
Redes de apoio mútuo, campanhas solidárias com as pessoas racializadas ou a mobilizaçom sindical no 1 de maio som algumhas das açons que o estado de emergência, ativo até 2 de maio, nom conseguiu paralisar. Iniciativas promovidas além-Minho exponhem a necessidade da criatividade e da luita para que a crise nom atinja com especial força as pessoas mais vulneráveis.
As manifestaçons do 1 de maio transformárom-se em concentraçons com distanciamento entre as participantes. Ainda assim, esta jornada marcou umha volta às ruas. Tal é o parecer de João Barreiros, responsável polas relaçons internacionais da central sindical CGTP-IN, quem aponta que após o 1 de maio se intensificárom as mobilizaçons da classe trabalhadora. Deste jeito, a CGTP tem convocada entre os dias 22 e 26 de junho umha semana de luita, denunciando que as medidas do governo significárom o corte de um terço do salário de 1.300.000 trabalhadoras e levárom para o desemprego mais de 100.000 pessoas.
No laboral, umha das medidas principais do estado português fôrom os lay-offs. Através deste mecanismo injeta-se às empresas afetadas pola crise dinheiro público que deve ser destinado para o pagamento das remuneraçons das suas trabalhadoras e trabalhadores nos períodos de reduçom ou suspensom de emprego. Nesses períodos a pessoa trabalhadora recebe umha compensaçom correspondente aos dous terços do seu salário — sem ser nunca inferior aos 635 euros -. 70% dessa compensaçom é paga polo estado e o resto pola entidade empregadora. Esta medida foi criticada pola CGTP-IN, que reivindica que nengumha pessoa trabalhadora veja reduzido o seu salário. Barreiros acrescenta que os lay-offs nom garantem a continuidade do emprego para além de finais deste ano e que mais de 50% do dinheiro foi destinado para as grandes empresas.
Os ‘lay-offs’ implicárom o corte de um terço de salário de mais de um milhom de trabalhadoras
Ademais do salário, a saúde estivo presente desde logo nas reivindicaçons sindicais. “Com a primeira fase de abertura da economia”, expom Barreiros, “o que se começou a notar foi a falta de proteçom e segurança dos trabalhadores no quadro dos transportes públicos, na sua movimentaçom entre o trabalho e a sua casa”. Barreiros acrescenta que “aqueles trabalhadores que nom podem ficar na casa a fazer teletrabalho som os mais expostos”.
A problemática da habitaçom
O estado de emergência tampouco paralisou as organizaçons sociais em defesa da habitaçom. Estes coletivos venhem denunciando a existência de umha crise habitacional que tem como principal exemplo a cidade de Lisboa, onde se mistura com um intenso processo de turistificaçom. “21% da populaçom vive em risco de pobreza ou exclusom e um em cada cinco portugueses recebe o salário mínimo nacional — 635 euros -”, exponhem na Habita!, coletivo que leva anos, a par de entidades como a Stop Despejos, a luitar com as pessoas afetadas pola violência da especulaçom imobiliária. Esta crise habitacional também se vê atravessada por outros eixos de opressom. “Nos bairros periféricos a igualdade de acesso à habitaçom, saúde e educaçom está longe de ser umha verdade, e som as mulheres as que luitam mais polas suas casas e polas suas vidas e dos seus filhos, som elas as mais precarizadas, as vítimas da violência machista, e que som constantemente ameaçadas pelas instituiçons”, denunciam de Habita!.
Com a chegada da Covid19 tornou-se mais difícil ainda o pagamento das rendas e aumentou o risco de despejos. “A pandemia veio acentuar as desigualdades socioeconómicas nos bairros auto-construídos e sociais, em que muitos dos habitantes som pessoas racializadas com trabalhos mais precários e que som despedidas primeiro; ou que continuárom sempre a trabalhar e, por isso, mais expostas à Covid-19. A distância social é aqui sinónimo de racismo estrutural, assente numha economia neoliberal que usa a habitaçom como mercadoria”, denunciam na Habita!, acrescentando que “nesta pandemia assistimos à evacuaçom de várias pensons e hostels sobrelotados onde viviam pessoas migrantes e refugiadas que foram afetadas pela Covid-19”.
A declaraçom do estado de emergência encontrou coletivos como Habita! ou Stop Despejos trabalhando na defesa das famílias despejadas da habitaçom social no bairro Alfredo Bensaúde, de Lisboa. Algumhas destas famílias ficárom acampadas nos parques de estacionamento do bairro e foi através da pressom exercida que pudérom ser realojadas em apartamentos turísticos.
A 6 de junho a mobilizaçom ‘Resgatar o futuro, nom o lucro’ converteu-se numha mobilizaçom antiracista sem precedentes na história do Portugal
Ante a urgência social que estava a levantar a quarentena vários coletivos de Lisboa lançárom a campanha ‘Como se faz quarentena sem casa?’ com reivindicaçons como o fim imediato dos despejos; o realojamento de todas as pessoas e famílias despejadas ou a viver na rua, ou a requisiçom de casas vazias. “De todas as exigências a única que conseguimos foi a suspensom dos despejos — até 30 de setembro — e o realojamento de algumas famílias mas para muita gente o futuro é incerto”, resumem da Habita!
Em abril foi aprovada umha legislaçom para a moratória das rendas — que termina neste mês -, mas a Habita! considerou-na insuficiente, pois deixa fora pessoas que nom podem demonstrar umha queda dos seus rendimentos, para além de que deixa endividadas as beneficiárias do empréstimo estatal. “Entretanto temos tido pedidos de ajuda por parte de algumhas pessoas que estám a ser obrigadas a sair do quarto que alugam por falta de pagamento, apesar da suspensom de despejos. Com a solidariedade de muitos conseguimos parar algumhas destas tentativas de despejo mas preocupa-nos esta situaçom porque sabemos que acontece a muitas outras pessoas”, salientam da Habita!.
Especialmente relevante na cidade de Lisboa foi o despejo acontecido a 8 de junho da Seara, um prédio ocupado — ameaçado pola especulaçom imobiliária — durante o estado de emergência para servir de centro de apoio a pessoas sem-abrigo ou em dificuldades económicas. O despejo foi realizado por umha empresa de segurança privada e com proteçom da Polícia de Segurança Pública (PSP).
Crescem as iniciativas de apoio mútuo
Da mao de movimentos e organizaçons sociais de base fôrom agromando no estado de emergência iniciativas solidárias e de apoio mútuo entre as classes populares, com o objetivo de que as pessoas mais vulneráveis nom ficassem sem recursos. Muitas destas iniciativas tinham como eixo central o abastecimento de alimentos e a elaboraçom de refeiçons.
Um destes exemplos é a Rede de Apoio Mútuo do Porto, onde convergírom o centro social A Gralha e os coletivos Rosa Imunda, o Núcleo Anti-Racista do Porto e o Grupo de Apoio à Habitaçom. Esta Rede chegou a constituir três pontos semanais de recolha e distribuiçom de alimentos. Também se conformárom dous pontos semanais de take away livre em que se repartírom sopa e fruta. Após o fim do estado de emergência a rede decidiu suspender a sua atividade. Num comunicado salientam que fôrom atendidas cerca de 300 pessoas semanais e valorizam as alianças e aprendizagens deste período.
Na cidade de Lisboa aparecérom também experiências como o da Cozinha Solidária Autogerida da Penha da França, dinamizada por integrantes do centro social Disgraça. Esta cozinha começou em abril preparando refeiçons take away quatro dias por semana. Outra iniciativa semelhante em Lisboa foi a Cantina Solidária da Recreativa dos Anjos, em Arroios, que preparou refeiçons gratuitas todos os dias da semana. Na margem sul do Tejo, em Barreiros, a Cooperativa Mula organizou umha cantina solidária que estivo ativa até finais do mês de maio, continuando desde entom com a recolha e entrega de cabazes solidários.

A web do jornal Mapa, através do hashtag #pandemiasolidaria, recolheu estas experiências, expondo o seu funcionamento horizontal, consistente na consecuçom donativos e de parcerias para a adquisiçom de alimentos. Todos estes projetos tenhem umha especial preocupaçom polo cumprimento das normas de higiene para proteger as pessoas que prestam apoio e as que o recebem.
Emerge a luita anti-racista
A 6 de junho diversos coletivos sociais convocárom em Lisboa a mobilizaçom ‘Resgatar o futuro, nom o lucro’ reivindicando umha abordagem social da crise. A vaga mobilizatória global em resposta à última vítima mortal afro-americana da violência policial nos EUA converteu este evento numha mobilizaçom anti-racista sem precedentes em Portugal. Além de Lisboa, onde milhares de pessoas saírom à rua, houvo mobilizaçons em Braga, Faro, Beja, Porto e Coimbra.
A luita anti-racista estivo ativa na pandemia. Antes da declaraçom do estado de emergência ainda eram recentes as agressons policiais a umha mulher na Amadora em janeiro ou as vagas de despejos sofridas por pessoas racializadas. Ademais, em março fôrom detidos três inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (Sef) polo homicídio de um cidadao ucraniano no Centro de Instalaçom Temporária do Aeroporto de Lisboa a dia 10 de março.
A 28 de março o estado português aprovou umha regularizaçom de migrantes com pedidos de autorizaçom de residência pendentes no Sef, passando assim a estar em situaçom regular. Segundo esta legislaçom o documento de pedido serve como comprovativo e funciona como umha autorizaçom de residência temporária.
A solidariedade e apoio mútuo exprimírom-se através da constituiçom de campanhas solidárias urgentes, como a desenvolvida em Coimbra polo Núcleo Anti-Racista de Coimbra, o Projeto Nzinga ou a Associação Social Recreativa Cultural Cigana. Segundo o balanço publicado nas redes sociais a campanha, finalizada a 6 de maio, angariou 1500 euros e apoiou 40 famílias.
“Sabemos que se avizinham tempos difíceis mas temos esperança que a resistência e a luta se fará mais forte com a uniom e interseçom dos diferentes movimentos sociais”, afirmam do coletivo Habita!, que vê na grande mobilizaçom de 6 de junho umha fenda para a esperança. “Apesar das diferentes expressons, coletivos e movimentos sociais, o grande inimigo é o sistema capitalista-racista-hetero-patriarcal que oprime, discrimina e explora as minorias, defendendo o lucro acima dos cuidados da vida e do planeta”, acrescentam.
Insegurança nas cadeias

Quando em março o surto da Covid19 atingia dimensons imprevistas, para o estado a proteçom da populaçom presa passava pola proibiçom das visitas. Já desde 6 de março a Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso (Apar) começou a enviar cartas a integrantes do executivo solicitando a libertaçom provisória de reclusos com penas de menos de dous anos ou daqueles a quem restassem menos de dous anos para o fim da condenaçom. A Apar denunciava que a falta de equipas de segurança e a sobrelotaçom dos cárceres punham em risco a populaçom presa, que ademais tinham que enfrentar medidas como a proibiçom das visitas, o encerramento dalgumhas cantinas ou recusas à introduçom de sacos de roupa e alimentos.
Foi em 8 de abril que a Assembleia da República aprovou umha legislaçom especial de flexibilizaçom das penas, promulgando o perdom das penas de pessoas com condenaçons de até dous anos ou com tempo remanescente de condenas de até dous anos. Regulavam-se na mesma lei os indultos e saídas administrativas de 45 dias a cumprir no domicílio.
Se bem que a Apar tenha considerado positivas estas medidas, numha avaliaçom publicada nas redes sociais a 27 de abril contabilizava 1.179 reclusos com saídas antecipadas, 647 saídas de 45 dias e 14 indultos do Presidente da República. “Os números ficárom muito aquém do pretendido e do que seria necessário para umha efetiva prevençom ao contágio pola Covid19”, refletiam da Apar.