei­ros tri­pu­lan­tes pe­nin­su­la­res to­pa­ram à frente com as ha­bi­tan­tes de Abya-Yala. Para mim, ali sur­giu o desencanto.

As za­pa­tis­tas es­ta­vam de pé, em si­len­cio baixo o sol, ro­de­a­das de câ­ma­ras. Ninguém mais que as se­le­ci­o­na­das para pre­sen­ciar o mo­mento exato do de­sem­barco as es­cui­tá­ra­mos falar.

A ima­gem fala por si pró­pria: as za­pa­tis­tas es­ta­vam de pé, em si­len­cio baixo o sol, ro­de­a­das de câ­ma­ras. Ninguém mais que os se­le­ci­o­na­dos para pre­sen­ciar o mo­mento exato do de­sem­barco as es­cui­tá­ra­mos fa­lar e, ainda as­sim, por mais de meia hora o mi­cro­fone pas­sou sem tré­gua de mao em mao, de lín­gua em lín­gua… Como foi pos­sí­vel que, no cúl­men de umha vi­a­gem tam im­por­tante e sim­bó­lica para Ocidente e, mais que para nin­guém, para os po­vos ori­gi­ná­rios do cen­tro e do sul de América, Europa mo­no­po­li­zasse a palavra?

O co­le­tivo za­pa­tista fi­cou de pé e es­cui­tou todo com aten­çom. Nunca lhes foi ce­dido o mi­cro­fone. Quando as ati­vis­tas ter­mi­ná­rom de se apre­sen­tar, di­ri­gí­rom o Escuadrón cara a um ce­ná­rio, tal como mar­cava a agenda.

No pro­cesso de or­ga­ni­za­çom, quando ou­vim fa­lar dum “ce­ná­rio”, eu ima­gi­nei uma pla­ta­forma de ma­deira com a única fun­çom de que o Escuadrón 421 fosse um pouco mais vi­sí­vel para toda a gente. Mas, quando o vim ape­nas che­guei –por­que era im­pos­sí­vel que pas­sasse de­sa­per­ce­bido– en­con­trei-me com um ce­ná­rio gi­gante de es­tru­tura im­po­nente, como aque­les que se uti­li­zam nas fes­tas das vi­las galegas.

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Invitárom a de­le­ga­çom za­pa­tista a to­mar as­sento e ainda pas­sá­rom vá­rios mi­nu­tos até que ce­dé­rom o mi­cro­fone a Mariajosé, quem re­pe­tiu o que di­gera no mo­mento de pi­sar terra: “A nom­bre de to­das las mu­je­res, niños, hom­bres, an­ci­a­nos y, claro, otras za­pa­tis­tas, de­claro que el nom­bre de esta ti­erra, a la que sus na­tu­ra­les lla­man ahora Europa, de aquí en ade­lante se lla­mará Slumil K’ajxemk’op, que qui­ere de­cir “Tierra in­su­misa” o “Tierra que no se re­signa” y así será co­no­cida por pro­pios y ex­traños mi­en­tras haya al­guien aquí que no se rinda, que no se venda y que no claudique”.

Logo desse mo­mento cru­cial, umha a umha, as com­pa­nhei­ras e com­pa­nhei­ros za­pa­ta­tis­tas ache­gá­rom-se ao mi­cro­fone para se apre­sen­ta­rem: di­gé­rom o seu nome, de que re­giom vi­nham, as lín­guas que fa­la­vam e pouco mais. Logo vol­tá­rom sen­tar e re­to­má­rom-se as in­ter­ven­çons de co­le­ti­vos e per­so­na­li­da­des. De novo, tal como o mar­cava a agenda. Falou Luz Fandiño, que já es­ti­vera pre­sente o do­mingo an­te­rior na as­sem­bleia em que se de­ci­diu a data e hora do re­ce­bi­mento, e o co­le­tivo Resistencia en Terra Allea léu um co­mu­ni­cado em que se des­mar­ca­vam da or­ga­ni­za­çom por mor dumha agres­som ra­cista a uma das suas in­te­gran­tes. Seguiram pas­sando pes­soas a to­mar a pa­la­vra e a de­le­ga­çom za­pa­tista olhava-se au­sente, can­sada da vi­a­gem. Nalgum mo­mento bai­xá­rom do ce­ná­rio para sen­ta­rem frente a ele e ali es­cui­ta­rem as pa­la­vras de mais ativistas. 

Decidim mar­char an­tes da clau­sura do evento. Já eram as oito e es­tava um pouco mo­lesta pola forma em que se de­sen­vol­vera todo. Mas sei que, cara ao fi­nal do dia, ainda houvo o mo­mento que to­das –até o sub­co­man­dante Galeano– es­pe­rá­va­mos: o mo­mento da cum­bia, da ce­le­bra­çom… Logo vim nas fo­tos desse dia que, para o baile, su­bi­rom as za­pa­tis­tas de novo ao cenário. 

Re-en­con­trar o sentido

Penso que nin­guém po­de­ria ne­gar que a or­ga­ni­za­çom da as­sem­bleia foi ex­ce­lente. É sin­gelo es­que­cer os com­ple­xos que po­dem ser a posta em co­mum e o diá­logo den­tro de um nu­me­roso grupo de pes­soas que, aliás, pro­vi­nham de mui­tos con­tex­tos dis­tin­tos e, pro­va­vel­mente, ti­nham di­fe­ren­tes lei­tu­ras do mo­vi­mento zapatista.

Contodo, so­brou pa­la­vra e fal­tou dis­curso. O Escuadrón 421 foi re­ce­bido por nós como som re­ce­bi­das as ce­le­bri­da­des, como a re­pre­sen­ta­çom do za­pa­tismo, mas só a ní­vel sim­bó­lico, afas­tado da ma­te­ri­a­li­dade do real.

Sobrou pa­la­vra e fal­tou dis­curso. O ‘Escuadrón 421’ foi re­ce­bido por nós como som re­ce­bi­das as ce­le­bri­da­des, como a re­pre­sen­ta­çom do za­pa­tismo, mas só a ní­vel sim­bó­lico, afas­tado da ma­te­ri­a­li­dade do real

Ao ve­rem as fa­ces can­sa­das, per­gunto-me se nom se­ria me­lhor in­ter­rom­per­mos o ato –mo­di­fi­car a sa­grada agenda– para fa­zer­mos que as sete pes­soas que aca­ba­vam de cru­zar o Oceano Atlântico e cla­ra­mente es­ta­vam can­sas, pu­des­sem des­can­sar. Ou, em todo caso, por que nom dei­xá­mos que to­mas­sem o mi­cró­fono, que ex­pli­cas­sem com as suas pa­la­vras por que es­ta­vam aqui, que es­ta­vam a rei­vin­di­car, que fa­zia desta vi­a­gem um evento tam im­por­tante ou por que de­ci­dí­rom em­bar­car-se –li­te­ral­mente– nesta aven­tura sem precedentes.

Muito fa­la­mos, mas, o que di­ge­mos com os nos­sos atos? A pa­la­vra de quem foi es­cui­tada essa tarde? 

Fica todo por fa­zer, todo um tra­ba­lho de diá­logo de­co­lo­nial por di­ante. A grande con­vo­ca­tó­ria e a ex­te­nu­ante or­ga­ni­za­çom de­mos­trá­rom que as ba­ses es­tám sen­ta­das, que será pos­sí­vel e, so­bre­todo, que esta tra­ves­sia pola vida é muito mais ne­ces­sá­ria e nos in­ter­pela de mais jei­tos dos que de iní­cio pen­sa­mos. É ali, nessa re­fle­xom, onde está a po­lí­tica. O sen­tido deste encontro. 

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