Periódico galego de informaçom crítica

A obsolescência programada das luitas

por
liza do­no­van

A in­cor­po­ra­çom das mu­lhe­res ao mundo la­bo­ral as­sa­la­ri­ado trouxo con­sigo no­vas agres­sons mi­só­gi­nas, con­cre­ta­mente o acosso se­xual. Isto evi­den­cia que o acosso se­xual no tra­ba­lho nom é um tipo de acosso la­bo­ral, se­nom um tipo de vi­o­lên­cia ma­chista. A vi­si­bi­li­za­çom do con­ceito e a sua in­cor­po­ra­çom à le­gis­la­çom no es­tado es­pa­nhol, tam­bém na pe­nal, foi re­sul­tado do con­tá­gio do lo­gro do mo­vi­mento fe­mi­nista nos EUA nos anos 70. Os ele­men­tos ob­je­ti­vos e sub­je­ti­vos do in­justo, que reú­nem as con­du­tas do acosso se­xual, som um todo com­plexo que nom se ex­plica aten­dendo ape­nas a con­duta vi­sí­vel (as in­si­nu­a­çons, as chan­ta­gens, os acur­ra­la­men­tos e/ou o pró­prio as­salto se­xual de maior ou me­nor gra­vi­dade). Há todo um sis­tema pa­tri­ar­cal que sus­tenta essa vi­o­lên­cia que re­quer ser no­me­ada de forma es­pe­cí­fica, posto que sem essa aná­lise nom pode di­tar-se sen­tença que tente re­pa­rar a ví­tima e que su­po­nha umha con­dena do agressor.

Nom há op­çons, no marco iso­lado da pro­fis­som da avo­ga­cia de umha vi­som fe­mi­nista, para lui­tar con­tra as agres­sons ma­chis­tas. É ne­ces­sá­rio um con­texto mais am­plo que im­pli­que um ques­ti­o­na­mento ra­di­cal do sis­tema, e isto nom é atra­vés do exer­cí­cio dumha pro­fis­som, se­nom ao seu pesar.

É ne­ces­sá­rio mu­dar pa­râ­me­tros vi­tais para mo­di­fi­car as es­tru­tu­ras do sis­tema, que fa­gam re­al­mente que os ali­cer­ces se tim­ba­leiem. Conseguimos vi­tó­rias, mui­tas, ga­nha­mos ba­ta­lhas, mui­tas, mas nen­gumha guerra. Nom ga­nha­mos nem se­quer no nosso ter­reno, nem nas nos­sas ca­sas, nem no nosso tra­ba­lho. Tampouco nos par­ti­dos po­lí­ti­cos e sin­di­ca­tos, nom ga­nha­mos nos mo­vi­men­tos so­ci­ais e as ruas nom som nos­sas, mas é que ade­mais, dei­xa­mos ca­dá­ve­res no ca­mi­nho ob­vi­ando as vi­o­lên­cias que es­tám por baixo da nossa.

O feminismo das mulheres racializadas, especialmente das mulheres negras, deu-nos umha liçom que parecemos nom estar dispostas a aprender.

O fe­mi­nismo das mu­lhe­res ra­ci­a­li­za­das, es­pe­ci­al­mente das mu­lhe­res ne­gras, deu-nos umha li­çom que pa­re­ce­mos nom es­tar dis­pos­tas a apren­der. Temos, con­tra de­las, a mesma re­sis­tên­cia que so­fre­mos dos ho­mens do bando “amigo” quando re­jei­tam ver-se re­fle­xa­dos nas nos­sas de­nún­cias his­tó­ri­cas. As mu­lhe­res bran­cas es­que­ce­mos olhar-nos os sa­pa­tos e ver que de­baixo dos nos­sos pés tí­nha­mos as ca­be­ças das com­pa­nhei­ras ra­ci­a­li­za­das so­bre as quais es­ta­mos a exer­cer his­to­ri­ca­mente a mesma in­vi­si­bi­li­za­çom, ne­ga­çom e vi­o­lên­cia que de­nun­ci­a­mos con­tra nós na pró­pria esquerda.

As nos­sas re­des so­ci­ais es­tám cheias de men­sa­gens rei­vin­di­cando pe­nas mais du­ras para de­ter­mi­na­dos de­li­tos; in­ter­pondo que­re­las cri­mi­nais por ex­pres­sons de ódio con­tra as ide­o­lo­gias de es­querda ou fe­mi­nis­tas; pe­dindo re­gu­la­çons para isto e para aquilo; le­gi­ti­mando, em de­fi­ni­tiva, as ins­ti­tui­çons e es­tra­té­gias do sis­tema cri­mi­nal que nos oprime. Nom é, em ab­so­luto, que pense que nesse ter­reno nom de­va­mos lui­tar (acho to­dos som ter­re­nos de luita), mas pre­ten­der em­pre­gar em con­tra do sis­tema e acó­li­tos as leis e as pe­nas, que sem­pre fô­rom ele­men­tos de re­pres­som dos es­ta­dos é, ade­mais de in­gé­nuo, con­tra­di­tó­rio. É ade­mais umha armadilha.

A de­fensa das ví­ti­mas das agres­sons que se re­a­li­zam ao am­paro dumha es­tru­tura so­cial (ma­chis­tas, ra­cis­tas, ho­mó­fo­bas e tor­tu­ras por parte das for­ças de se­gu­rança), re­quer umha aná­lise in­te­gral do con­texto que ro­deia a pes­soa que quer de­nun­ciar este de­lito para es­co­lher umha ou ou­tra li­nha de de­fensa, que pode até pas­sar por nom acu­dir à via ju­di­cial se­gundo o grau de in­de­fen­som que poida so­frer a ví­tima e o grau de pro­te­çom que se lhe poida dar.

De nada serve ter umhas leis que con­de­nem a agres­som, in­clu­sive pe­nal­mente, se ao acu­di­res aos jul­ga­dos nom tés um mí­nimo per­curso de se­gu­rança que res­peite a dig­ni­dade das pes­soas de­nun­ci­an­tes, que se ato­pam, as mais das ve­zes, com um pes­soal po­li­cial, mé­dico e ju­di­cial sem nen­gumha for­ma­çom neste tipo de agres­sons que, mai­o­ri­ta­ri­a­mente, vam ques­ti­o­nar o seu relato.

Umha pers­pe­tiva fe­mi­nista in­ter­sec­ci­o­nal da abor­da­gem da de­fensa das vi­ti­mas deste tipo de agres­sons re­quer que le­ve­mos as nos­sas rei­vin­da­çons a ou­tro ní­vel, fu­gindo dos dog­mas, que som em si mes­mos e por de­fi­ni­çom, ex­clu­den­tes das re­a­li­da­des mais vulneráveis.

De nada serve ter umhas leis que condenem a agressom, inclusive penalmente, se ao acudires aos julgados nom tés um mínimo percurso de segurança.

Centrar as rei­vin­di­ca­çons fe­mi­nis­tas no cas­tigo dos agres­so­res e nas re­for­mas le­gais de­sa­ten­dendo todo o que ro­deia o am­paro eco­nó­mico e psi­cos­so­cial das mu­lhe­res ví­ti­mas des­tas agres­sons ma­chis­tas é um erro que nom dei­xa­mos de pa­gar bem caro. Como se vol­veu con­tra nós a su­posta vi­tó­ria de que fosse in­tro­du­zido no or­de­na­mento ju­rí­dico o de­lito de agres­som se­xual, por exem­plo, é pa­ra­dig­má­tico da ca­pa­ci­dade de rein­ven­çom do ca­pi­talo-pa­tri­ar­cado cri­mi­nal. Denuncia, di­zem, como se isso pu­gesse ponto fi­nal ao problema.

A he­ca­tombe em si­mul­tâ­neo à in­ter­po­si­çom dumha de­nún­cia (pe­rante qual­quer au­to­ri­dade, ju­di­cial ou nom) dumha agres­som ma­chista (ou ra­cista, ho­mó­foba ou por tor­tu­ras) nom se no­meia, nom se in­ter­vém e nom se de­bate, por­que isso im­plica um ques­ti­o­na­mento ra­di­cal do sistema.

Há que dei­xar de bus­car ta­lo­ná­rios de re­cei­tas onde es­co­lher a op­çom de rei­vin­di­ca­çom ou pauta de com­por­ta­mento a se­guir nes­tes ca­sos, acu­dindo a in­di­ca­çons de pro­fis­si­o­nais, pes­soas “ex­per­tas” na ma­té­ria que, por um lado evi­den­ciam a in­de­fen­som apren­dida que nos fai sen­tir-nos in­ca­pa­zes de re­sol­ver a si­tu­a­çom por nós mes­mas e, por ou­tro, per­mi­tem-nos elu­dir a cor­res­pon­sa­bi­li­dade de cada quem no seu âm­bito, seja o qual for, na cri­a­çom de es­pa­ços de pro­te­çom in­te­gral das pes­soas ví­ti­mas des­sas agres­sons para que o peso da sua de­nún­cia nom re­caia nelas.

Atualmente, de­nun­ciar umha agres­som ma­chista im­plica ele­var-se à ca­te­go­ria de he­roína, so­bre-ex­por-se tanto fí­sica como emo­ci­o­nal­mente e ser jul­gada polo teu en­torno fa­mi­liar, la­bo­ral e so­cial. Significa tam­bém, re­ce­ber vi­o­lên­cia ins­ti­tu­ci­o­nal ao nom te­rem-se es­ta­be­le­ci­dos ca­nais se­gu­ros de de­nún­cia que pro­te­jam a mu­lher do trauma psi­co­ló­gico de ter so­frido a agres­som, tendo que re­pe­tir con­ti­nu­a­mente pe­rante dis­tin­tos ato­res ju­rí­di­cos, so­ci­ais, po­li­ci­ais, as­sis­ten­ci­ais e mé­di­cos, o re­lato da agres­som so­frida. Umha me­dia de doze oca­si­ons, no mí­nimo (mui­tas das ví­ti­mas pas­sam das vinte).

Atualmente, denunciar umha agressom machista implica elevar-se à categoria de heroína, sobre-expor-se tanto física como emocionalmente e ser julgada polo teu entorno familiar, laboral e social. Significa também, receber violência institucional ao nom terem-se estabelecidos canais seguros de denúncia que protejam a mulher.

Nom exis­tem pro­to­co­los tam sim­ples e eco­nó­mi­cos como o de es­ta­be­le­cer a gra­va­çom da de­cla­ra­çom da ví­tima com fim de evi­tar que conte, caso poida, re­pe­ti­da­mente, o re­lato da agres­som so­frida. Nom há es­ta­be­le­cido um pro­to­colo de acom­pa­nha­mento para as ví­ti­mas no de­am­bu­lar ins­ti­tu­ci­o­nal que ne­ces­sa­ri­a­mente vam ter que fa­zer as­sim se in­ter­pom umha de­nún­cia. Existe, isso sim, a obri­ga­to­ri­e­dade de dar-lhes um pa­pel onde consta que, como ví­tima de de­li­tos vi­o­len­tos, tem de­ter­mi­na­dos di­rei­tos que nom che­gará quase nunca a sa­ber onde podê-los exercer.

Nom há a mais mí­nima in­ten­çom, por parte dos po­de­res pú­bli­cos, de pro­te­ge­rem in­te­gral­mente umha pes­soa ví­tima de vi­o­lên­cias po­lí­ti­cas, já for esta ma­chista, ra­cista ou am­bas, por­que a sua re­bel­dia con­tra essa si­tu­a­çom nom está pre­vista e nom é as­su­mí­vel. Aceita-se a sua exis­tên­cia no rol de ví­tima a so­frer, mas nom no de pes­soa re­cons­truída (as vi­o­lên­cias po­lí­ti­cas des­troem) e em­po­de­rada que exige re­pa­ra­çom e res­pon­sa­bi­li­da­des ao en­torno que sus­tenta essa violência.

Urge dei­xar de pro­cu­rar so­lu­çons ju­rí­di­cas e po­lí­ti­cas desde o fe­mi­nismo para aca­bar com as agres­sons ma­chis­tas, en­ten­dendo que es­tas si­gam a ser um sis­tema de de­fensa, mas só re­to­mando as ruas como forma de luita. Urge re­fun­dar o fe­mi­nismo na sua am­pla di­ver­si­dade onde nom dei­xe­mos atrás com­pa­nhei­ras e re­a­li­da­des ne­gando os nos­sos pri­vi­lé­gios. Urge re­nun­ciar a eles e exer­cer um fe­mi­nismo in­ter­sec­ci­o­nal e ver­da­deiro que nom poida ser en­go­lido polo sis­tema branco ca­pi­ta­lista, he­te­ros­se­xual e pa­tri­ar­cal, de volta a nós per­ver­tido em forma de le­mas nas ca­mi­se­tas da se­mana da moda de Zara.

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