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A importância das raças de gado autóctones da Galiza

por
charo lo­pes

O sis­tema eco­nó­mico pre­do­mi­nante fa­vo­re­ceu, na sua ver­tente agrá­ria e pe­cuá­ria, a uni­for­mi­za­ção pro­du­tiva no agro. Isto acon­tece, so­bre­tudo, a par­tir da ex­pan­são da de­no­mi­nada re­vo­lu­ção verde, sendo que será a par­tir dela que se te­nha como ob­je­tivo me­lho­rar o ren­di­mento pro­du­tivo em ter­mos quan­ti­ta­ti­vos e a re­du­ção do custo por uni­dade pro­du­zida. Para tanto, apos­tou-se for­te­mente no se­tor gan­deiro e, par­ti­cu­lar­mente, por ra­ças mais pro­du­ti­vas com base numa vi­são, con­ven­ci­o­nal­mente, eco­no­mi­cista ca­pi­ta­lista. Essa ló­gica da in­ten­si­fi­ca­ção vin­cu­lada com mai­o­res quan­ti­da­des de in­su­mos, o cres­ci­men­tos das ex­plo­ra­ções e uma maior me­ca­ni­za­ção e de­pen­dên­cia vai de en­con­tro com as ra­ci­o­na­li­da­des e as prá­ti­cas tra­di­ci­o­nais das so­ci­e­da­des ru­rais pro­vo­cando perda da di­ver­si­dade agrá­ria, rup­tura dos ci­clos, etc.

A lógica da intensificação e mecanização vai contra das práticas tradicionais das sociedades rurais provocando perda da diversidade agrária

Efetivamente, as pes­soas que ha­bi­ta­vam os es­pa­ços ru­rais pra­ti­ca­vam uma eco­no­mia de sub­sis­tên­cia em que o gado fa­zia parte in­dis­pen­sá­vel do sis­tema agro-monte com umas ra­ças de gado que es­ta­vam ne­ces­sa­ri­a­mente adap­ta­das às cir­cuns­tan­cias cli­má­ti­cas e oro­grá­fi­cas de cada área ge­o­grá­fica. Na Galiza este mo­delo ex­pe­ri­men­tou uma pro­funda que­bra pro­vo­cada pela ação do Estado, com a ocu­pa­ção das me­lho­res áreas de pas­ta­gem por plan­ta­ções de cul­tu­ras flo­res­tais de cres­ci­mento rá­pido jun­ta­mente com o de­sen­vol­vi­mento da “mo­der­ni­za­ção” agra­ria, con­di­ci­o­nan­tes que fi­ze­ram com que as ra­ças au­tóc­to­nes e adap­ta­das ao ter­ri­tó­rio vi­es­sem a esmorecer.

Uma con­sulta aos da­dos his­tó­ri­cos mos­tra a es­pec­ta­cu­lar re­du­ção do nú­mero de ani­mais nas áreas de monte ocor­rida no sé­culo pas­sado. A quan­ti­dade de ra­ba­nhos de va­cas, ca­va­los, ca­bras e ove­lhas que ha­via no pri­meiro terço do sé­culo XX não tem nada a ver com o que acon­tece neste sé­culo XXI. A in­te­gra­ção dos ani­mais do monte e do monte no agro per­mi­tia a sub­sis­tên­cia das so­ci­e­da­des ru­rais a par­tir de pro­ces­sos com com­po­nen­tes co­mu­ni­tá­rias nos que se de­sen­vol­viam prá­ti­cas de apoio mú­tuo. Com cer­teza, a de­sa­pa­ri­ção do sis­tema agrá­rio tra­di­ci­o­nal, onde o gado era parte prin­ci­pal, fa­vo­re­ceu a apa­ri­ção de mui­tos dos pro­ble­mas eco­nó­mi­cos, so­ci­ais e am­bi­en­tais do meio ru­ral atual.
Neste con­texto, com gran­des in­cer­te­zas de­cor­ren­tes das al­te­ra­ções cli­má­ti­cas, um ele­vado ní­vel de flo­res­ta­ção com es­pé­cies pi­ró­fi­tas e o aban­dono do ru­ral e das áreas de cul­tura e de monte, é onde a in­tro­du­ção de gado, em ma­nejo ex­ten­sivo, apa­rece como uma ne­ces­si­dade para vol­tar­mos a co­lo­car o monte no cen­tro do com­plexo agrá­rio. Esta ação tem como ob­je­tivo avan­çar na so­lu­ção dal­guns dos gran­des pro­ble­mas que en­fren­ta­mos atu­al­mente: os in­cên­dios flo­res­tais e o aban­dono do ru­ral. Neste pro­cesso de re­vi­ta­li­za­ção do ru­ral e apro­vei­ta­mento dos re­cur­sos en­dó­ge­nos as ra­ças de gado au­tóc­to­nes de Galiza têm muita im­por­tân­cia dada a sua adap­ta­bi­li­dade aos con­di­ci­o­nan­tes ter­ri­to­ri­ais e a sua ca­pa­ci­dade de con­sumo das es­pé­cies ve­ge­tais que con­for­mam o mato.

As cachenas, caldelás, frieiresas, limiás e vianesas (todas elas consideradas como raças autóctones em perigo de extinção) estão a experimentar uma recuperação

A re­cu­pe­ra­ção das ra­ças de gado au­tóc­to­nes da Galiza
Nas úl­ti­mas dé­ca­das ve­ri­fi­cou-se um pro­cesso de re­cu­pe­ra­ção de di­fe­ren­tes ra­ças de gado au­tóc­tone que es­ta­vam quase de­sa­pa­re­ci­das e com grande su­cesso nal­gu­mas de­las. Possivelmente as ra­ças de bo­vino, no­me­a­da­mente as co­nhe­ci­das como mo­re­nas de Ourense, se­jam o exem­plo mais sin­gu­lar. As ca­che­nas, cal­de­lás, fri­ei­re­sas, li­miás e vi­a­ne­sas (to­das elas con­si­de­ra­das como ra­ças au­tóc­to­nes em pe­rigo de ex­tin­ção) es­tão a ex­pe­ri­men­tar uma re­cu­pe­ra­ção no nú­mero de exem­pla­res. Estas ra­ças, cada uma de­las com ca­rac­te­rís­ti­cas es­pe­cí­fi­cas, adap­tam-se muito bem às con­di­ções ter­ri­to­ri­ais e bo­tâ­ni­cas da con­torna apro­vei­tando o mato e ob­tendo carne de qualidade.

Mas tam­bém há ou­tras ra­ças de gado au­tóc­to­nes com avan­ços nas úl­ti­mas dé­ca­das como o ca­valo de pura raça ga­lega, que está em ex­pan­são nos mon­tes do País. A sua ca­pa­ci­dade de adap­ta­ção à vida no monte faz com que seja muito apro­pri­ado para o con­trolo do mato com pouco ma­nejo. Várias co­mu­ni­da­des vi­zi­nhais, de olhos pos­tas na ra­ci­o­na­li­dade da re­du­ção de cus­tos na hora do con­trolo, re­du­ção da roça do mato ou com o ob­je­tivo da re­cu­pe­ra­ção de ati­vi­da­des tra­di­ci­o­nais como os cur­ros, têm ini­ci­ado ex­pe­ri­ên­cias re­cen­tes com esta raça au­tóc­tone. No mesmo senso, a ove­lha e a ca­bra ga­lega tam­bém es­tão a ser re­cu­pe­ra­dos e a de­mons­trar-se como uma boa opor­tu­ni­dade de di­na­mi­za­ção eco­nó­mica a ní­vel lo­cal, tanto para fa­zer adu­bos como com a venda da carne. Finalmente, o porco celta é ou­tra raça que está a ga­nhar im­por­tân­cia ao po­der ser ma­ne­jada em ex­ten­sivo e ter a ca­pa­ci­dade de apro­vei­tar os re­cur­sos do monte, por exem­plo nas áreas de sou­tos e de carvalheiras.

o desenvolvimento das raças autóctones galegas em manejos extensivos favorece o mantimento da biodiversidade e a luta contra os incêndios florestais, incentivando a criação de emprego e ajudando a ter um mundo rural vivo

Novas ini­ci­a­ti­vas com ra­ças de gado au­tóc­tone em extensivo
Nos úl­ti­mos anos es­tão a agro­mar no­vas ini­ci­a­ti­vas nas que se está a in­tro­du­zir o gado au­tóc­tone no monte com um ma­nejo em ex­ten­sivo. Estas ini­ci­a­ti­vas têm di­fe­ren­tes ob­je­ti­vos como a pre­ven­ção de in­cên­dios flo­res­tais, a cri­a­ção de em­prego com o apro­vei­ta­mento dos re­cur­sos en­dó­ge­nos e a con­se­cu­ção de pro­du­tos de má­xima qua­li­dade. Algumas de es­tas ini­ci­a­ti­vas es­tão a sur­gir desde âm­bi­tos da ação co­le­tiva como as co­o­pe­ra­ti­vas de ex­plo­ra­ção co­mu­ni­tá­ria da terra ou as co­mu­ni­da­des de mon­tes vi­zi­nhais em mão co­mum, o que acres­centa o seu im­pacto a ní­vel so­cial e a sua ca­pa­ci­dade de replicabilidade.

Os apro­vei­ta­men­tos com as ra­ças au­tóc­to­nes de bo­vino, ca­prino, ovino e ca­ba­lar au­tóc­to­nes cos­tu­mam ser ma­ne­ja­das em ex­ten­sivo, fa­vo­re­cendo os mo­dos de pro­du­ção mais sus­ten­tá­veis e me­nos de­pen­den­tes dos in­su­mos ex­ter­nos, o que fa­vo­rece a sua re­sis­tên­cia às mu­dan­ças do mer­cado e dos pre­ços das ma­té­rias pri­mas. Na Galiza há in­te­res­san­tes exem­plos de ini­ci­a­ti­vas com ra­ças au­tóc­to­nes com cer­ti­fi­ca­ções de qua­li­dade, como acon­tece com ex­plo­ra­ções em mon­tes vi­zi­nhais, que es­tão cer­ti­fi­ca­das em modo de pro­du­ção eco­ló­gico com exem­pla­res de ra­ças em pe­rigo de extinção.
Em re­sumo, o de­sen­vol­vi­mento das ra­ças au­tóc­to­nes ga­le­gas em ma­ne­jos ex­ten­si­vos fa­vo­rece o man­ti­mento da bi­o­di­ver­si­dade e a luta con­tra os in­cên­dios flo­res­tais, in­cen­ti­vando a cri­a­ção de em­prego e aju­dando a ter um mundo ru­ral vivo.

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