O triunfo do neoliberalismo consistiu em minimizar a resistência dos sujeitos que, ao cabo, ham de ser produtivos. Como ali onde é exercido o poder, há resistência, os mecanismos do sistema afiançárom processos de subjetivaçom: as mentes dispostas nos corpos produtivos som moduladas para desejar aquilo que o próprio sistema necessita que desejem. Os agentes de socializaçom eram família, escola, igreja. Esta última fui suplantada durante o século XX polos meios de massas, hoje digitais. A escola, portanto, é umha peça suculenta para controlar o âmbito da engenharia social. Há autoras, e também movimentos sociais fora da Europa, que dedicárom algum tempo a recompilar as publicaçons da OCDE das quatro últimas décadas a respeito do que deve ser o sistema educativo.
Como já diziam na Antiguidade, se és um vendedor de fumo, o primeiro que deves fazer para tomar o poder, sob a oportuna aprovaçom das massas, é denunciar o caos para, a continuaçom, te propores como salvador. É mui fácil ganhá-las se se levar em conta a preguiça como um dos principais obstáculos, seguindo Kant, frente a um conhecimento que nos libere de preconceito e superstiçons: sinala uns culpáveis concretos, como é próprio dos (proto)fascismos, promete atençom individual, de maneira que os egos se vejam reconfortados, e também comodidade, pouco esforço.
Para que calhe bem entre sujeitos aparentemente críticos, mistura isto com um discurso que se laie da escassa mobilidade social. Reconhecido e feito isto, já terás todos os meios a participar da agenda hegemónica, e, em consequência, a populaçom a repetir enunciados que engalanam os seus ouvidos e a organizaçom dos seus afetos reativos. A instituiçom é concebida, frente ao mercado ‑tam livre‑, como fonte de repressom. Deste modo, já se conta com o ódio das bases para disparar contra a escola. Assim se organiza e se ganha umha guerra cultural. E, com esta, a outra de fundo.
A instituiçom é concebida ‑tam livre‑, como fonte de repressom. Deste modo, já se conta com o ódio das bases para disparar contra a escola
A pedagogia apresenta-se como um baú conceitual que engole a diferença entre a socializaçom primária, mais emocional ou inconsciente, e a secundaria, inteletual. Também engole a diferença entre as naturezas e didáticas específicas de cada âmbito de conhecimento e as especificidades a desenvolver em cada nível. Nalguns, a propósito, há que responder a avaliaçons externas. Ao mesmo tempo serve para denunciar umha suposta falta de formaçom no professorado (Qual? Em que consiste? Como se adapta essa alquímia desconhecida aos parâmetros materiais/laborais dos distintos centros educativos?) e para aviltar a memória tout court, como se nom fosse umha faculdade que ajuda ao entendimento que, por sua vez, possibilita um posterior razoamento. Nom é possível pensar sem conteúdos.
O que se pretende é assimilar o pensamento aos processos cognitivos básicos, de reaçom a um estímulo. Segundo a neurologia, sucede sem implicar demasiado a prefrontalidade, que é o que permite, em última instância, a reflexom e, derivando, a convivência. A articulaçom representativa do mundo, a linguagem e o mesmo cérebro devem imitar a programaçom. Este é o papel ativo que o capital requer das novas subjetivaçons, frente à passividade demandada polas sociedades disciplinares, e ainda umha ótima gestom da própria emocionalidade, que chega às escolas das mans de entidades financeiras. Em qualquer caso, o pensar analógico nom é operativo, sendo o que pode ser crítico. Também longo, denso, pouco trepidante: non quadra bem com as sociedades de espetáculo nem com a economia da atençom, que integra o professorado na apelaçom permanente e exclusiva à amígdala dos indivíduos com movimento, som e luz. Questons de filogenética desvirtuada polo mercado.
Por outro lado, a promessa de atençom individualizada, tam atraente, pós-moderna e liberal, responde à intençom de implantar progressivamente o Desenho Universal de Aprendizagem (DUA), mas através de dispositivos digitais: a professora passará a ser umha programadora que ajusta certos conteúdos aos diversos graus de desenvolvimento competencial. A interaçom da alumna é com a máquina e quiçá seja para isso que remetem os mantras da falta de formaçom e quiçá seja isso que se deve levar em conta antes de solicitar à Xunta a retirada de E‑Dixgal argumentado que é só um PDF no ecrã, porque, tal e como respondˆerom, “tranquilas, isso vai melhorar”… Sem ir mais longe, o metaverso apresenta-se como, por exemplo, a possibilidade de penetrar na estrutura molecular.
A suposta intençom do DUA é reduzir a diferença entre os pontos de partida socioeconómicos e culturais. Na prática, pode ser possível com umha drástica reduçom das ratios ou, num nível geral, já se dá: já existe segregaçom dos centros por classes sociais, porquanto a adataçom é geral e tem como resultado umha menor formaçom para as classes mais baixas. Acho claro que é reforçada, assim, a segregaçom por classe.
Sucede, igualmente, com outro dos insistentes clichés: as tarefas de casa reforçam os processos de aprendizagem das classes altas e amplia a brecha social. Porém, a diferença de bagagem vem de casa e atividades de ampliaçom e de reforço podem servir para a paliar. Nom tenhem de ser obrigatoriamente aborrecidas e repetitivas, ainda que do aborrecimento nascem cousas e da repetiçom, diferença.
Embora por parte de administraçons mais conservadoras se convoquem prémios à superaçom e ao esforço, integra-se também a ideia ou exigência de que o/a discente nom deve enfrentar debilidades, obstáculos, competências que, segundo o caso, resultem mais complicadas de desenvolver
Embora por parte de administraçons mais conservadoras se convoquem prémios à superaçom e ao esforço, integra-se também a ideia ou exigência de que o/a discente nom deve enfrentar debilidades, obstáculos, competências que, segundo o caso, resultem mais complicadas de desenvolver: por exemplo, se houver dificuldades de compreensom leitora, será ampliado o tamanho da letra do recurso que se estiver a empregar e evitará-se na medida do possível insistir nessa destreza. Algo bastante contraintuitivo em termos de aprendizagem e crescimento como quem nom adestra o gosto ou a vontade para comer algo mais que Nocilla. A experiência di-me, por acaso, que isto nom fai o alunado menos competitivo e mais motivado: os demais fatores de socializaçom provocam outro tipo de subjetivaçom.
Por último, a vigente formulaçom pedagógica apela a um suposto bem-estar emocional do sujeito (atençom à análise de Eva Illouz!), que deve encontrar umha valia única em si mesmo para oferecê-la. Em termos produtivos, é claro. Mas, para desenvolver cidadãs em sociedades felizes cumpre-se a prática imanente das virtudes ‑o que implica muitas cousas- e, como dizia Thatcher, eu nom vejo sociedade.