Abril em Corruvedo. Entre as dunas, no lusco-fusco, os alcaravães (Burhinus oedicnemus) são figuras esguias e velozes, perfeitamente mimetizadas na paisagem quando se agacham. Na primavera, os alcaravães, como a maioria das aves, dedicam-se à procriação. Os seus ninhos são apenas simples buracos escavados na areia. É este o único local de nidificação do alcaravão na costa galega.
O Parque Natural do Sistema Dunar de Corruvedo e das Lagoas de Carregal e Vijão situa-se no vértice ocidental da península da Barbança, fazendo de divisão entre a Ria de Arouça e a Ria de Muros e Nóia. Constituído por um sistema praia-barreira-lagoa, tem um areal de mais de 5 km que se divide nas praias da Ladeira e do Vilar, separadas pola desembocadura das marismas de Carregal. No extremo sul da praia do Outeiro, continuação da praia do Vilar, encontra-se a lagoa de água doce de Vijão.
Este espaço protegido acolhe a maior duna móvel da Galiza, com 1 km de comprimento e 250 m de largura. Mas a grande duna de Corruvedo, denominada popularmente Montes da Areia, é hoje um pálido reflexo do que outrora foi. Sabemos com certeza, por fotografias cartográficas de 1956, que a sua superfície tem minguado consideravelmente nos últimos anos. Um relatório da Universidade Compostelana estimou que, só entre 2008 e 2015, a duna perdeu quase 400.000 toneladas de areia, diminuindo a sua altura máxima de 21 m em 2001 a 18,5 em 2015. Os fatores que provocam esta situação podem ser múltiplos, complexos e não excludentes entre si. Assinalaram-se, entre outros, as extrações ilegais de áridos para a construção, que se realizaram durante décadas. Ou, paradoxalmente, a própria declaração do Parque Natural em 92, que atraiu milhares de turistas ávidos de se lançarem do alto desta duna monumental. Porém nas últimas décadas a severidade das restrições aumentou e, apesar deste maior grau de proteção, o tamanho da duna tem continuado a diminuir, existindo evidências de que os sedimentos de areia se estão a espalhar para o norte. Os especialistas apontaram para outras possíveis causas, como uma redução dos sedimentos aluviais nas rias, devido à construção de barragens, ou mesmo fenómenos naturais, como variações no regime de ventos… Ai! Por vezes esquecemos que os ecossistemas são entidades dinâmicas e não os cenários imutáveis que idealizamos.
A duna de Corruvedo, de 1 quilómetro de cumprimento e 250 metros de largura, é hoje um pálido reflexo do que outrora foi
Como apontámos, este parque natural, dalgo menos de mil hectares, não se limita apenas a um sistema dunar, contando também com duas zonas húmidas de grande relevância polos seus valores naturais, Carregal e Vijão. Assim, Corruvedo foi incluído na Convenção de Ramsar sobre as Zonas Húmidas de Importância Internacional e catalogado como Sítio de Importância Comunitária (SIC) da Rede Natura 2000 e Zona de Proteção Especial para as aves (ZPE), tendo-se registado mais de 200 espécies, das quais cerca de 70 nidificam.
Durante o inverno, Carregal e Vijão enchem-se de milhares de aves aquáticas invernantes como patos, gaivotas e limícolas. As marismas de Carregal, que têm o seu prolongamento na lagoa de águas salgadas de Artes, acumulam grandes concentrações de gaivotas e limícolas. Em Vijão, aninham um bom número de espécies, entre as quais destaca o tartaranhão-dos-pauis (Circus aeruginosus), uma ave de rapina, própria de terrenos pantanosos, que tem aqui um dos seus escassíssimos pontos de nidificação na Galiza.
Não é menor a diversidade da herpetofauna. Contando o parque com 10 espécies de anfíbios e 14 de répteis. Sobressai o sapo-de-unha-negra (Pelobates cultripes), anuro restrito às regiões galegas mais cálidas, e o cágado-de-carapaça-estriada (Emys orbicularis), um sapo-concho em perigo de extinção reintroduzido na poça de Olveira.
Durante o inverno, Carregal e Vijão enchem-se de milhares de aves aquáticas invernantes como patos, gaivotas e limícolas. As marismas de Carregal, que têm o seu prolongamento na lagoa de águas salgadas de Artes, acumulam grandes concentrações de gaivotas e limícolas
Do ponto de vista botânico, têm-se descrito arredor de 250 espécies vegetais, ainda que novos inventários em que se está trabalhar indicam que o número de táxones de plantas vasculares poderia ser muito superior, destacando as plantas psamófilas, próprias das dunas, como Alyssum gallaecicum, um endemismo do litoral galego cada vez mais raro, e as plantas higrófilas que habitam as zonas húmidas do parque natural, como o ameaçado junco Schoenoplectus pungens.
Para além deste património natural, não podemos esquecer que na região existe um importante património histórico, com restos arqueológicos como os castros do Porto de Baixo e do Taúme, o petróglifo da Pedra das Cabras e, designadamente, a “Pedra do Mouro” ou dólmen de Ajeitos, um dos nossos monumentos megalíticos tumulares mais representativos.
Mas o Sítio de Importância Comunitária do Sistema Húmido de Corruvedo estende-se além do parque, abrangendo todo o trecho de costa que vai da Ponta do Castro (Baronha) ao Cabo Falcoeiro e os ilhéus da boca da ria de Arouça até ao arquipélago de Sálvora. Destarte, fazem parte do SIC mais duas lagoas, a de Junho e a de S. Pedro de Muro, separadas do mar por um cordão dunar e um imenso areal. Nesta área encontramos raridades para a Península Ibérica, como a alga Nitella gracilis, citada na lagoa de Muro, ou endemismos como Iberodes littoralis subsp. gallaecica, uma planta própria das dunas e praias da costa ocidental galega, aparentemente extinta já em Corruvedo.
Muitas lagoas costeiras galegas, como as de Vijão e Junho, estão agora ameaçadas de degradação por um fenómeno natural, que tem a sua origem na perda das práticas agropecuárias tradicionais. A proliferação de caniços (Phragmites australis), espadanas (Typha latifolia) e diferentes espécies de juncos, unida ao avanço de amieiros (Alnus glutinosa) e salgueiros (Salix atrocinerea), leva à diminuição da superfície de águas livres, num processo progressivo que finalizará com a completa colmatação lagunar. A reintrodução de grandes herbívoros domésticos, como vacas e cavalos, tem sido ensaiada com sucesso noutras latitudes na recuperação deste tipo de habitats. A questão não é pacífica, deixamos evoluir livremente uma natureza, previamente modelada polo ser humano, ou tentamos ações de restauro? Sabemos que o novo Plano Reitor de Uso e Gestão do Parque Natural de Corruvedo vai na linha da restauração ativa. Amém!