
Os feminicídios só podem prever-se de abaixo, assegura Lola Ferreiro, ativista feminista e psiquiatra, que explica que a personalidade das mulheres fica construída, entre outras, em base à abnegaçom e a repressom do pulo agressivo. Umha das consequências, explica Ferreiro, é a ausência do autocuidado e a incapacidade de levar à prática os direitos interpessoais. Um desses direitos, por exemplo, é ser às vezes as primeiras. Este maltrato continuado contra mais da metade da populaçom nom pode ficar desligado do assassinato de mulheres por causas evitáveis.
Por que é importante chamar feminicídio ao feminicídio?
É importante porque evidencia a cara mais grave e sangrante da violência de género física. Contudo, tanto na Galiza como no Estado espanhol chamamos feminicídio só a algum feminicídio. Lembremos que o conceito recolhe todos os assassinatos de mulheres seja qual for o seu vínculo com o agressor.
Mas entom, o que é feminicídio para as instituiçons?
Seguem a lei integral contra a violência de género que é totalmente reducionista. Considera feminicídio os assassinatos de mulheres cometidos por homens que tinham um vínculo afetivo com elas. Nom se pode fuzilar um termo assim. Marcela Lagarde defíne‑o como a morte dumha mulher por causas evitáveis. No dicionário recolhe-se agora a palavra feminicídio mas é umha armadilha porque nom define bem o conceito e agora semelha que nom é umha questom pendente.
Como definirias violência de género?
Como um conjunto de atuaçons diretas, estruturais ou simbólicas, que tenhem por objetivo apagar a vontade das mulheres e impedir que extralimitem a posiçom de igualdade.
Socialmente temos interiorizada esta definiçom?
Nom, cada vez que acudo a um foro ou umha palestra pido às pessoas que imaginem a primeira imagem que se lhes vem à cabeça quando digo violência de género. A maioria vê um homem batendo numha mulher porque é o que está no imaginário social. Ficam excluídas do visível a violência psicológica, emocional…
Os meios de comunicaçom conformam o quarto poder e por enquanto associem a violência de género com um pequeno número de formas dessa violência, socialmente nom poderemos vê-la em conjunto.
Para além da comunicaçom, há mais setores responsáveis?
O primeiro a educaçom formal, onde existe umha parte de responsabilidade que depende da titularidade da escola. Os planos de coeducaçom som nulos e os de formaçom do professorado, também nulos. Sumamos os recortes nos pós-graduaçom de género e o sistemático incumprimento da lei integral contra a violência de género onde se recolhe que em todos os níveis de ensino, da primária até a universidade, devem existir aulas de co-igualdade, mas nunca se levárom a cabo.
Existe umha enorme falta de formaçom sobre as patologias das mulheres e isso é violência estrutural
A saúde das mulheres também é sempre maltratada. Dá-se umha enorme falta de formaçom sobre as patologias das mulheres e isso é violência estrutural. A Organizaçom Mundial da Saúde, nada suspeitosa de ser feminista, indicou há mais dumha década doenças físicas e emocionais vinculadas com a violência de género. Aos Estados sempre se lhes enche a boca falando da OMS mas o que fam ao respeito? Som necessárias políticas públicas sobre a saúde das mulheres, que é diferente à dos homens, e pô-las em relaçom com o que as provoca. O direito a saúde em democracia é fundamental.
Os sintomas de determinadas doenças, como os infartos de miocárdio, som diferentes nos homens e mulheres. Como é possível que nom se informe sobre umha cousa tam essencial?
No caso dos infartos agudos, as 72 horas que lhe seguem som fundamentais. Como também há feministas tolas no sistema sanitário, decatárom-se de que as mulheres faleciam duas vezes e meia mais do que os homens, o que é muitíssimo. Non só dentro do sistema sanitário tardárom bastante em assumir esta ideia senom que a informaçom nom consegue transcender. Se umha mulher nom sabe que está a sofrer um infarto, nom vai ir a urgências. Isto só é a ponta do iceberg.

Como?
A pessoalidade da mulher tem como base a abnegaçom, portanto a ausência de autocuidados, ademais dumha repressom da agressividade. Educam as mulheres para nom botar fora esse pulo e entom, ao coibir-nos, agredimo-nos a nós mesmas o que explica muitos problemas de saúde. Se nom contamos com isto e só vemos o modelo masculino, estamos a maltratar a metade da populaçom.
Educam as mulheres para nom tirar para fora o pulo agressivo e ao coibir-nos agredimo-nos a nós mesmas, o que explica muitos problemas de saúde
Que armas devemos usar contra isto seja individual ou coletivamente?
É necessária umha sincronia entre as diferentes dimensons da luita. A clave está no empoderamento. A maioria das mulheres nom conhece os seus direitos interpessoais mas sim os laborais, os políticos… Também há quem os conhece mas nom consegue desenvolvê-los.
Quais som esses direitos interpessoais?
Temos 26. Agora mesmo, só vou destacar um: o direito a ser, por vezes, as primeiras. A maioria nom é quem de levá-lo à prática. Para isso está a culpa cristá, para sentir-nos mal. Assim, a cada vez que somos as primeiras sentimo-nos mal. Portanto, cumpre organizar-nos e nom só a nível formal senom também como um grupo de amigas.
As dificuldades de exercer os nossos direitos interpessoais vinculam-se com violências tam altas contra nós como som os feminicídios?
É que os feminicídios só se podem erradicar de abaixo! Desde o primeiro momento em que as mulheres se organizárom, na revoluçom Industrial, no fim de XVIII, o movimento feminista consegue direitos formais e multiplicam-se as organizaçons de mulheres dentro e fora de coletivos mistos. Trata-se também de que todas as mulheres tenham no mínimo um referente organizativo.
É necessária umha aliança entre mulheres, que todas tenham no mínimo um referente organizativo
Na atualidade, consideras adequadas as ferramentas com as que luita o movimento feminista em geral?
Sim, está-se a trabalhar bem na denúncia contra a violência estrutural. Ainda que há que lembrar que no setor público também há fenda salarial e o Estado olha para outro lado. O que sim temos de melhorar é a cumplicidade e apoio das companheiras de organizaçom. Nom temos ferramentas na reivindicaçom e exigência dos direitos interpessoais, cada vez que os exercemos sae um reproche: “que má és”.
Onde deveríamos construi-las?
O mais importante é a sororidade, a construçom de alianças entre mulheres no interpessoal. Devemos deixar de colocar as mulheres baixo suspeita e unir-nos. De facto, quero aproveitar esta ocasiom para fazer um chamado à sororidade em todos os níveis: em termos económicos, sociais, políticos e também no interpessoal. Deixar de pensar em que somos umhas exageradas porque a realidade é que estamos a ficar mui cortas.