Nos últimos anos, uma frutífera colaboração entre o festival Curtocircuito e o Cineclube de Compostela vem fixando uma serie de recuperações do nosso cinema. Este ano a figura homenageada será Roberto Vidal Bolaño, um dos pais da nosa dramaturgia moderna com uma carreira audiovisual não tão conhecida que o levou a fazer obras em TV, vídeo e celuloide. A influência cinematográfica do cinema clássico é assaz palpável na sua obra, e o seu filho Roi recolhe, em vários dos escritos que dedicou à biografia do pai, o interesse que este tinha em fazer filmes de ficção, que por motivos estruturais e económicos não pôde levar a cabo.
Isto acontece tamém nos casos das anteriores anteriores retrospetivas como a do Equipo Lupa, nomeadamente no caso de Euloxio Ruibal, ou mesmo na figura de Ezequiel Méndez, fundador dos históricos Cine-Clubes compostelanos nos anos 60, correalizador de várias peças curtas do coletivo Equipo 64 e ator em Teatro de Cámara Ditea (e que chegou a fazer a prova de ingresso na EOC de Madrid, sendo rejeitado pela sua atividade política). Vemos aqui vários pontos que unem diferentes disciplinas cénicas como o teatro e o cinema amador, mas sempre com esse horizonte de possibilidade de acabar fazendo filmes de ficção.
Este peso específico por fazer cinema de ficção, o verdadeiro ‘cine-cine’, que diriam muitos, centra os seus referentes e objetivos na época e estruturas do cinema clássico, esquecendo a necessidade de um sistema cinematográfico com um tecido laboral muito estabelecido (como o estadunidense, o japonês ou o francês) e com umas cifras de produção inalcançáveis para muitas cinematografias periféricas. As tentativas de muitos cinemas europeus por ter os seus próprios star-systems acabaram em experiências de duvidoso e retorto resultado, sem pegar em casos mais extremos de juntar forças de maneira artificial e tão pouco solvente como os célebres europuddings.
As tentativas de muitos cinemas europeus por ter os seus próprios ‘star-systems’ acabaram em experiências de duvidoso e retorto resultado
Se olharmos para cinematografias tão residuais como a do Estado espanhol, o único momento em que houve qualquer coisa semelhante a um sistema de estúdios foram os derradeiros anos da II República e os primeiros do franquismo, desarticulados por completo a partir dos anos 60 na procura de um cinema de autor de prestígio. E, no caso do galego, periferia de um cinema já propriamente periférico, a ficção de estúdio só se tem dado com a colaboração entre produtoras e profissionais que não procedam exclusivamente do nosso país, o que sempre gera a eterna questão de se isso é “cinema galego”, aplicável em épocas diferentes a casos como Camarote de lujo, El bosque del lobo ou As bestas.
O caso extremo seria aquele Cinegalicia 1989 no seu momento tão celebrado e recentemente homenageado, autêntica lousa que parasitou e devorou por completo as curtametragens, o cinema amador, os documentários, o vídeo e tantas outras experiências igualmente válidas que, em muitos casos, ficam excluídas da história oficial, apodrecendo fisicamente em faiados ou baús, sem a consideração social de que mereçam ser revistas ou salvadas. Já se tem dito, mas há que lembrar que é necessário fazer soar o alarme, rever a nossa historiografia e recuperar dos nossos armários todos esses filmes e vídeos tão valiosos para a nossa cultura.