A Lei 3/1983 de Normalización Lingüística (LNL) foi aprovada em sessão parlamentar em 15 de junho daquele ano. Até esse momento, e mesmo depois, atravessou um processo cheio de luzes e sombras por toda parte. Especialmente de sombras. Algumas sombras têm nomes e sobrenomes, outras apenas umas siglas mais ou menos merecidas e outras são simples esteiras de sombras anteriores. O mau das sombras é que é mui difícil vê-las porque são muito astutas e, quando tirarmos luz sobre elas, movem-se e nunca aparecem no foco. Por isso temos de aprender a vermos na escuridão, uma arte que só se logra indo à raizame: ao começo das coisas.
O texto que se aprovou como LNL definitiva não nasceu da iniciativa de qualquer partido, mas foi redigida de maneira conjunta. A própria lei referencia na primeira página todos os documentos que fazem falta para efetuar um seguimento do processo.
Em 1981 surdiram duas propostas de parte do grupo parlamentar misto: uma de Camilo Nogueira (Esquerda Galega, EG) e uma outra de Claudio López Garrido (coalizão BNPG-PSG). A da EG foi uma proposta possibilista, de muitos direitos e poucas obrigas, de harmonia com o castelhano por assim dizer. Em troca, o BNPG-PSG propôs um modelo de língua nacional sem atender ao marco constitucional-autonómico: colocava o galego como língua veicular por norma geral, impunha obrigas às instituições privadas e incluía formas como “homogeneização” ou “galeguização” linguísticas. Os textos, enfim, eram muito dispares em intenções e conteúdo.
O texto que se aprovou como LNL definitiva não nasceu da iniciativa de qualquer partido
Mas havia um ponto de convergência muito claro, que era posição arredor da normativa. Ambas as propostas eram firmes no ponto de que, sem normativização para a língua galega, não haveria normalização. Achavam, outrossim, que o galego fazia parte da “família galego-luso-brasileira” e que o caminho da norma culta havia-de passar pela reintegração. Aliás, sabendo da pluralidade de opiniões ao respeito, tanto EG como BNPG-PSG optaram por propor um processo de normativização lento (BNPG-PSG fala de 5 anos) que tivesse em conta todas as opções.
Na altura foram elaborados já vários códigos normativos de posturas diversas. A Real Academia Galega (RAG) baseara-se no critério da editora Galaxia, isto é, o galego literário da etapa histórica imediatamente prévia. O Instituto de la Lengua Gallega (hoje Instituto da Lingua Galega, ILG), nos seus inquéritos dialetológicos dos anos de 60. A Asociación Socio-Pedagóxica Galega (AS-PG) e o professor Montero Santalha redigiram também cadanseus textos, reintegacionistas de mínimos e de máximos respetivamente. Por último, uma comissão nomeada pela Xunta e presidida pelo catedrático Carvalho Calero propôs as primeiras normas de caráter oficial, para uso interno da Administração, com soluções duplas do tipo “-zón/-ción”, “-bel/-ble” recomendando sempre a primeira forma.
Os dois únicos textos propostos para LNL reconheciam a validez de todas estas posturas. Mas, com efeito, nenhum dos dois foi aprovado. Em 24 de novembro de 1982 estava convocada a sessão de defesa e debate sobre as propostas. Quando os três deputados do BNPG-PSG se dispunham a entrar ao Parlamento, um funcionário acompanhado por vários polícias impediu o seu passo. Foram suspendidos de atividade parlamentar por se negarem a jurar a constituição espanhola, mesmo após tomarem possessão do cargo e terem participado ativamente como deputados. Nesta circunstância devinha impossível a defesa da sua proposta.
Pela sua parte, o Camilo Nogueira defendeu o texto da EG como único deputado. AP (26 deputados) garantiu o voto favorável. O mesmo a UCD (24). Chegada a quenda do PSdG-PSOE, o porta-voz Carlos Casares colocou uma possibilidade que não fora tida em conta até o momento: a redação conjunta. Nogueira aceitou, decaindo a sua proposta. A Câmara acedeu e conformou-se uma comissão (Ponencia) com sete parlamentários, entre eles Ramón Piñeiro e o próprio Casares Mouriño, ambos académicos e ambos membros da cúpula de Galaxia.
Quando apenas seis meses depois (maio 1983) a Ponencia publicou ante a Câmara o seu informe, o respeito à diversidade normativa não aparecia por qualquer parte: o critério fora monopolizado pela RAG e Galaxia numa Disposição adicional. O próprio Nogueira amossou a sua desconformidade e votou abstenção à Disposição, sendo a única parte da LNL não aprovada por unanimidade. Seja como for, a lei saiu adiante e o resto já é sabido. Mas para compreendermos melhor esta viragem nas atitudes normativas da Câmara cumpre conhecermos um estado de coisas que se deu de maneira quase paralela.
Também em 1982, o ILG e a RAG conformaram uma comissão com 3 membros de cada instituição para elaborar as que seriam as Normas Ortográficas e Morfolóxicas do Idioma Galego (NOMIG). A iniciativa não respondia a qualquer demanda das instituições, simplesmente constituiria mais uma proposta normativa. Aliás, em 28 de abril o académico da RAG e Conselheiro Filgueira Valverde anunciou em sé parlamentar que as NOMIG sim gozariam de oficialidade.
Acabaram-se em 3 de julho e, embora à oposição de amplos setores do nacionalismo representados mesmo no Parlamento, o Conselheiro aprovou-nas como norma única do galego no seu Decreto 173/1982 de 24 de novembro, de Normativización da Lingua Galega, que passou a ser conhecido como Decreto Filgueira.
Em maio de 1983, a Ponencia publicou ante a Câmara o seu informe e o respeito à diversidade normativa desapareceu: o critério fora monopolizado pela RAG e Galaxia numa Disposição adicional
Este relato, embora ponha algo de luz sobre a LNL e especialmente sobre a Disposição adicional, segue a agachar grandes sombras. É possível que a maioria delas só se podam ver através duma rede especial: a rede tecida por Galaxia nas instituições autonómicas, daquela acabadas de nascer.
Desde o passamento do ditador, as principais personalidades da editora pularam pela consecução dum regime autonómico desde a plataforma Realidade Galega. Logrado o objetivo, foram ocupando devagarinho (ou nem tanto) cargos públicos de certa relevância.
O médico Domingo García-Sabell, uma das figuras mais reconhecidas dentro de Galaxia, acabou por compaginar a presidência da RAG com a Delegação do Governo durante 15 anos. Já se mencionou a condição de deputados (comissões aparte) de Piñeiro e Casares, que foram primeiro um e depois o outro diretores daquea editora e presidentes do Consello da Cultura Galega (CCG). Consello, a propósito, com 22 membros fundadores dos quais 11 foram académicos da RAG. O mesmo Consello ao que pertencem por lei uma representante da RAG e uma do ILG; igual que fazem parte da junta de governo do ILG as presidências do CCG e da RAG. Nem merece a pena, com certeza, entrar a falar do Centro Ramón Piñeiro.
Se calhar a grandeza do grupo Galaxia não foi tanto colocar os seus membros nas instituições como afiançar a continuidade dos seus sucessores. Institucionalizar a RAG foi institucionalizar Galaxia e foi fazê-lo para sempre. A este respeito ficam ainda muitas sombras, a maioria, por adivinhar. Mas o último trabalho de O’Leo de Matamá, sé[mente de vencer], tem uma terceira faixa na “face a” bem iluminadora. Pode resumir bem todo quanto até aqui se disse a parelha de versos com a que ele conclui: “mais do que neopinheirista, | Galícia! …é um pinheiral”.