
No passado 10 de dezembro, a Assembleia da Córsega celebrou eleiçons territoriais, onde a coligaçom soberanista ‘Pè a Corsica’ ganhou com ampla vantagem. O presidente francês, Emmanuel Macron, aterrava na ilha no início de fevereiro para comprovar em primeira linha as reivindicaçons da populaçom mobilizada.
Os últimos acontecimentos em povos como a Catalunha ou a Córsega mostram as ânsias das minorias nacionais em reclamarem o direito a escolher livremente os seus destinos. A situaçom na Catalunha está a ser utilizada polo governo espanhol –em cumplicidade com os poderes fáticos— para impor um debate puramente identitário no centro da agenda política. Contudo, coletivos e entidades cada vez mais organizadas estám a liderar os protestos a pé de rúa contra as medidas repressivas do Estado e a impunidade do poder político e judicial.
Tal e como ocorre no Reino de Espanha, o jacobinismo imperante no Estado francês também nom favorece a realidades vivas, que demandam com ímpeto, a vontade de se tornarem livres.
Corsica, história de um olhar pleno
A Córsega é umha ilha do Mediterrâneo, que pola sua situaçom estratégica foi morada de diversos povos e tribos ao longo dos séculos. Para melhor compreendermos a singularidade corsa serve umha anedota acontecida em 1755, quando Giovanni Pietro Gaffori propôs mudar a bandeira Testa Mora descobrindo os olhos do Mouro, antes ocultos sob umha venda. Foi nesse mesmo ano quando o U Babbu di a Patria, Pasquale Paoli, oficializou o estandarte, para simbolizar o nascimento da Repubblica di Corsica, após forte resistência contra os genoveses. Trás vários anos de combates fôrom derrotados polo exército francês –chefiado polo Conde di Vaux— sofrendo a anexom no Tratado de Versalhes, em 1768.
A lista soberanista de ‘Pè a Córsica’ –coligaçom composta polos autonomistas de ‘Femu a Corsica’ e os independentistas de ‘Corsica libera’— venceu com claridade nas eleiçons regionais
FLNC e coletividade territorial
Na década de 70 do passado século, a irrupçom na cena política da Fronte di Liberazione Naziunale Corsu (FLNC) marca a cisom entre regionalismo e nacionalismo. Evocando o espírito emancipador de Pasquale Paoli, o FNLC foi um movimento armado cujo ideário político girava em torno do direito à autodeterminaçom da Córsega, destruçom dos instrumentos do colonialismo francês e a reforma agrária.
As campanhas para outorgar-lhe voz própria ao povo corso, provocado pola falta de sensibilidade do Estado francês com as minorias nacionais, trouxérom instabilidade ao panorama político durante décadas. Em 1990, a pressom que a FLNC e o soberanismo estava a exercer sobre o poder central impeliu umha negociaçom do pessoal do Elíseo com o governo corso. Assim, as autoridades francesas decidírom aceitar a categoria de coletividade territorial, um novo estatuto que contava com competências limitadas.
O aceno foi, porém, considerado insuficiente polo soberanismo por nom satisfazer as demandas exigidas. Já no princípio do século XXI, o Estado francês celebra um referendo para tratar de incorporar novas competências na Cullittività Tarrituriale di Corsica. Tal e como acontecera na década de 90, o povo corso decidiu nom aceitar a proposta do executivo central. A recusaçom das medidas projetadas precipitou a rutura das relaçons entre os dous governos durante vários anos.
Outra data destacável na história recente da Córsega é junho de 2014. O movimento de libertaçom nacional FNLC publica um manifesto para anunciar um “cessar-fogo iminente” e começar “sem mais preâmbulos um processo de desmilitarizaçom” que ajude na “construçom dumha força política para conseguir a independência”.
As principais reivindicaçons son a cooficialidade da língua corsa, a amnistia para as presas políticas e o estabelecimento dum estatuto de residente
Resultados eleitorais
A lista soberanista de Pè a Córsica –coligaçom composta polos autonomistas de Femu a Corsica e os independentistas de Corsica libera— venceu com claridade nas eleiçons regionais reunindo 56,45% dos votos e obtendo 41 assentos sobre um total de 63.
Em segundo lugar, a direita regionalista de A Strada di Avvene, alcançou 18,29% dos votos e 10 mandatos. As candidaturas do partido do presidente Macron, La Republique En Marche e a de Valérie Bozzi, apoiada por Les Republicaines, tivérom seis representantes cada umha. Outras opçons como o ultradireitista Front Nacional –com quatro assentos na anterior legislatura– ou a esquerda republicana nom conseguírom representaçom. Também é para ter em conta a baixa participaçom –47,90%–na jornada.
Entre as principais reaçons, o cabeça de lista da coligaçom Pè a Corsica, Gilles Simeoni assegurava que “nunca se deram umhas condiçons tam favoráveis para a questom Corsa”. O primeiro ministro da França, Edouard Philippe, após o reconhecimento da vitória do independentismo, telefonou a Simeoni para “dar os parabéns republicanos, indicando a sua disponibilidade para recebê-lo no Elíseo”. Em resposta à chamada de Philippe, Simeoni, manifestava que “além das formalidades pós-eleitorais, esperamos poder começar um diálogo real com o Estado”.
O líder dos independentistas de Corsica libera, Jean-Guy Talamoni, afirmava com mais contundência que “se París nom muda de atitude, faremos ver que a França, além das suas contínuas liçons sobre os direitos humanos, está a tratar com desprezo a democracia, o mandato popular e o sufrágio universal”.
Coletividade territorial única e demandas atuais
A coletividade é o modo de organizaçom territorial que o Estado francês desenvolve nas metrópoles e territórios de ultramar que, ainda dispondo dumha escassa transferência de competências por parte do Estado, concede algumha margem à descentralizaçom. Como exemplo, o estatuto do território de ultramar da Nova Caledónia –com referendo sobre a autodeterminaçom convocado para este ano– conseguiu acrescentar novas competências e fixar a ‘cidadania caledónia’.
O Estado francês nega-se a reconhecer e a ter em conta a dimensom política da questom corsa
A Constituiçom francesa –tal e como a espanhola— estabelece a “unidade e a indivisibilidade da República”. Umha proposta de Estatuto particular para a ilha provocou a reaçom do Conselho constitucional francês, chumbando as principais aspiraçons do povo corso, concluindo que “se impedirá a divisom do território francês para proteger a sua integridade”. A persistência polo reconhecimento viu-se novamente afetada pola aplicaçom rígida do conceito ‘unicidade’, já que o Estado francês “nom reconhece a existência doutros povos”. Inicialmente, o legislador reconhecera o “povo corso, como componhente do povo francês”. Aliás, esta disposiçom foi censurada polo Conselho, considerando‑a contrária à Constituiçom, que “nom conhece mais que o povo francês”.
Desde o 2 de janeiro de 2018, a Córsega tornou-se a primeira regiom metropolitana a fundir os seus dous departamentos –Córsega do Sul e Alta Córsega— com a coletividade territorial, o que irá conformar umha instituiçom inédita na França, a Coletividade Territorial Única. Este novo estatuto político, juntamente com a ampla maioria soberanista na Assembleia corsa, obriga a umha revisom das relaçons.
As atuais reivindicaçons giram em redor de três pontos: a cooficialidade da língua corsa, a amnistia para as presas políticas e o estabelecimento dum estatuto de residente, que daria mais capacidade decisória à populaçom da ilha.
O presidente da Assembleia corsa, Jean-Guy Talamoni e o dirigente do Conselho executivo insular, Gilles Simeoni, demandárom, no início do ano, umha reforma constitucional para incluir mudanças nestes três pontos. Após umha primeira resposta esperançosa, foi finalmente rejeitada na visita dos dirigentes corsos a Paris. “O Estado francês nega-se a reconhecer e a ter em conta a dimensom política da questiom corsa”, reacionava Simeoni nas redes sociais. Talamoni também pedia ao presidente Macron, num artigo para Le Monde, que tivesse “mais responsabilidade” e aclarava que a “questom da independência nom está sobre a mesa”.
Entre outras opinions, o presidente do Instituto Francês de Opiniom Púbica (IFPO), Jerôme Fourquet, sublinha que “com respeito à cooficialidade da língua corsa”, ele “mudaria a Constituiçom francesa”; sobre a questom das presas políticas é “necessária umha intermediaçom” e mais aponta que “o primeiro passo seria a aproximaçom a prisons da ilha”. Conclui que “talvez seja fatível um gesto desde París” para “concederem mais recursos à aprendizagem da língua corsa”.
A resposta de Macron
Com motivo do lançamento da Coletividade Territorial Única, Macron passou pola ilha da Córsega no passado mês de fevereiro. Durante a sua visita, a cidadania saiu em massa à rua –nom se lembra umha manifestaçom de tais dimensons nos últimos trinta anos— e os protestos iam centrados em reclamarem mais autonomia com respeito a París.
O discurso de Macron na cidade de Bastia foi recebido com surpresa, já que aceitava publicamente “umha reforma da constituiçom francesa para refletir a singularidade da ilha”. Além disso, o resto de reivindicaçons do soberanismo fôrom recusadas, sem deixar qualquer margem para a negociaçom. Durante a campanha eleitoral afirmava que “o francês é a língua da República e nom vai mudar”, em referência à cooficialidade da língua corsa. Por seu lado, é preciso referir que no período pré-eleitoral Macron prometia “dar à Córsega os médios para lavrar o seu próprio caminho de desenvolvimento económico, social e cultural”.
Para o governo corso, a reforma constitucional deveria ser efetuada desde a alteraçom ao artigo 74, que tornaria à ilha num território especial passando a ter o mesmo nível de competência do que a Nova Caledónia. Seria “a condiçom necessária para abrir um espaço jurídico próprio”, apontava Simeoni. Para o governo central o “reconhecimento” deve fazer-se “desde a alteraçom ao artigo 72” que simplesmente reconheceria a singularidade Corsa.
Ao fio dos acontecimentos, a vontade de diálogo entre os governos francês e corso fica –para já– em aberto. Aliás, parece nom satisfazer as aspiraçons do soberanismo, legitimado novamente nas urnas. De olhos postos no futuro, falta por ver até onde chegarám as concessons do Presidente da República francesa num contexto difícil de gerir.