Periódico galego de informaçom crítica

Por um movimento cultural científico

por
Stuart Bradford

Nos úl­ti­mos anos está-se a in­ten­si­fi­car o de­bate ar­re­dor das au­to­de­no­mi­na­das “te­ra­pias al­ter­na­ti­vas”, ao se ma­ni­fes­ta­rem com cres­cente frequên­cia as mais pe­ri­go­sas con­sequên­cias deste tipo de prá­ti­cas nom as­sen­tes no mé­todo ci­en­tí­fico. Dadas as suas im­pli­ca­çons po­lí­ti­cas, eco­nó­mi­cas e fi­lo­só­fi­cas e, so­bre­todo, ao im­pacto na saúde pú­blica, trata-se dum de­bate que está for­te­mente po­la­ri­zado e no qual se­me­lha im­pos­sí­vel po­si­ci­o­nar-se fora da falsa di­co­to­mia: in­dús­tria far­ma­cêu­tica / pseudociência. 

De acordo com isto, es­ta­mos a ver como pro­du­tos e prá­ti­cas pseu­do­ci­en­tí­fi­cas som re­tra­ta­das como umha al­ter­na­tiva vá­lida às vi­le­zas do sec­tor far­ma­cêu­tico e, para umha parte da es­querda, ao per­verso modo de pro­du­çom ca­pi­ta­lista, quando de facto é ób­vio que nom o som; pior do que isso, es­tám a ge­rar quan­ti­o­sos lu­cros a quem os oferta. Cabe en­tom per­gun­tar-se por­que te­nhem tanto su­cesso e, so­bre­todo, por­que umha parte tam sig­ni­fi­ca­tiva da es­querda lhes dá amparo. 

Práticas pseu­do­ci­en­tí­fi­cas som re­tra­ta­das, para umha parte da es­querda, como al­ter­na­tiva vá­lida ao modo de pro­du­çom capitalista

Longe de ter umha res­posta clara e con­cisa in­tuo que as cau­sas som múl­ti­plas e o su­fi­ci­en­te­mente com­ple­xas como para nom po­de­rem ser abor­da­das aqui com o ri­gor pre­ciso. Poderíamos co­me­çar por pen­sar que num con­texto em que a sa­ni­dade pú­blica se des­com­pom e de­su­ma­niza, ao tempo que as con­di­çons de vida se pre­ca­ri­zam, cria-se um caldo de cul­tura idó­neo para todo tipo de fal­sas so­lu­çons que nos ven­dam umha me­lhora às mar­gens do já ex­pe­ri­men­tado. Isto, so­mado a umha es­cassa ou nula al­fa­be­ti­za­çom ci­en­tí­fica do povo e a umha edu­ca­çom ba­se­ada na re­pro­du­çom, e nom em do­tar-nos de mé­to­dos para in­ter­pre­tar cri­ti­ca­mente a re­a­li­dade, ex­plica o auge de pe­ri­go­sos e, ao meu ver, in­so­li­dá­rios fe­nó­me­nos como o cha­mado “mo­vi­mento anti-va­ci­nas”. De forma pa­ra­lela, e para mim nom me­nos im­por­tante, as­sis­ti­mos ao de­sarme ide­o­ló­gico de boa parte da es­querda, en­sa­ri­lhada nas te­o­rias da pós-mo­der­ni­dade e re­pro­du­zindo um dis­curso no qual o ir­ra­ci­o­na­lismo pseu­do­ci­en­tí­fico en­con­tra um fá­cil encaixe.

Por todo isto, longe de acei­tar­mos a di­co­to­mia in­dús­tria farmacêutica/pseudociências que se pre­tende im­por dum e dou­tro bando, quem mi­li­ta­mos na es­querda e nos mo­vi­men­tos so­ci­ais, no­me­a­da­mente desde o campo cul­tu­ral, te­mos muito que di­zer e fa­zer para im­pe­dir que eli­tes far­ma­cêu­ti­cas e ven­de­do­res de ma­gia se­jam os que te­nham a voz prin­ci­pal do de­bate, es­pe­ci­al­mente quando am­bos es­tám a agir como ini­mi­gos do povo. 

Assistimos ao de­sarme ide­o­ló­gico de boa parte da esquerda

O pri­meiro de­sa­fio que te­mos é con­ce­ber a cul­tura à mar­gem dos cor­se­le­tes im­pos­tos pola ide­o­lo­gia do­mi­nante, in­te­res­sada em com­par­ti­men­tar e frag­men­tar o es­tudo da re­a­li­dade em múl­ti­plas dis­ci­pli­nas que im­pe­dem en­ten­der a to­ta­li­dade. Nom há ra­zons po­las quais nom in­cor­po­rar a cha­mada “di­vul­ga­çom ci­en­tí­fica” no tra­ba­lho cul­tu­ral dos mo­vi­men­tos po­pu­la­res, quer de forma trans­ver­sal, quer de forma ex­plí­cita. Do mesmo jeito em que fa­ze­mos tra­ba­lho pola me­mó­ria his­tó­rica, pola pro­mo­çom da lín­gua, pola di­vul­ga­çom do nosso ca­pi­tal ar­tís­tico ou pola de­fesa do meio na­tu­ral, po­de­mos e de­ve­mos fa­zer tra­ba­lho para apren­der o mé­todo ci­en­tí­fico, para do­tar o povo de fer­ra­men­tas que aju­dem a in­ter­pre­tar a re­a­li­dade e mi­ni­mi­zar a vul­ne­ra­bi­li­dade ante a es­tafa re­ves­tida de re­tó­rica científica. 

Sem ar­ro­gân­cia nem pon­ti­fi­ca­çons, sem acu­sa­çons nem re­pro­ches bur­les­cos a quem acre­di­tar nas pseu­do­ci­ên­cias, há todo um campo de tra­ba­lho aberto ainda sem ex­plo­rar para, desde pos­tu­ras ni­ti­da­mente an­ti­ca­pi­ta­lis­tas, re­cu­pe­rar e di­vul­gar a ci­ên­cia por e para o povo.

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