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Imagem de umha cadeia humana solidária com os presos independentistas galegos.

A prisão como alongamento da luta política

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Imagem de umha cadeia humana solidária com os presos independentistas galegos.
Cadeia hu­mana so­li­dá­ria com as pre­sas po­lí­ti­cas in­de­pen­den­tis­tas ga­le­gas o pas­sado 24 de ju­lho. | ga­liza contrainfo

Em abril de 2004, o movimento anti-represivo basco celebrava uma Conferência Internacional de Solidariedade em Donostia. O encontro reunia 26 delegações dos cinco continentes com o objetivo de “criar laços de solidariedade” entre presos e presas políticas do mundo. Bascas, catalãs, corsas, bretãs, irlandesas, saarauís, palestinas, argentinas, chilenas… partilharam três jornadas de convívio nas que Galiza participou com uma comitiva formada por três integrantes. O evento concluiu com a instauração do 17 de abril como Dia Internacional das Presas Políticas. A efeméride, que cumpre o seu 19º aniversário, permite pôr a nu as práticas, transos e atitudes das militantes presas na atualidade.

O que é uma presa po­lí­tica? Não existe, ofi­ci­al­mente, uma de­fi­ni­ção exata ou um re­co­nhe­ci­mento por parte do sis­tema es­ta­tal res­pon­sá­vel do seu cau­té­rio. Apenas há a de­li­mi­ta­ção do termo à força de anos e prá­ti­cas po­li­ci­ais, ju­di­ci­ais e pe­ni­ten­ciá­rias. “Em Ocidente, por exem­plo, só em­pre­gam a eti­queta fora do seu ter­ri­tó­rio, em que dão em cha­mar ‘paí­ses não de­mo­crá­ti­cos’, mas não re­co­nhe­cem que nas suas ca­deias haja pre­sas po­lí­ti­cas”, ex­põe Yolanda Ferreiro Novo, ad­vo­gada e in­te­grante de Esculca, ob­ser­va­tó­rio para a de­fesa de di­rei­tos e liberdades.

Esta dis­tin­ção im­plí­cita nas prá­ti­cas e ati­tu­des es­ta­tais per­mi­tiu que mo­vi­men­tos ci­vis e po­lí­ti­cos che­ga­ram a um es­paço de con­senso so­bre o seu sig­ni­fi­cado. “Som um co­le­tivo que se auto-de­fine e en­tende que os de­li­tos pe­los quais são con­de­na­dos têm a ver com a sua ide­o­lo­gia po­lí­tica, com as suas ideias”, pro­põe Ferreiro. Em Ceivar, or­ga­nismo po­pu­lar anti-re­pres­sivo, coin­ci­dem em as­si­na­lar “a mi­li­tân­cia po­lí­tica na rua” como o de­to­nante para o en­car­ce­ra­mento, e tam­bém so­mam “a ati­tude de luta pe­los seus di­rei­tos” den­tro da cadeia.

Segundo os cál­cu­los de Ceivar, “atu­al­mente há 176 pes­soas que in­gres­sa­ram na ca­deia por cau­sas po­lí­ti­cas, se bem é pos­sí­vel que haja al­guma mais”

Presa po­lí­tica, en­tão, é aquela para quem a es­tân­cia em pri­são é uma re­a­ção re­pres­siva do Estado e, tam­bém, o alon­ga­mento da sua ati­vi­dade mi­li­tante. Não existe in­ter­rup­ção da prá­tica po­lí­tica, mas sim mu­dança de ce­ná­rio, com me­nos fer­ra­men­tas e uma mar­gem de ma­no­bra mí­nima. Aqui o Estado re­gu­la­riza o seu re­gime de vida e, ao mesmo tempo, con­verte o seu pre­sí­dio em es­tra­té­gia. “Não cessa em in­ten­tar des­viar o con­flito po­lí­tico da sua ori­gem: faz um tra­ba­lho cons­tante para se apro­priar da pers­pe­tiva his­tó­rica do pro­blema”, ates­tam as con­clu­sões fi­nais do en­con­tro de 2004.

Negar a exis­tên­cia das pre­sas po­lí­ti­cas, des­lo­car o foco à con­duta pu­nida e não es­ta­be­le­cer ne­nhum ou­tro re­curso so­cial para ge­rir o con­flito anula qual­quer pos­si­bi­li­dade de diá­logo e des­vir­tua a re­a­li­dade so­cial em eque nasce o pro­blema. Afasta mais a so­lu­ção, apro­xima-se à revanche.

Imagem de umha campanha solidária com os presos independentistas, que mostra umha mulher com umha bandeira da pátria galega numha mao e liberando um preso de entre umha janela com reixas com a outra mao.
le­an­dro lamas

Ideias perigosas

Os mo­ti­vos pe­los que as pes­soas che­gam a ser pre­sas po­lí­ti­cas são múl­ti­plas. Há pre­sas anar­quis­tas ou co­mu­nis­tas, res­pon­sá­veis de sa­bo­ta­gens ou ou­tros pro­tes­tos. Porém, a maior parte são in­di­ví­duos li­ga­dos “a mo­vi­men­tos de li­be­ra­ção na­ci­o­nal”, si­na­lam em Esculca, lu­tas onde con­ver­gem mui­tas sen­si­bi­li­da­des (fe­mi­nis­mos, de­fesa da terra, luta de clas­ses…). Eis os ca­sos do Curdistão, o Saara, a Argentina, Palestina…

Nas ci­fras do Estado es­pa­nhol, esta ten­dên­cia re­pete-se. Atualmente ainda con­ti­nuam em pri­são co­mu­nis­tas dos GRAPO e PCR, o anar­quista Pombo da Silva ou o rap­per anti-fas­cista Pablo Hásel, mas a mai­o­ria des­tas re­clu­sas es­tão li­ga­das ao in­de­pen­den­tismo basco e ga­lego. Os da­dos coin­ci­dem com a úl­tima me­mó­ria da Fiscalia, que iden­ti­fica os três prin­ci­pais ini­mi­gos do Estado: a ETA e a sua con­torna, os GRAPO e o mo­vi­mento in­de­pen­den­tista ra­di­cal galego.

Segundos os cál­cu­los de Ceivar, “atu­al­mente há 176 pes­soas que in­gres­sa­ram na ca­deia por cau­sas po­lí­ti­cas, se bem é pos­sí­vel que haja al­guma mais”. O não re­co­nhe­ci­mento do ca­rá­ter po­lí­tico das pre­sas di­fi­culta o re­gisto. Deste modo, se­gundo os úl­ti­mos da­dos de Instituciones Penitenciarias, hoje em dia há 56.614 pes­soas pre­sas, das quais só 7% som mu­lhe­res. Em con­sequên­cia, as pre­sas po­lí­ti­cas se­riam 0,31% da po­pu­la­ção re­clusa. “Nas dé­ca­das de 80 e 90 che­gou a ha­ver ar­re­dor de 900 pre­sos po­lí­ti­cos”, de­ta­lha Antom Garcia Matos, porta-voz do CPIG (Coletivo de Presos/as Independentistas Galegos).

Uma minoria organizada

Se bem som só um seg­mento das re­clu­sas, es­tas pre­sas des­ta­cam en­tre o resto pela sua mo­vi­men­ta­ção e ação co­le­tiva dum mesmo grupo po­lí­tico. A fronte co­mum é in­dis­pen­sá­vel con­tra as prá­ti­cas da ins­ti­tui­ção. Dentro das que his­to­ri­ca­mente fo­ram de­nun­ci­a­das des­ta­cam a in­ter­ven­ção das co­mu­ni­ca­ções, a li­ber­dade vi­gi­ada ao sair do cár­cere, as me­di­das agra­va­das para ace­der a di­rei­tos pe­ni­ten­ciá­rios, o FIES (Ficheiros de Internas de Especial Seguimento) e o fim da dispersão.

O FIES é um do­cu­mento ad­mi­nis­tra­tivo de­cla­rado nulo pelo Tribunal Constitucional há mui­tos anos por­que su­pu­nha uma mu­dança no re­gime de vida das pes­soas pre­sas”, lem­bra a ad­vo­gada de Esculca. Agora não exis­ti­ria tal fi­cheiro, “mas con­ti­nuam exis­tindo pes­soas às que se lhe aplica uma re­du­ção de di­rei­tos na ca­deia, re­cor­rendo a miúdo a san­ções como o iso­la­mento, a li­mi­ta­ção de co­mu­ni­ca­ções e ati­vi­da­des, ho­ras de pátio…”.

Se bem som só um seg­mento das re­clu­sas, es­tas pre­sas des­ta­cam en­tre o resto pela sua mo­vi­men­ta­ção e ação co­le­tiva dum mesmo grupo político

Por ou­tra parte, a dis­per­são das pre­sas por cen­tros pe­ni­ten­ciá­rios afas­ta­dos da sua re­si­dên­cia é uma me­dida que não conta com res­paldo le­gal. Hoje fica como um traço re­si­dual en­tre o co­le­tivo de pre­sas po­lí­ti­cas, ex­ceto Pombo da Silva, “ga­lego que acaba de ser des­lo­cado a Madrid”, fa­zem no­tar de Ceivar. Ferreiro, pelo con­trá­rio, põe ên­fase em que a me­dida não é “ex­clu­siva das pre­sas po­lí­ti­cas”, se­não que é uma in­jus­tiça da qual ado­e­cem to­das as pes­soas in­se­ri­das no sis­tema penitenciário.

Por seu lado, em Ceivar fa­zem no­tar o po­der do Estado em de­sa­ti­var aque­las va­gas de so­li­da­ri­e­dade com as pes­soas pre­sas. “Hoje há mu­dan­ças na dis­per­são, justo a ques­tão que mais em­pa­tia e apoio lo­grara so­ci­al­mente”, apon­tam. O or­ga­nismo tam­bém in­siste em as­si­na­lar a pos­si­bi­li­dade de di­rei­tos pe­ni­ten­ciá­rios se­rem usa­dos como “mo­eda de troca”, que po­de­ria neu­tra­li­zar os pro­tes­tos e as cor­ren­tes de co­la­bo­ra­ção co­mum en­tre presas.

Margem de ação mínima

Estas prá­ti­cas or­ga­ni­za­das e rei­vin­di­ca­ti­vas das re­clu­sas por ra­zões po­lí­ti­cas são muito li­mi­ta­das. “O je­jum, as gre­ves de fome e hi­gi­ene, as auto-mu­ti­la­ções… são pro­tes­tos muito ex­tre­mos por­que a mar­gem de ação é pe­quena”, fa­zem ver. Esta ati­tude de luta den­tro da ca­deia im­plica não en­trar em co­ni­vên­cia com o sis­tema, fu­gir de chan­ta­gens e de si­tu­a­ções que pos­sam li­mi­tar a sua luta e solidariedade.

O CPIG des­taca, en­tre es­tas ações, as gre­ves de fome dos GRAPO e PC® ou a de­so­be­di­ên­cia e re­vol­tas do EG para lo­grar o re­a­gru­pa­mento. “Contudo, cada cen­tro pe­ni­ten­ciá­rio é um pe­queno ecos­sis­tema, e nem sem­pre se mo­dula do mesmo jeito”, re­lata Matos. Encaixam es­tas de­cla­ra­ções no qua­dro de um dos úl­ti­mos co­mu­ni­ca­dos do co­le­tivo, que ad­vo­gou por “de­sa­ti­var a frente car­ce­rá­ria na­que­les as­pe­tos que im­pli­cam um pro­lon­ga­mento ine­ces­sá­rio da prisão”.

Do CPIG com­pa­ram o pre­sente ce­ná­rio “com os úl­ti­mos pre­sos do EGPGC”, que des­fru­ta­ram de per­mis­sões, “que são tão di­reito le­gal como par­ti­ci­par em ateliês”

Se a pri­são é um alon­ga­mento do con­flito na rua, Matos en­tende que “a luta con­tra o sis­tema pe­ni­ten­ciá­rio nunca foi um ob­je­tivo em si mesmo (…) pelo que cum­pre re­a­de­quar as tá­ti­cas car­ce­rá­rias, man­tendo li­nhas ver­me­lhas que pro­te­jam a nossa dig­ni­dade, já que o mo­vi­mento so­cial não deu mos­tras de re­va­li­dar as vias de ten­são so­cial”. Compara, da mesma ma­neira, o pre­sente ce­ná­rio “com os úl­ti­mos pre­sos do EGPGC”, que des­fru­ta­ram de per­mis­sões, “que são tão di­reito le­gal como par­ti­ci­par em ateliês”.

Comuns e políticas

Em de­fi­ni­tivo, as pre­sas po­lí­ti­cas po­dem ser dis­tin­gui­das das co­muns pelo mo­tivo do seu pre­sí­dio, mas so­bre­tudo a sua or­ga­ni­za­ção e, por ex­ten­são, o apoio. “Quantitativamente não são quem mais mal­trato ou tor­tura so­frem, mas som das mais con­fli­tu­o­sas com o sis­tema pelo seu co­nhe­ci­mento, a sua or­ga­ni­za­ção e os seus pro­tes­tos”, as­se­gura Yolanda Ferreiro.

A re­la­ção en­tre os dous gru­pos, que de­pende ex­clu­si­va­mente da pes­soa e do con­texto de cada cen­tro, deita luz so­bre di­le­mas ainda por ex­plo­rar. “É pos­sí­vel um es­tado de­mo­crá­tico com pre­sas po­lí­ti­cas?”, ques­ti­o­nam as con­clu­sões do en­con­tro de 2004. Quase vinte anos de­pois, a per­gunta ecoa. De Esculca lan­çam ou­tra. É pos­sí­vel in­te­grar as lu­tas de pre­sas po­lí­tico-ide­o­ló­gi­cas com as eco­nó­mi­cas, ou co­muns? É a luta con­tra o Estado, con­tra a pri­são, ou a fa­vor de uma ou­tra sociedade?

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