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Nom somos inocentes

por
lu­cia cernadas

Em 2020 viu a luz na co­le­çom Fina Rei da edi­tora Aira o úl­timo po­e­má­rio de Charo Lopes, Álbum. A obra da jor­na­lista, fo­tó­grafa e po­eta de Boiro ven­ceu o XXXV Prémio de Poesia Cidade de Ourense, ao qual as au­to­ras po­dem con­cor­rer “em ga­lego ou em por­tu­guês”. A an­te­rior pu­bli­ca­çom de Lopes, De como acon­tece o fim do mundo (Espiral Maior, 2016), foi tam­bém fruto dum pré­mio li­te­rá­rio, sendo o pri­meiro texto pu­bli­cado em ga­lego rein­te­grado como re­sul­tado do cer­tame Fiz Vergara Vilariño e, aliás, o res­pon­sá­vel por in­tro­du­zir nas ba­ses das se­guin­tes edi­çons do con­curso a li­ber­dade de es­co­lha normativa.

Em Álbum, a voz poé­tica ela­bo­rada por Lopes é cer­ta­mente me­nos be­li­ge­rante que a mos­trada em De como acon­tece o fim do mundo. Contudo, em am­bas as obras é re­co­nhe­cí­vel a mesma mao que, num es­tilo que foge da es­cu­ri­dade ex­pres­siva, ela­bora o fas­cí­nio polo quo­ti­di­ano e traz à su­per­fí­cie aquilo que fica nas mar­gens. A pro­posta de Álbum con­siste tam­bém em boa me­dida em in­da­gar na dú­vida e no con­flito, em­bora essa ex­plo­ra­çom seja feita atra­vés do pessoal.

Tanto em ‘Álbum’ como em ‘De como acon­tece o fim do mundo’, Charo Lopes, num es­tilo que foge da es­cu­ri­dade ex­pres­siva, ela­bora o fas­cí­nio polo quo­ti­di­ano e traz à su­per­fí­cie aquilo que fica nas margens

Estruturalmente, os vinte e sete tex­tos de Álbum som or­ga­ni­za­dos em duas ca­te­go­rias: de­zoito “po­e­mas” e nove “fo­tos”; en­tre eles, som in­ter­ca­la­das ima­gens se­le­ci­o­na­das ou re­a­li­za­das pola pró­pria au­tora. Grosso modo, os po­e­mas enun­ciam-se a par­tir do pre­sente, en­quanto as fo­tos co­lo­cam a lei­tora de fronte a si­tu­a­çons pas­sa­das. Entre os te­mas tra­ta­dos apa­re­cem a in­cer­teza –umha in­cer­teza até certo ponto ge­ra­ci­o­nal e de classe–, a uti­li­dade da raiva, a cons­ci­ên­cia do pró­prio gé­nero e do pró­prio corpo, ou a cons­tru­çom das lem­bran­ças a par­tir de re­tra­tos in­com­ple­tos. Infelizmente, o de­se­nho grá­fico do li­vro nom pa­rece fa­zer jus­tiça à es­tru­tura e aos te­mas des­pre­ga­dos pola autora.

Seja como for, a cons­tante do po­e­má­rio den­tro da sua di­ver­si­dade é o jogo com a fron­teira en­tre o texto e a ima­gem, mas tam­bém com a re­fle­xom so­bre a po­ten­ci­a­li­dade de am­bas as lin­gua­gens –que nom em­balde som as fer­ra­men­tas de tra­ba­lho da au­tora–. Do mesmo jeito que a lín­gua é um ins­tru­mento co­mum, mas a lín­gua li­te­rá­ria é umha ela­bo­ra­çom es­pe­cí­fica, a fo­to­gra­fia é um re­curso cada vez mais aces­sí­vel e quo­ti­di­ano, de modo que a sua de­fi­ni­çom como téc­nica –nos sen­ti­dos de arte e de ofí­cio– pre­cisa das suas pró­prias ba­li­zas. A este res­peito, a di­re­çom cri­a­tiva tanto da pa­la­vra como da fo­to­gra­fia ma­ni­festa-se na sua ca­pa­ci­dade ética de abrir umha fenda na­quilo que é con­si­de­rado nor­mal. A cons­ci­ên­cia desta ca­pa­ci­dade per­corre to­das as pá­gi­nas de Álbum e cons­ti­tui umha das suas prin­ci­pais for­ta­le­ças. Numha en­tre­vista no blo­gue www.palabradegatsby.com, Charo Lopes afirma que a sua in­ten­çom com a po­e­sia é am­pliar o es­paço do sen­sí­vel, pondo o foco nas ma­ra­vi­lhas diá­rias. Em Álbum este foco con­se­gue que a voz poé­tica se in­ter­pele a si pró­pria, de jeito que tam­bém as lei­to­ras so­mos in­ter­pe­la­das. É as­sim que é aberta a fenda e, ante ela, so­mos quem de res­pon­der à per­gunta de Chantal Maillard que inau­gura o po­e­má­rio: nom, tam­pouco nós so­mos ino­cen­tes. Porém, é a par­tir dessa cer­teza que con­se­gui­mos agir.

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