As últimas semanas de 2019 fôrom bem intensas para os seis homens que componhem os Ataque Escampe. Algumhas das suas experiências fôrom a sua participaçom no festival Suns Europe com a cançom ‘Arder’, a estreia do seu último EP A Alma, assim como o regresso do seu vocalista original, Álex Charlón, ou a nova incorporaçom de Cibrán Tenreiro na bateria e Julio Vilariño nos sintetizadores. E como toque final, o concerto celebrado durante o Guateque de Inverno no centro social O Pichel de Compostela, lugar que tem acolhido vários concertos deste grupo nas suas primeiras etapas. Com o título ‘Adeus aos violentos anos dez’, Ataque Escampe aproveitou este evento para apresentar o seu novo trabalho, a nova formaçom e os seus novos sons perante o seu público mais incondicional.
Na manhá em que horas depois haveriam de apanhar o voo para Veneza, primeira escala dessa pequena evasom que foi a sua participaçom no festival Suns Europe na regiom do Friuli, três dos Ataque Escampe [Miguel Mosqueira, Samuel Solleiro e Cibrán Tenreiro] aceitaram um pequeno-almoço durante o qual falar da sua trajetória e destas novas experiências que chegavam pola frente. Às nove da manhá, Miguel, Samuel e Cibrán chegam com poucas horas dormidas, o dia anterior tinham ensaiado até tarde, algum deles ainda com compras pendentes antes da viagem. Faltavam ainda alguns dias para que soasse o seu novo trabalho A Alma.
“Estamos sempre a abrir e a fechar etapas”, salienta Solheiro ao início da conversa. Efetivamente, quando se ouve um disco novo dos Ataque Escampe se a pessoa é seguidora da sua discografia terá de atravessar um período de adaptaçom às novas inquietaçons musicais que estám a explorar, seja o soul ou a experimentaçom com samplers de Violentos Anos Dez, o bolero em Noites de Agosto com Ataque Escampe, a cumbia de Primeiros Bicos ou os sons atmosféricos que agora impregnam A Alma.
Miguel Mosqueira: “a nossa é umha situaçom complicada, com os indies a acharem que somos institucionais ou nacionalistas, e os nacionalistas a dizerem que somos indies ou institucionais, enquanto para a Junta da Galiza somos nacionalistas. Somos um pouco incompreendidos em toda a parte, numha cena musical que se encontra mui segmentada”.
Talvez por esta espécie de ecleticismo musical seja tam difícil enquadrar as cançons dos Ataque Escampe dentro de um estilo ou de umha cena musical concreta dentro da música que se produz no nosso país. Mosqueira salienta que “a nossa é umha situaçom complicada, com os indies a acharem que somos institucionais ou nacionalistas, e os nacionalistas a dizerem que somos indies ou institucionais, enquanto para a Junta da Galiza somos nacionalistas. Somos um pouco incompreendidos em toda a parte, numha cena musical que se encontra mui segmentada”.
Arredor da questom criativa
Ataque Escampe foi medrando com o século XXI. Já pouco fica da sua inicial etapa universitária, ou mais bem pós-universitária, numha Compostela ainda livre de turistificaçom. Hoje, botam a olhada para discos como Galicia es una mierda, cujo título fora escolhido mesmo por votaçom popular no seu blogue, e nom se sentem reconhecidos na maioria dessas músicas. Solheiro acha que “fomos deixando para trás essa etapa mais amadora, que digamos que durou até…”. Samuel nom consegue precisar o final dessa etapa e os três rim. Qualquer cousa de espírito amador ainda se reconhece presente nas suas cançons. “Umha cousa que fazíamos antes é que a letra era prioritária por acima de qualquer outra cousa e agora a música é mais importante. Se a letra nom calha bem com a música é que essa letra nom está bem”, salienta Solheiro.
Samuel Solleiro: “Umha cousa que fazíamos antes é que a letra era prioritária por acima de qualquer outra cousa e agora a música é mais importante. Se a letra nom calha bem com a música é que essa letra nom está bem”
Porém, as letras dos Ataque Escampe, que falam em tratores a trabalhar pola Terra Chá, de festas paroquiais e verbenas com orquestra ou aplicações como o Tinder, continuam a manter a sua força. Mosqueira salienta que na hora de preparar as temáticas das cançons “pensamos bastante em imagens, em situaçons, em pessoas em espaços… em que essa imagem poda ser transmitida e que tenha certa contradiçom interna para que daí saiam significados possíveis. A partir dessa cena, ou situaçom, vais criando umha história e vais falando da personagem e do contexto. Graças ao contexto a pessoa pode sentir-se identificada. Um contexto de algumha maneira exótico, mas também compreensível, pois normalmente situa-se na Galiza”. Assim as letras dos Ataque Escampe costumam procurar espaços concretos e reais do nosso país. Por exemplo, as três cançons de A Alma estám ambientadas, respetivamente, em Carvalho, Mondonhedo e Vila de Cruzes.
A pegada dos ‘Violentos Anos Dez’
O 28 de dezembro Ataque Escampe despedia a década dos anos dez ‑deixando de lado a polémica sobre a existência do ano zero- com o concerto ‘Adeus aos violentos anos dez’, umha atuaçom em que, como o seu nome indicava, fôrom revisitadas cançons do Violentos Anos Dez, como ‘Spiritual 2019’, ‘Once upon a time: A Terra Chá’ ou ‘A cabana do Tio Tom’. Talvez Violentos Anos Dez representasse um antes e um depois na carreira musical deste grupo. A partir dele percebe-se umha melhoria musical e foi também o disco com o que começárom a fazer-se mais conhecidos na música galega. Solleiro, ainda assim, nom é quem de dizer exatamente o que tinha de especial esse disco. “Tem qualquer cousa de oportuno, no sentido de termos apreendido o discurso próprio do momento, e isso talvez nunca mais o vamos conseguir”, reflete.
Este trabalho estava cheio de música soul e referências à cultura afroamericana, através da qual Ataque Escampe explorava a identidade galega e a sua subalternidade. Porem, houve um momento que resultou polémico: a sua participaçom no programa da TVG ‘Tourilandia’ a interpretar ‘A cabana do Tio Tom’ pintados de preto, a jeito dos minstrel shows ‑peças em que artistas brancos pintavam as suas peles de preto e reproduziam estereótipos e prejuízos contra a populaçom afroamericana-. Solleiro salienta que sabiam que os minstrel originais tinham um conteúdo racista, mas a mensagem que se pretendia passar era “que a TVG representa os galegos ao mesmo jeito que o minstrel representava a populaçom afroamericana”. Assim, lamenta que a mensagem nom fosse entendida e que nom tivesse visibilidade o debate sobre o racismo e os privilégios, que sim que tem aparecido quando se projetava este vídeo em espaços académicos.
Um grupo de seis homens
Na atual conformaçom do grupo, os Ataque Escampe som seis homens acima do cenário. Durante o pequeno-almoço, que se prolonga mais do previsto, também há momento para falar sobre o feito de que o grupo seja um grupo só de homens. “É umha situaçom complicada”, exprime Cibrán, “acho que ser só homens é empobrecedor a alguns níveis, mas também é difícil pois semelha que estás dizendo que os homens som de um jeito e as mulheres de outro…, afinal, somos homens heterossexuais, e trabalhas com o que és, com esses privilégios, sendo o mais honesto possível com respeito a isso e sem abusar deles”. Tenreiro sim que participou noutras formaçons musicais, como Esposa ou Zara, com mulheres, o que lhe permitiu vir a tomar consciência sobre o machismo nos cenários. “Sermos todos homens na formaçom é um handicap mui importante para falar disto, mas acho que se podem fazer cousas para tentar estar do lado que poda fazer que isto evolua para um ambiente mais sano, mais inclusivo nos concertos, com a responsabilidade que poda ter o grupo nisso. Sim que acho que a nível de discurso e nas letras nom se participa da cultura machista, mas isso nom avonda”, acrescenta Tenreiro durante a conversa.
Cibrán Tenreiro: “Sermos todos homens na formaçom é um handicap mui importante para falar disto, mas acho que se podem fazer cousas para tentar estar do lado que poda fazer que isto evolua para um ambiente mais saudável, mais inclusivo nos concertos, com a responsabilidade que poda ter o grupo nisso.”
A conversa acaba abruptamente. O tempo da manhá foi decorrendo e nos aeroportos os avions nom aguardam por ninguém. No dia seguinte, ‘Arder’ soará no Friuli pola voz do Álex Charlón, uns dias mais logo, A Alma e o videoclip de ‘O que pode um corpo’ serám difundidas polas redes sociais e dezembro fecharia com a sua despedida da década, que deixa o seu público com vontade e curiosidade das novidades que pode trazer a enésima nova etapa deste grupo. O que podem os Ataque Escampe nunca o saberá ninguém.