
Despertamos do sonho da liberaçom pola tecnologia e caímos em braços da “tecnofobia”. As perguntas som outras: que agacha o aprazível do quotidiano? Que monstros medram na frustraçom?
Internet, a congregaçom digital democrática de oitenta, aparece três décadas depois como o inimigo que conhece o sistema, ferramenta chave do controlo social e espaço para os negócios da atençom que expulsa a democracia. Assim pensam os novos apocalípticos. Enfrentados com umha corte de integrados ‑os melhores cérebros das últimas geraçons trabalham para essas corporaçons que capitalizam a Rede‑, mas também para umha guerrilha de excluídos e excluídas que quer pelejar com as armas do poder. Internet é hoje “desordem e desinformaçom”, como di o antropólogo brasileiro Rafael Evangelista; umha (falsa?) esfera pública que era umha trampa para a colonizaçom, onde a base do negócio é a mala informaçom.
“Internet é umha ferramenta muito poderosa e produziu umha mudança radical na civilizaçom que já nom tem volta atrás. Vejo o copo meio vazio porque o que se nos prometia quedou deturpado polo caminho. Nom digo que nom haja espaço para essa outra Internet de cultura livre, mas somos minoria… todo o espaço foi ocupado polas grandes corporaçons”, constata Bárbara Román, advogada de NoLegalTech, umha firma com despachos em Vigo e Compostela. Ela conta umha anedota significativa. “Há pouco figem um inquérito entre o meu alunado de mestrado de advocacia na Universidade de Santiago de Compostela. Quando lhes perguntei: O que é Internet para vós? Todas as respostas fôrom a mesma: Google”.
“Temos certa tendência a botar-lhe a culpa a Internet de derivas sociais que nos resultam incómodas. É mais fácil dizer que Trump ou o Brexit manipulárom a populaçom que aceitar que há umha parte da populaçom que vota com ódio”, di Gemma Galdón, consultora no âmbito digital e analista de políticas públicas, afincada desde há dous anos na Corunha.
Gemma Galdón, consultora: “Temos certa tendência a botar a culpa a Internet de derivas sociais que nos resultam incómodas”
“A esquerda comprou esse discurso de que a gente votou Trump ou votou Brexit como consequência da manipulaçom. Mas a principal razom de que cresça o fascismo é que há muita gente que é fascista”, afirma Sergio Salgado, membro de Xnet, desde Barcelona. O coletivo leva onze anos na guerrilha. Primeiro, contra os monopólios do copyright, depois no 15M, e agora com a intençom de “pôr ao dia a democracia do século XXI através da Rede”. Há certa “tecnofobia” em parte da esquerda, assinala Salgado.
Román, Galdón e Salgado definem os limites do debate. O copo meio vazio, ou meio cheio. Quando falam da arquitetura da Rede, admitem que a promessa da neutralidade segue viva, ainda que a igualdade no acesso está muito longe de cumprir-se. Mas o uso das infraestruturas inclina a balança cara ao negócio e a vigilância em favor das empresas e os Estados, com os seus intermediários políticos e meios de comunicaçom.
O livro da jornalista Marta Peirnano, El enemigo conoce el sistema, converteu-se desde o ano passado na prova definitiva contra a Rede. Peirano começa e remata o seu ensaio com umha afirmaçom categórica: “as ferramentas do poder nunca servem para desmantelar o poder”.
“Nom podo estar mais em desacordo com essa frase”, protesta Sergio Salgado. “A guerrilha, de sempre, consistiu em colher armas do inimigo. A tensom entre centralizaçom e descentralizaçom é um movimento pendular. Em 1997, quando a borbulha das punto com, Douglas Rascoe dixo aquilo de perdemos para sempre… A borbulha estourou e deixou tudo convertido num vertedouro baixo o monopólio de Internet Explorer. Mas no 2001 apareceu Firefox, depois véu a blogosfera, que supujo umha sorte de Big Bang avançando o que hoje se fai em Instagram ou Twitter, e surdiu também a Wikipédia. Naquela altura, muita gente da minha geraçom abandonamos outras militâncias e abraçamos esta nova cultura política. Agora o momento é parecido, estám nascendo cousas que nos farám a vida melhor, nom só para sermos mais soberanos e autónomos, senom para gozar de melhores serviços que os que oferece Google”.
Sergio Salgado (Xnet): “Estám nascendo cousas que nos farám a vida melhor e gozar de melhores serviços que os que oferece Google”
Santiago Saavedra começou a desenvolver IUVIA em 2016 na procura de “serviços alternativos de software livre para fugir das grandes plataformas e reuni-los num sistema operativo coerente e útil para poder sacá-lo ao mercado”. Detrás de IUVIA, di, está a ideia de umha Internet “descentralizada” frente ao monopólio das corporaçons atuais que colocam o usuário ou usuária como simples consumidora que “descarrega conteúdos”. Mas também tenhem o compromisso de garantir a privacidade dos dados das pessoas e nom comerciar com eles.
“Esta preocupaçom pola privacidade que empeçamos a ter todas fijo que recuperemos a consciência de princípios de séculos a respeito do poder que tenhem as grandes empresas para limitar o que podemos conhecer de Internet”, explica Saavedra. O monopólio tem fendas, mesmo porque as próprias companhias mostram certa preocupaçom polos conteúdos que estám ajudando a difundir: “Twitter fazendo fact checking para o Trump”, aponta Saavedra.
Porém, avisa, o principal obstáculo “para sair da borbulha em que nos tenhem retidos” está na comodidade. “Viver aí dentro, onde as tuas opinions som constantemente reforçadas é cómodo; se sais, toparás gente que nom opina coma ti. Acaba sendo mais fácil aceitar notícias falsas que aceitar que che podam quitar a razom”.

Problemas para a democracia
“Nom creio que se lhe deva carregar a Internet com toda a responsabilidade. A Internet é democratizadora na medida em que o é o espaço público, todo o espaço público, em cada momento”, intervém Galdón. “A Internet nom é umha ameaça para a democracia: a democracia baseia-se no conflito, é um sistema para gerir o conflito de forma pacífica. A ameaça nom está na ferramenta, está na correlaçom de forças atuais”, sublinha Galdón. “Que passará se o próximo vírus é de carácter informático e ficamos sem Internet? Pois que haverá que ativar esses outros espaços de democracia, nom?”
Bárbara Román, que confessa que partilha a visom de Peirano, considera também que é preciso aproveitar essa crescente consciência de assalto à privacidade para fomentar mecanismos de autodefesa individuais e coletivos. “Quem se quiser defender, vai topar ferramentas em que apoiar-se; mas é certo que precisamos organizaçons coletivas como o Partido Pirata alemám, por exemplo, que atua diante das instituiçons”.
“A qualidade da democracia depende da nossa capacidade como sociedade para estar informadas”, assinala Santiago Saavedra, com o pano de fundo das reflexons do relator de Naçons Unidas sobre a liberdade de opiniom e expressom, David Kaye: “Em determinadas circunstâncias, a informaçom salva vidas. Em troca, as mentiras e a propaganda privam aos indivíduos de autonomia. A capacidade de pensar criticamente, a confiança em si próprios e nas fontes de informaçom e o direito a participar de todo tipo de debates melhora as condiçons sociais”.
De súbito, as guerras fam-se com memes. “As teorias da conspiraçom passárom a ser o marco propagandístico e os memes som a unidade de difusom básico. Desde há cinco ou seis anos a direita “memeou” melhor; e a esquerda reagiu de forma exagerada… Nom lhe dês de comer o troll!. Mas cevárom-no até convertê-lo em presidente dos EUA e do Brasil. Temos que mudar de estratégia, se nom, daremos-lhes o controlo da agenda, toda a atençom. E essa pode ser a forma que vai adotar o fascismo”, conclui Salgado.