Acabamos de celebrar colateralmente o Dia da Liberdade des nosses vizinhes a sul do Minho, no 25 de abril. O ressurgir de uma liberdade que nós não tivemos porque o nosso regime mudou de número (de 36 a 78) e de apelido (de Franco a Bourbon), mas sem revolução nenhuma. E sem revolução, abolir uma ditadura é bem complicado (que perguntem ao poder judicial). A revolução acaba por ser, ao meu parecer, o produto que colocas à roupa quando tens uma mancha de pintura; se não tiveres, com a lavagem normal da máquina não dá para sair. Sabes que está suja, e não a mostras. Ou a arranjas, ou vai para andar pela casa ou para panos de limpar as janelas e compras outra.
Haverá quem discorde, naturalmente, mas acho que neste tema tudo depende do conceito que cada quem tem da democracia. Uma vez uma catequista disse-me, argumentando contra os protestantes, que “o cristianismo não é como os hambúrguers de um McDonald’s: ou compras o pacote completo –Imaculada Conceição, ressurreição em corpo e alma etc.– ou não serve”. O exemplo concreto é terrível, mas com a democracia penso que acontece uma coisa semelhante. Há quem escolhe apenas o sufrágio e, cling, já está. Há quem considera que deve haver, além disso, certos mecanismos de controlo e regulação para que o povo possa implementar a sua soberania não apenas cada x anos. E depois estamos quem pensamos que a democracia, para ser chamada de tal, deve significar que o povo tem o direito de decidir sobre todos os aspetos que lhe afetam, sem exceção.
Não temos o direito a vivermos em galego porque não temos o direito a que nos falem em galego
Uma das muitas batalhas perdidas contra o Clube* do 78 foi a da língua. [*É um regime político, mas como os clubes ingleses dos séculos XIX e XX, é uma instituição obsoleta, racista e misógina fundamentada no capitalismo e destinada a desaparecer]. No nosso Estatuto de Autonomia recolhe-se a obriga constitucional de saber castelão (quem quiser ler “castelhano” está à vontade, eu prefiro essa forma) mas apenas o “direito” de aprender galego. Não a obriga. Isto, por independente que puder parecer, está entroncado no cerne da democracia galega: não temos o direito a vivermos em galego porque não temos o direito a que nos falem em galego, ao não ter ninguém a obriga de aprendê-lo.
Pouco menos de um mês após a celebração da liberdade em Portugal, a Galiza reclama parte da sua própria liberdade: a vivermos da língua do País, a língua das nossas velhas, que queremos que seja das nossas crianças. A levarmos a nossa identidade no bico, como o cantar de Rosalia, e dar continuidade, permeável sempre às mudanças que o tempo nos traz, à nossa história. Por que as letras galegas sejam as dos jornais galegos todos os dias, as dos livros de texto de Matemáticas, as dos whatsapps nesse grupo que tens contigo mesme com a lista da compra, a da bio do Tinder.
E por isso –e por mais motivos- é que a nossa democracia não é bem tal. É um espetáculo de luzes de neon para dar a impressão que poder escolher entre frango, vitela e soja texturizada é o mesmo que ter liberdade.
E eu quero o hambúrguer completo, por favor.