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O Maná dos Fundos Europeus e a mudança tecnológica na Galiza

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A pa­ra­li­sia de uma grande parte dos flu­xos co­mer­ci­ais, o au­mento da de­si­gual­dade e a pro­gres­siva ero­são da classe mé­dia são ape­nas al­gu­mas das con­sequên­cias as­si­mé­tri­cas que a atual pan­de­mia está a cau­sar. A gente per­gunta-se: qual é a so­lu­ção para este cho­que? Serão os Fundos Europeus e a ino­va­ção a res­posta para es­tes pro­ble­mas? Maná, chuva de mi­lhões, ou es­pe­rança para a eco­no­mia são ape­nas al­guns dos ad­je­ti­vos uti­li­za­dos para des­cre­ver os fun­dos que a União Europeia (UE) de­ci­diu apro­var com o ob­je­tivo de mi­ni­mi­zar o im­pacto da queda na pro­du­ção e o au­mento do fosso so­cial. As ex­pec­ta­ti­vas co­lo­ca­das sob es­tes re­cur­sos são al­tas e mui­tas eco­no­mias fa­mi­li­a­res e de pe­que­nas e mé­dias em­pre­sas (PME) ga­le­gas es­tão an­si­o­sa­mente à es­pera da sua che­gada. Mas, se­rão es­tas ex­pec­ta­ti­vas realistas?

Para além dos 1,105 mil mi­lhões de eu­ros mo­bi­li­za­dos para o pe­ríodo de pro­gra­ma­ção plu­ri­a­nual 2021–2027, a UE lan­çou um novo ins­tru­mento es­pe­cí­fico para com­ba­ter a ca­tás­trofe cau­sada pela pan­de­mia: os Fundos NextGenerationEU. Trata-se de um ins­tru­mento tem­po­rá­rio con­ce­bido para im­pul­si­o­nar a re­cu­pe­ra­ção eco­nó­mica, do­tado de 750.000 mi­lhões de eu­ros para os vinte e sete Estados-Membros e será o maior pa­cote de es­tí­mulo al­guma vez fi­nan­ci­ado atra­vés do or­ça­mento co­mu­ni­tá­rio. A maior parte des­tes re­cur­sos será ca­na­li­zada atra­vés de um me­ca­nismo des­ti­nado a pro­mo­ver “re­cu­pe­ra­ção e re­si­li­ên­cia” cujo ob­je­tivo é, para além de mi­ti­gar o im­pacto eco­nó­mico e so­cial cau­sado pelo surto do co­ro­na­ví­rus, tor­nar as eco­no­mias e so­ci­e­da­des eu­ro­peias mais sus­ten­tá­veis e re­si­li­en­tes e me­lhor pre­pa­ra­das para a tran­si­ção eco­ló­gica e di­gi­tal. Apesar da sua sin­gu­la­ri­dade, as cha­ves para a uti­li­za­ção deste ins­tru­mento não es­tão longe de que de­vem ser con­si­de­ra­das nos pro­gra­mas eu­ro­peus an­te­ri­o­res, e são fun­da­men­tal­mente duas: em pri­meiro termo, que se­jam in­ves­ti­men­tos pro­du­ti­vos; e em se­gundo, que re­du­zam as de­si­gual­da­des. Em re­la­ção com es­tes dois ob­je­ti­vos, a uti­li­za­ção de fun­dos para a ino­va­ção é es­pe­ci­al­mente relevante. 

Os fun­dos NextGenerationEU es­tám do­ta­dos de 750.000 mi­lhões de eu­ros para os vinte e sete Estados-Membros e será o maior pa­cote de es­tí­mulo al­guma vez fi­nan­ci­ado atra­vés do or­ça­mento comunitário

Ao mesmo tempo, numa at­mos­fera de pes­si­mismo eco­nó­mico ge­ne­ra­li­zado, a im­por­tân­cia dos re­cur­sos eu­ro­peus como es­tí­mulo para ten­tar me­lho­rar a si­tu­a­ção só­cio-eco­nó­mica tem sido re­pe­tida com in­sis­tên­cia nos meios de co­mu­ni­ca­ção so­cial. Os anún­cios so­bre a uti­li­za­ção des­tes re­cur­sos na Galiza re­pe­tem in­sis­ten­te­mente as men­sa­gens cui­da­do­sa­mente con­ce­bi­das nos ga­bi­ne­tes de co­mu­ni­ca­ção: mais de 9.000 mi­lhões de eu­ros, pro­mo­ver a I+D+i, 108 pro­je­tos chave!  E não po­de­mos dei­xar de per­ce­ber que es­ta­mos pres­tes a re­pe­tir, mais uma vez, mui­tos dos er­ros do pas­sado em re­la­ção à uti­li­za­ção de re­cur­sos eu­ro­peus para a ino­va­ção e tec­no­lo­gia. Mas, por que?

pi­e­tro naj-oleari

As li­nhas de ação dos fa­mo­sos 108 pro­je­tos anun­ci­a­dos gi­ram em torno de qua­tro ei­xos (Xunta de Galiza, 2020): o pri­meiro eixo é a tran­si­ção di­gi­tal, para a qual está pre­vista a atri­bui­ção de 4.700 mi­lhões de eu­ros para a mo­der­ni­za­ção do te­cido pro­du­tivo; o se­gundo, que con­ta­ria com 2.700 mi­lhões de eu­ros e te­ria como ob­je­tivo pro­mo­ver a mo­bi­li­dade sus­ten­tá­vel e a tran­si­ção eco­ló­gica atra­vés de pro­je­tos cen­tra­dos na pro­mo­ção da mo­bi­li­dade in­te­li­gente, da ener­gia limpa e da eco­no­mia cir­cu­lar, azul e bi­o­e­co­no­mia; o ter­ceiro dos ei­xos, para o qual se­riam atri­buí­dos mais de 1.300 mi­lhões de eu­ros, pro­cu­ra­ria re­for­çar o sis­tema de saúde e edu­ca­ção, as­sim como a aces­si­bi­li­dade à ha­bi­ta­ção e à cul­tura; e, em quarto lu­gar, 614 mi­lhões de eu­ros te­riam como ob­je­tivo al­can­çar uma ad­mi­nis­tra­ção mais di­nâ­mica e di­gi­tal. A falta de de­fi­ni­ção per­mite, por certo, qua­li­fi­car es­tas pro­pos­tas como ge­ne­ra­lis­tas. Mais es­pe­ci­fi­ca­mente, três gran­des in­ves­ti­men­tos num to­tal de 445 mi­lhões de eu­ros fo­ram anun­ci­a­dos nos úl­ti­mos dias para pro­mo­ver em­pre­sas per­ten­cen­tes a se­to­res bi­o­tec­no­ló­gi­cos es­tra­té­gi­cos: 111 mi­lhões de eu­ros para a Zendal com a fi­na­li­dade de au­men­tar a ca­pa­ci­dade de pro­du­ção de va­ci­nas; 78,5 mi­lhões de eu­ros para a Fundação Kaertor para a com­pra de me­di­ca­men­tos e equi­pa­mento; e 256,2 mi­lhões de eu­ros para per­mi­tir Estrella Galicia criar pro­du­tos para uma rá­pida co­mer­ci­a­li­za­ção. Além disso, exis­tem pla­nos para pro­mo­ver um hub di­gi­tal, termo muito na moda na atu­a­li­dade. Entretanto, o te­cido pro­du­tivo ga­lego exi­gi­ria a ca­pi­la­ri­dade dos in­ves­ti­men­tos para po­der co­brir, sem­pre que pu­der, as ne­ces­si­da­des das PME que o com­põem. Por ou­tro lado, a cri­a­ção de uma grande pla­ta­forma pú­blico-pri­vada para ge­rir os re­cur­sos es­tra­té­gi­cos da UE (uma ta­refa pró­pria das ad­mi­nis­tra­ções pú­bli­cas) se­ria uma so­lu­ção sub-óp­tima que fa­vo­re­ce­ria uma es­co­lha ar­bi­trá­ria das ações a fi­nan­ciar, bem como per­mi­ti­ria a cen­tri­fu­ga­ção das res­pon­sa­bi­li­da­des políticas.

A cri­a­ção de uma grande pla­ta­forma pú­blico-pri­vada para ge­rir os re­cur­sos es­tra­té­gi­cos da UE (uma ta­refa pró­pria das ad­mi­nis­tra­ções pú­bli­cas) se­ria uma so­lu­ção sub-óp­tima que fa­vo­re­ce­ria uma es­co­lha ar­bi­trá­ria das ações a financiar

Neste con­texto, e como ex­pli­quei no meu úl­timo en­saio “O es­tran­gu­la­mento tec­no­ló­xico de Galiza” (Sande, 2020), a falta de ali­nha­mento da po­lí­tica in­dus­trial e tec­no­ló­gica, ma­ni­fes­tada no es­casso apoio ao au­mento da di­men­são das PME e à es­pe­ci­a­li­za­ção des­tas em se­to­res de alta tec­no­lo­gia, pro­du­zirá que a apli­ca­ção dos Fundos Europeus para ino­var es­teja longe de atin­gir as ex­pec­ta­ti­vas cri­a­das. De facto, a au­sên­cia de uma es­tra­té­gia clara para o país e a falta de es­tru­tu­ra­ção do Sistema Galego de Inovação sur­gi­rão como pro­ble­mas de ab­sor­ção das aju­das, o que pos­si­vel­mente aca­bará num des­per­dí­cio par­cial dos re­cur­sos que, por sua vez, en­gor­da­rão no­va­mente os ba­lan­ços das gran­des em­pre­sas, mui­tas de­las não ga­le­gas, como já acon­te­ceu no pas­sado (Sande & Vence, 2019; Sande & Vence, 2021), em vez de atraí­rem os seus cen­tros de ino­va­ção (Rabellotti, 2017). Assim, no ce­ná­rio mais pro­vá­vel o im­pacto real do pro­grama NextGenerationEU na ino­va­ção e na eco­no­mia ga­lega será muito mais li­mi­tado do que se po­de­ria es­pe­rar com a quan­ti­dade de re­cur­sos mo­bi­li­za­dos. Será mais uma opor­tu­ni­dade per­dida para a mu­dança tec­no­ló­gica galega? 

Bibliografia

Rabellotti, R., 2017. Multinational and re­gi­o­nal de­ve­lop­ment: evi­dence from Europe. 12th Conference: Regional Innovation Policies, October 26–27, Santiago de Compostela: USC

Sande, D. (2020). O es­tran­gu­la­mento tec­no­ló­xico de Galiza. Análise das Políticas Europeas para Innovación Rexional du­rante a Gran Recesión. Santiago de Compostela: Laiovento 

Sande, D. & Vence, X. (2019). Avaliación da exe­cu­ción do Programa Fondo Tecnolóxico 2007–2013 en Galicia: re­sul­ta­dos, con­cen­tra­ción das axu­das e fu­gas de re­cur­sos. Revista Galega de Economía, vol. 29(3), 92–114. DOI.

Sande, D., & Vence, X. (2021). Impacto dos Fondos Estruturais para Innovación so­bre a in­no­va­ción em­pre­sa­rial: unha aná­lise a tra­vés dos in­di­ca­do­res de em­pre­sas par­ti­ci­pan­tes no Programa FEDER-Innterconecta de Galicia. Revista Galega de Economía, vol. 30(2), 1–16. DOI.

Xunta de Galiza (2020). Feijóo avanza 108 pro­xec­tos cos que Galicia po­de­ría op­tar aos fon­dos eu­ro­peos de re­cons­tru­ción e mo­bi­li­zar un to­tal de 9.400 M€ [en liña]. Nota de Prensa [ref. de 22 de ou­tu­bro de 2020]. Dispoñible aqui.

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