Periódico galego de informaçom crítica

Um orgasmo cauto

por
lu­cía cernadas

Tempo Tardade (Através 2020) é o úl­timo ro­mance de Raquel Miragaia. Com ele des­cu­bro umha au­tora que cons­trói a sua tra­je­tó­ria de­mo­ra­da­mente, desde a pe­ri­fe­ria do sis­tema li­te­rá­rio ga­lego: para além de par­ti­ci­par nal­gumhas obras co­le­ti­vas, Miragaia pu­blica em 2002 Diário com­boio (AGAL-Laiovento), Em trân­sito em 2007 (Difusora de Letras) e O dé­cimo ter­ceiro mês em 2010 (Treze & Edizer, com Sacauntos). Assim, após dez anos desde o seu an­te­rior li­vro in­di­vi­dual, a do­cente e nar­ra­dora chai­rega cria em Tempo Tardade o re­lato de Branca, “uma mu­lher di­vi­dida que foge”. A pro­ta­go­nista ins­tala-se na casa fa­mi­liar em Tardade pouco de­pois de mor­rer sua mae, tra­tando de li­dar com a perda. Nesse pro­cesso, Branca des­co­brirá as car­tas do seu tio-avô Serafim, emi­grado quando moço na al­tura da Guerra da Espanha a Buenos Aires e, com elas, os se­gre­dos que guar­dam so­bre o pas­sado da família.

Cada um dos vinte ca­pí­tu­los da no­vela é es­tru­tu­rado em três par­tes. Todos co­me­çam mos­trando em pri­meira pes­soa a vida de Branca, de volta à al­deia de que re­ne­gou desde a ado­les­cên­cia, ten­tando se re­con­ci­liar com as suas me­mó­rias e tra­tando de su­pe­rar a culpa de ter evi­tado essa re­con­ci­li­a­çom en­quanto sua mae foi viva. Depois de in­ter­ca­la­rem umha carta de Serafim, os ca­pí­tu­los fi­na­li­zam com um frag­mento em ter­ceira pes­soa so­bre a vida do ho­mem na Argentina, preso da ideia de vol­tar para a Galiza. Entre am­bos os fios da trama joga um pa­pel chave a se­nhora Modesta, que foi tes­te­mu­nha de to­dos os tem­pos da his­tó­ria e es­ta­be­lece com Branca umha ami­zade sincera.

A evo­lu­çom da pro­ta­go­nista cons­trói umha sorte de ro­mance de for­ma­çom no qual umha mu­lher adulta in­tro­duz o re­trato da ato­mi­za­çom da sociedade

Umha dose ade­quada de in­triga, nas­cida das car­tas do tio Serafim, equi­li­bra o que se­me­lha o ver­da­deiro sen­tido do re­lato: a apren­di­za­gem de Branca. A evo­lu­çom da pro­ta­go­nista cons­trói umha sorte de ro­mance de for­ma­çom no qual umha mu­lher adulta, crí­vel e ho­nesta, in­tro­duz o re­trato da ato­mi­za­çom da so­ci­e­dade e da ero­som da vida no ru­ral. Sem ide­a­li­za­çons, Branca ofe­rece a fo­to­gra­fia dum modo de vida que es­mo­rece, en­quanto toma cons­ci­ên­cia de que a sua fu­gida cara a um su­posto pro­gresso cor­tou os seus la­ços com o mundo do qual pro­vém. De volta em Tardade, Branca as­sume a sua ig­no­rân­cia so­bre os lu­ga­res, os cos­tu­mes, o ritmo dos cul­ti­vos ou a vida dos seus fa­mi­li­a­res para além de si; se ca­lhar, é nesta ig­no­rân­cia que mui­tas lei­to­ras irám se re­co­nhe­cer. Aliás, em­bora nom seja o foco da obra, Miragaia pro­por­ci­ona com a his­tó­ria de Serafim umha vi­som da emi­gra­çom ga­lega na Argentina que foge igual­mente dumha vi­som épica ou idealizada.

Se olhar­mos para al­gumhas pu­bli­ca­çons re­cen­tes de nar­ra­tiva na Galiza, po­de­mos re­co­nhe­cer al­guns tra­ços par­ti­lha­dos com Tempo Tardade: his­tó­rias de per­so­na­gens adul­tas, mas ainda no­vas, a in­te­ra­gi­rem com o seu pas­sado fa­mi­liar, com ele­men­tos que coin­ci­dem com a bi­o­gra­fia das au­to­ras –ou som di­re­ta­mente auto-fic­çom–. Salvando o apoio ins­ti­tu­ci­o­nal de que des­fru­tam uns e ou­tros pro­du­tos, tí­tu­los como Carrusel (2019) de Berta Dávila ou Diario dun en­terro (2019) de Gonzalo Hermo, am­bos pre­mi­a­dos e pu­bli­ca­dos em Galaxia, po­dem ilus­trar as coin­ci­dên­cias en­tre os re­per­tó­rios que es­tám a ser pro­mo­vi­dos na atu­a­li­dade tanto polo rein­te­gra­ci­o­nismo como polo au­to­no­mismo.Tempo Tardade de­sen­tra­nha atra­vés dumha in­cóg­nita fa­mi­liar um mis­té­rio maior, o do au­to­co­nhe­ci­mento da pro­ta­go­nista. É umha lei­tura breve, amena e des­com­pli­cada, mas ao mesmo tempo pro­funda, com um de­sen­vol­vi­mento bem es­tru­tu­rado cara a um clí­max que as lei­to­ras te­rám de des­co­brir. É, em pa­la­vras de Branca, “um or­gasmo cauto”, com toda a sua quo­ti­di­a­ni­dade, a sua na­tu­ra­li­dade e a sua relevância.

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