
O elemento chave para compreender a oportunidade que a etapa final do Procés abre para todos os povos e pessoas sujeitas à mordaça do Estado Espanhol nom está em Barcelona, senom em Madrid. Se dependesse apenas de Catalunha, os partidos políticos soberanistas e as organizações sociais que as acompanham continuariam com a sua fraca e aborrecida tarefa de desenhar umha Espanha pequena, com mais barras na bandeira. Legalidade, civismo e moderaçom; o arquiconhecido seny da catalanidade de bem terminaria desembocando, mais tarde do que cedo, numha transiçom pacífica cara a um novo ordenamento jurídico suspeitosamente semelhante com o anterior. Convergència, La Caixa, o Barça, os Mossos e os do puro em geral seguiriam gozando nos seus sofás, e encontrariam na renovada retórica nacional um aparato mediático abondo potente para silenciar o conflito de classes mais umas décadas. Fariam algumha concessom cá e lá para calmar os ânimos dos “radicais da CUP” mas, a fim de contas, o mesmo de sempre, mudar todo para que nada mude.
Por fortuna, temos Espanha. Essa Espanha “culturalmente miserável, inconsciente, cavernícola e fascista”, tam maravilhosamente descrita por Pepe Rubianes. A Espanha cunhada, esse ente sociopolítico encarnado na figura do energúmeno de barra de bar, palilho nos dentes e mancha de graxa na camisa, tatuagem de legionário no braço, que insulta cataláns, mouros e maricas enquanto rasca o suor da entreperna e cheira logo os dedos. Se bem, por fortuna, esse ser nom representa a maioria de pessoas que moram no Estado Espanhol, o certo é que o aparato do Estado, o governo, os médios, as forças de segurança e a judicatura som o seu reflexo mais fiel. E para eles, o Referêndum é umha enorme capa vermelha de toureiro. Fai falta apenas aguardar que embestam. Aí vai começar a festa.
Se reprimem a paus, a Catalunha sensata nom vai poder conter o seu alter ego. O oficialismo bempensante vai-se ver ultrapassado por um povo catalám insurreto
Imaginemos a cena. Por um lado, os cataláns, ordenadamente e com boa educaçom, vam pôr umhas urnas e as encher de votos. Por outro, os espanhóis, ameaçam e insultam e botam escuma pola boca. Nom se podem conter. Uma análise inteligente da sua situaçom e dos seus interesses recomendaria que, caso quigerem impedir a independência catalana, botar mao da prudência e a diplomacia viria-lhes dar melhores resultados. Mas, na mente facha, o pensamento racional afoga num mar de testosterona em ebuliçom. Vam liá-la.
Nom se sabe como é que vai acontecer todo. Mas provavelmente haverá malheiras e pessoas nas prisons. Tanques, duvido‑o; furgons, com certeza. Mas se reprimem a paus, logo, essa Catalunha sensata, que tentou polas boas, nom vai poder conter o seu alter ego. O seny vai deixar passo à rauxa e as palestras mediáticas, às massas. O oficialismo bem-pensante vai-se ver ultrapassado por esse povo catalám insurreto, ingovernável, revolucionário, a Catalunha dos segadors, as bullangas, a CNT-FAI e o assédio ao Parlament. Se Espanha bate nas ruas, é esse o povo que vai sair defendê-las. Onde é que estarám os convergents? Escondidos debaixo da cama.
Este é, sem dúvida, o cenário mais interessante entre as opçons que se baralham. A direita burguesa catalana ficaria fora. Conta-nos bem a história que antes lamberiam as botas ao general de turno que deixar que o povo descubra que a independência é muito mais motivadora acompanhada de umha rutura no terreno socioeconómico. Por outro lado, o regime do 78 espanhol estaria vendido. Como ia enfrentar o mundo as fotografias de guardas-civis a pancadas nas urnas? Em democracia podem se enviar antidistúrbios apalear uns centos de anticapitalistas, mas reprimir pola força milhons de pessoas que querem votar é outra cousa bem diferente. Já sendo hoje de forma oficiosa, a partir de aí o Estado converteria-se oficialmente em ditadura. Aqui é onde aguardo que os demais povos do Estado se revelem à vez. Que se rebelem as galegas, as bascas, as madrilenas, as andaluzas. Enquanto os tenhamos cá ocupados ocupando-nos, batede forte na retaguarda. Porque a chave da questom catalana, como já comecei dizendo, nom está no independentismo catalám. Catalunha é apenas a chispa que pode fazer explodir todo e presentear a todas as terras ibéricas essa revoluçom que leva oitenta anos de demora. Defender a liberdade dos cataláns de votarem ou de fazerem o que queiram, é defender a liberdade, e pronto.
Vamos romper Espanha, ajudades-nos?