
Umha revolta com repercussons internacionais começou há já cinco meses no estado chileno e nom parece dar marcha atrás. Com um apoio popular generalizado e a legitimidade do estado amplamente questionada, este levantamento é umha luz de esperança para toda América. A amplitude de espetro ideológico das resistentes e a tentativa do poder de isolar as vozes mais radicais mediante reformas inócuas, som junto com a repressom mais clássica ‑assassinatos, desapariçons e queima de pessoas- as armas que está a utilizar o governo contra o seu povo, quem nom parece ter vontade de ceder nem deixar-se enganar.
Desde a ditadura militar de Pinochet a este passado outubro de 2019, com Piñera no poder, passárom 47 anos. Contodo, a ditadura nom cessou: a história repete-se e som os mesmos de sempre, que nom duvidam em utilizar todo o aparato coercitivo contra a populaçom que se revela.
No passado mês de novembro, como consequência das massivas manifestaçons de iniciadas em outubro, anunciou-se um acordo político por parte do governo para gerar umha nova constituiçom que substitua a vigente, de 1980.
No passado mês de novembro, como consequência das massivas manifestaçons de iniciadas em outubro, anunciou-se um acordo político por parte do governo para gerar umha nova constituiçom que substitua a vigente, de 1980. Para este processo haveria um plebiscito de entrada, convocado para o 26 de abril deste ano, a criaçom dumha convençom constitucional encarregada da redaçom e um plebiscito ratificatório. No passado 24 de dezembro foi publicada a reforma constitucional que habilita o início do processo constituinte.
Reforma constitucional
Nom é a primeira vez que os governantes anunciam um processo constituinte no país, para dar aparência de participaçom ao exercício do seu poder sobre o povo. Existem antecedentes desde 1833, com a denominada “Gran Convención Constitucional” ou em 1925, constituiçom aprovada sem existir parlamento, redigida por umha comissom designada polo presidente.
A última constituiçom chilena é do 1980. Umha comissom denominada Ortúzar foi o organismo encarregado de preparar o anteprojeto deste texto constitucional em 1973 após a queda do presidente Salvador Allende. Ainda que se poderia considerar a comissom de Jaime Guzmán, senador e colaborador de Pinochet durante a ditadura, pois foi basicamente ele quem estabeleceu as bases do texto. Foi aprovada com maioria grande num plebiscito ilegítimo, nom existindo censo nem institucionalidade eleitoral.
Em 2005, após vários dias de protestos, Ricardo Lagos, presidente chileno na altura, realiza mudanças aparentes na constituiçom, que seriam piores devido à criaçom dum tribunal constitucional. Este tribunal paralisou muitas leis, entre outras questionáveis práticas. Foi umha fraude. Vendeu-se como umha “nova constituiçom” e era a mesma de Pinochet e Guzmán.
É difícil entender a razom pola qual a populaçom chilena está a protestar com tanta insistência e porque o povo chileno desconfia do processo constituinte, anunciado polo governo presidido por Sebastián Piñeira, sem conhecer a sua recente história. Ainda mais, quando meios de comunicaçom nacionais e internacionais trabalham para desmerecerem protestos e para defenderem as elites económicas.

Golpe de estado e liberalizaçom da economia
Em Chile, entre os anos 50 e 60 desenvolvérom-se ideias políticas progressistas. Os governos investiam em saúde, ensino e industria. Em 1970 assome a presidência Salvador Allende. O seu mandato foi breve e acabou em 1973. A CIA levou a cabo um golpe de estado junto com um grupo de militares liderados por Augusto Pinochet. Começava umha ditadura militar que duraria até 1990.
Discípulos chilenos do economista liberal Milton Friedman, por petiçom e com financiamento do governo de Nixon, criam o texto chamado “El ladrillo”. Após o golpe de estado por parte das forças armadas, o ditador Augusto Pinochet recebe este anteprojeto, de parte dos chamados Chicago Boys. Quem eram? Entre os anos 60 e 70, o governo de EUA entrega bolsas a partir dum convénio com a Pontifícia Universidade Católica de Chile (PUC) e a Universidade de Chicago. Também repartem bolsas entre estudantes do resto de América do Sul para aprender a teoria económica de livre mercado de Friedman. Estes primeiros estudantes, os Chicago Boys, dam aulas no Departamento de Económicas da PUC.
Os EUA repartiram nos 60 e 70 bolsas entre estudantes da América para aprender a teoria económica de livre mercado de Milton Friedman. Estes primeiros estudantes, os
‘Chicago Boys’, dam aulas no Departamento de Económicas da Universidade Católica de Chile.
As medidas económicas fôrom rapidamente impostas, eliminando o controle das empresas, a venda de capitais estatais, tirando barreiras de importaçom e fazendo cortes em gasto público. O impacto da instauraçom destas políticas económicas e públicas provoca suba da inflaçom chegando a ser a mais elevada a nível mundial, afetando às camadas mais baixas. Em consequência instalou-se a fame em todo o território.
Depois da imposiçom do sistema neoliberal no território, a crise económica internacional do ano 1982 bate, como sempre, sobre a populaçom mais pobre: desnutriçom, infeçons, tifos, etc.
As políticas neoliberais da ditadura intensificam-se nos anos oitenta. A mudança de sistema educativo é um dos seus objetivos. O ensino transforma-se num produto de mercado através de provedores, subsidiado polo estado em diferentes níveis. Desde 1981 produz-se a municipalizaçom e privatizaçom do ensino.

Neste contexto 100.000 pessoas fôrom encarceradas em 3 anos. E aplicárom-se torturas, mortes e desapariçons. As técnicas de tortura fôrom utilizadas polos exércitos chileno e argentino, aprendidas por militares na “escola das Américas”, um centro dos EUA que treinava militares dos países de América do Sul com o fim de colocar ditaduras militares que favorecessem os seus interesses. Hoje, este centro opera com o nome de “Instituto del Hemisferio Occidental para la Cooperación en Seguridad”. No atual “campo de detençom de Bush”, em Guantánamo, utilizam-se as mesmas técnicas: violar, despir, quebrar extremidades, sacar olhos, etc.
Neste contexto 100.000 pessoas fôrom encarceradas em 3 anos. E aplicárom-se torturas, mortes e desapariçons. As técnicas de tortura fôrom utilizadas polos exércitos chileno e argentino, aprendidas por militares na “escola das Américas”, um centro dos EUA que treinava militares dos países de América do Sul.
Setor produtivo e serviços
Empresas que até o momento eram estatais e públicas passam a ser privadas ou transferem-se a consórcios internacionais. Som as empresas mais estratégicas e com melhor rentabilidade económica, como as elétricas e de saúde, química e siderúrgica ou as telecomunicaçons. Depois, vai-se ampliando progressivamente às florestais, gadeiras, etc.
O governo deriva todos os serviços sociais às corporaçons municipais, que som entidades privadas e sem fins de lucro, constituídas a partir de 1981. Ainda definindo-se sem fins de lucro, as municipalidades e as sociedades através dos quais prestam serviços de ensino, saúde e atençom a menores estám associadas aos políticos e empresários da direita.
Os ambulatórios ou consultórios também passam a maos da Atençom Primária de Saúde Municipal, cuja administraçom depende desta rede de corporaçons municipais e sociedades. É todo um sistema que assegura que as zonas pobres sigam sendo pobres enquanto garatizam benefícios para empresários e políticos.
Serviços sociais como habitaçom passa a gestionar-se por empresas externas ao serviço público. Acampamentos ou tomas de terreno som derivados por parte do município a estas empresas, conhecidas como Entidades de Gestom Imobiliária Social ( EGIS), para além de ONG’s e fundaçons privadas.
Serviços sociais como habitaçom passa a gestionar-se por empresas externas ao serviço público. Acampamentos ou tomas de terreno som derivados por parte do município a estas empresas, conhecidas como Entidades de Gestom Imobiliária Social (EGIS), para além de ONG’s e fundaçons privadas.
As tomas som ocupaçons de terrenos desacampados, geralmente de bens nacionais nos quais um comité de habitaçom decide construir umha comunidade lá. Baseiam-se na Norma Decreto Lei 2679 da constituiçom militar ‑com essa norma regalárom muito território aos europeus: espanhóis, holandeses, etc-. Antes, as pessoas chegavam com as suas tendas ou faziam cabanas para dormir como pudessem. Aos poucos, passados os primeiros invernos, seguem a trabalhar e vam construindo. A populaçom atua diretamente e com os seus próprios meios para dar soluçom ao problema da habitaçom.

Processo Constituinte, e agora que?
O processo constituinte anunciado polo governo de Piñera será em abril. A populaçom sabe que é umha fraude, mas o tribunal eleitoral ratificou a regulamentaçom para a votaçom dos parlamentaristas. Isto quer dizer que os partidos vam decidir os representantes das quotas de género, povos originários, bairros… Como eles mesmos reconhecérom, vam eleger quem se acomodar às suas ideias.
Após 12 dias de protestos contínuos anunciam este “acordo institucional”. Realiza-se num processo regulado de negociaçom coletiva, num contexto similar ao dum conflito sindical no interior dumha empresa. A sua focagem estratégica alicerçaria-se em dous eixos:
1. “Com motivo do restabelecimento da paz e ordem pública e o absoluto respeito aos direitos humanos e a institucionalidade democrática vigente”
2. Impulsionará-se um plebiscito em abril de 2020 que resolva duas perguntas: Você quer umha nova constituiçom? / Que tipo de órgao devera redigir a nova constituiçom? — Convençom mista constitucional / Convençom constitucional.
Caso dar em convençom mista estaria integrada polo 50% de parlamentaristas eleitos entre os partidos políticos e outra metade eleitos nas urnas por cidadaos. É a versom menos participativa que envolve a participar nas votaçons, mas cá está a encruzilhada. Estas eleiçons realizarám-se com o mesmo sistema eleitoral que regem as eleiçons de deputados na proporçom correspondente. O sistema impede que um independente que nom tiver apoio de um partido poda ser eleito, o qual obriga se se quer participar a aceitar um espaço nas suas listagens partidárias.
O governo propom que a nova constituiçom deve votar-se em bloco, impedindo a possibilidade de chegar a acordos parciais
Quotas a mulheres
A legislaçom atual obriga a ter quota nas listagens das candidaturas, mas nom no parlamento, e o cômputo é a nível estatal, assim que enchem de mulheres as listagens em sítios onde sabem que há poucas probabilidades de eleger alguém.
Sobre as quotas, portanto também nom há acordo, e para poder modificar a lei para incluir quotas de género, povos originários ou independentes, som necessários dous terços dos votos, e nom se chegará a isto no Congresso. Bem o sabem, entom era mais honesto dizer que a câmara de deputados capturada polo oligopólio empresarial vai aprovar umha nova constituiçom. O resultado, daquela, será umha constituiçom mui parecida à atual, mudarám todo sem mudarem nada como em 2005, ou ainda, criarám novas leis para resguardarem outros interesses, como já há propostas de Lei anti-saqueios ou anti-encapuçados.
Para poder modificar a lei para incluir quotas de género, povos originários ou independentes, som necessários dous terços dos votos, e nom se chegará a isto no Congresso.
Estas propostas implicam que se houver distúrbios públicos e nesse contexto se usa a capuça com a finalidade de ocultar a identidade, aplicará-se umha sançom agravada, que pode implicar a diferença entre se umha pessoa cumpre a sua pena na prisom ou em liberdade vigilada. Também aumentariam as penas para delitos ligados aos protestos sociais e entregariam-se mais recursos à polícia.
Esta convençom de ser preciso o acordo com maioria dos dous terços dos membros da câmara, blinda o conservadorismo, mantendo-se a norma vigente. Como por exemplo a norma atual, garantida na constituiçom, sobre os direitos privatizados da água em Chile, único caso no mundo.
A luita pola água
Umha das principais reividindicaçons sociais é arredor da necessidade de tratar juridicamente a água como bem de uso público e com prioridade do seu destino para o consumo humano. Ainda que o acordo atual anuncia que a nova constituiçom derroga a antiga a realidade é que se trata dumha “folha em branco”, já que o que nom se aprovar com dous terços, nom entrará na nova constituiçom. E o sistema de eleiçom está já bem armado para evitá-lo.
Umha das principais reividindicaçons sociais é arredor da necessidade de tratar juridicamente a água como bem de uso público e com prioridade do seu destino para o consumo humano.
Se se trata-se dum texto legislativo ordinário, a aprovaçom dumha lei consegue-se com o 50 por cento mais um. Isto é, que se baixa-se a norma da Constituiçom poderia gerar-se maior expetativa de derrogaçom da legislaçom atual sobre a água. Por isto, o governo propom que a nova constituiçom deve votar-se em bloco, impedindo a possibilidade de chegar a acordos parciais. E se nom se chega a acordo, ficaria logo o texto constitucional atual. Deste modo, as possibilidades som mui poucas. Os movimentos populares denunciam que este processo seja utilizado para calar as luitas sociais e validar um sistema corrupto e desigual, tal como se fixo na “transiçom” da ditadura.
As reivindicaçons populares
Os movimentos populares reclamam umha assembleia ou convençom constituinte, mas mesmo sendo mais “democrática e participativa”, as mudanças substanciais som difíceis de prever no curto prazo. A possibilidade de apagar o direito à propriedade no texto é quase nula na atualidade, sendo a revalidaçom do sistema democrático que protege a burguesia o previsível para as ativistas revolucionárias. As propostas reformistas focam em demandas concretas como um novo sistema de pensons, o aumento do salário mínimo ou a reduçom da jornada laboral. Por outro lado, também se luita polo fim da privatizaçom na saúde e educaçom, a proteçom à maternidade, assim como por tornar público o sistema de locomoçom e colaçom em todos os centros laborais e estudantis. Lembremos, ademais, que foi o preço do bilhete dos comboios o caso concreto que fixo estalar os protestos.
O preço do bilhete dos comboios foi o caso concreto que fixo estalar os protestos.
Seguir trabalhando nos processos auto-organizativos que a própria luita gera, da forma mais horizontal possível é a estratégia em que se estám a desenvolver os projetos transformadores atuais em Chile, ademais, nesta revoltas recentes dérom-se passos únicos: O feminismo foi o que deixou a marca mais evidente, e a resistência conseguida tivo logros mui importantes como ultrapassar o toque de queda do exército, desbordar as forças policiais e manter em ofensiva um tecido social que atinge quatro geraçons diferentes. Um autêntico sucesso no século XXI que terá sem dúvida repercussons positivas, ainda sendo o Estado capaz de apagar esta revolta com umha nova reforma.