Periódico galego de informaçom crítica

A proibiçom de acudir a lugares virtuais: umha medida legal no processo penal?

por
fre­epk

O Tribunal Supremo, na re­cente sen­tença 547/2022, do 2 de ju­nho, di­tada polo Pleno da Sala do Penal e que conta com o voto par­ti­cu­lar de dous ma­gis­tra­dos, vem de ad­mi­tir que é pos­sí­vel im­por a pena de proi­bi­çom de acu­dir a lu­ga­res vir­tu­ais, ques­tom con­tro­ver­tida no plano ju­rí­dico e, desde logo, no so­cial e político.

O de­bate apre­sen­tou-se a raiz de um po­lé­mico caso acon­te­cido em 2017, quando um you­tu­ber acei­tou o reto de um se­gui­dor e se gra­vou in­tro­du­zindo pasta den­tí­frica numhas bo­la­chas para de­pois dar-lhas a umha pes­soa que se to­pava em si­tu­a­çom de ex­clu­som. Isto tivo umha forte di­fu­som nas re­des so­ci­ais, onde al­can­çou o mi­lhom de vi­su­a­li­za­çons. Este su­jeito foi con­de­nado por um de­lito con­tra a in­te­gri­dade mo­ral à pena de quinze me­ses de pri­som e, as­sim mesmo, com a agora con­fir­mada pena de proi­bi­çom de acu­dir ao lu­gar vir­tual YouTube por um tempo de cinco anos.

A atu­a­çom tam de­gra­dante do con­de­nado pro­duz in­dig­na­çom e en­fado e, mesmo, pode le­var-nos a pen­sar que se trata de umha pena justa e pro­por­ci­o­nada. Porém, cum­pre abs­trair-se do caso con­creto e ana­li­sar como se adota esta pena e se conta com o su­porte le­gal, as­sim como re­fle­xi­o­nar co­le­ti­va­mente sob a sua sig­ni­fi­ca­çom e efeitos.

Cumpre re­fle­xi­o­nar se que­re­mos ca­mi­nhar cara a umha so­ci­e­dade em que le­gi­ti­me­mos as res­tri­çons da li­ber­dade de ex­pres­som pola via ju­di­cial baixo a falsa ideia da proteçom

Quando fa­la­mos do po­der pu­ni­tivo re­fe­rimo-nos à fa­cul­dade de de­fi­nir e cas­ti­gar ou im­por pe­nas que, ex­clu­si­va­mente, é la­bor do es­tado. Esta fa­cul­dade, de­no­mi­nada ius pu­ni­endi, topa os seus li­mi­tes numha sé­rie de ga­ran­tias fun­da­men­tais que con­for­mam os prin­cí­pios que de­vem in­for­mar o Direito Penal. A pe­dra an­gu­lar des­tas ga­ran­tias é o prin­ci­pio de le­ga­li­dade, que im­plica que nom pode im­pu­tar-se a nin­guém num de­lito nem cas­ti­gar-se com umha pena que nom fosse es­ta­be­le­cida por lei com an­te­ri­o­ri­dade à sua per­pe­tra­çom. Isto re­pre­senta a luita con­tra a in­se­gu­ri­dade e in­cer­teza, de modo que o po­der pu­ni­tivo do es­tado fica in­se­rido den­tro de uns li­mi­tes pre­ci­sos e os di­rei­tos in­di­vi­du­ais ga­ran­ti­dos frente a qual­quer even­tual in­ter­ven­çom ar­bi­trá­ria dos po­de­res pú­bli­cos. Do prin­cí­pio de le­ga­li­dade de­ri­vam-se qua­tro ga­ran­tias: a cri­mi­nal, a pe­nal, a pro­ces­sual ou ju­ris­di­ci­o­nal e a pe­ni­ten­ciá­ria ou de execuçom.

Neste ponte va­mos de­ter-nos na ga­ran­tia pe­nal, re­co­nhe­cida no ar­tigo 2.3 do Código Penal, que im­plica a proi­bi­çom de im­por pe­nas que nom fos­sem pre­vis­tas com an­te­ri­o­ri­dade para aquela clase de de­lito, tanto no re­la­tivo à na­tu­reza da pena como no re­fe­rente à sua duraçom.

Ao re­fe­rir-nos às pe­nas, ten­de­mos pen­sar au­to­ma­ti­ca­mente na pri­som, pois é a pre­vista para a maior parte dos de­li­tos, para além de ser a mais afli­tiva. Porém, exis­tem ou­tros ti­pos de pe­nas às que lhe pres­ta­mos me­nos aten­çom e que po­dem con­di­ci­o­nar muito a quo­ti­di­a­ni­dade de quem as so­fre, ao res­trin­gir ou­tros di­rei­tos fun­da­men­tais da pes­soa. Assim acon­tece com a pena pre­vista no art. 48.1 CP, re­la­tiva à pri­va­çom do di­reito a re­si­dir em de­ter­mi­na­dos lu­ga­res ou acu­dir ao lu­gar onde se co­me­tesse o de­lito ou, mesmo, aquele onde re­sida a ví­tima ou a sua fa­mí­lia, caso de se­rem distintos.

fre­e­pik

Pois bem, no caso do you­tu­ber, o pleno do TS in­ter­preta que esta pena de pri­va­çom de acu­dir ao lu­gar em que se co­mete o de­lito in­clui os lu­ga­res vir­tu­ais e nom só os fí­si­cos, sen­tando dou­trina so­bre esta ques­tom. Considera que os fei­tos in­jus­ti­ça­dos nom po­dem re­du­zir-se à via pú­blica, se­nom que existe um es­paço vi­ru­tal onde a le­som à dig­ni­dade é muito mais pre­ju­di­cial e que a apli­ca­çom de in­ter­net in­ten­si­fi­cou a sen­tença pe­nal da con­duta. Trata-se de re­con­du­zir se den­tro do lu­gar de co­mis­som do de­lito po­de­mos en­ten­der nom só os es­pa­ços fí­si­cos, se­nom tam­bém os es­pa­ços vir­tu­ais de en­con­tro e co­mu­ni­ca­çom que se criam na Internet, con­si­de­rando o TS que, efei­ti­va­mente, o ci­be­res­paço pode ser o lu­gar do delito.

Nom obs­tante, no voto par­ti­cu­lar ad­ver­tem os dous ma­gis­tra­dos que sig­na­tá­rios so­bre o grave risco de ul­tra­pas­sar a li­nha ver­me­lha que marca o prin­cí­pio da le­ga­li­dade das pe­nas, su­bli­nhando que quando se trata de de­ter­mi­nar o al­cance da nor­mal pena, os juí­zes nom po­dem atri­buir sig­ni­fi­ca­dos aos ter­mos da lei nom con­tem­pla­dos nesta em pre­juízo da pes­soa acusada.

Apontam, por ou­tra banda, que ad­mi­tindo a proi­bi­çom de acu­dir a lu­ga­res vir­tu­ais está a in­ci­dir-se no di­reito da li­ber­dade de ex­pres­som e na li­ber­dade de re­ce­ber opi­ni­ons e in­for­ma­çom, polo que se res­tringe a ca­pa­ci­dade de co­mu­ni­ca­çom, nom a li­ber­dade am­bu­la­tó­ria, a qual afeta a um di­reito fun­da­men­tal com um ní­vel de pro­te­çom maior.

É pre­ciso ada­tar o or­de­na­mento ju­rí­dico às no­vas re­a­li­da­des, mas isto nom deve fa­zer-se for­çando os mol­des do Direito Penal em de­tri­mento das garantias

Devemos ter em conta que esta pena nom ga­rante que a pes­soa con­de­nada nom volte atuar frente a ví­tuma, em tanto que pode ace­der a ou­tras pla­ta­for­mas da Internet e se­guir su­bindo ví­deos. Ao nom ga­ran­tir-se a in­dem­ni­dade do pre­ju­di­cado, a fi­na­li­dade da pena di­lui-se, dando lu­gar a umha in­ter­pre­ta­çom con­trá­ria ao réu proi­bida polo nosso sis­tema le­gal. Ademais, nom ha­ve­ria obs­tá­culo para que se ado­tasse em fase de ins­tru­çom como me­dida cau­te­lar, pro­vo­cando umha cen­sura par­ti­cu­lar e in­di­vi­du­a­li­zada en­quanto a pre­sun­çom de ino­cên­cia con­ti­nua vigente.

A pre­sença das no­vas tec­no­lo­gias no nosso en­torno é in­ques­ti­o­ná­vel, polo que é pre­ciso ada­tar o or­de­na­mento ju­rí­dico às no­vas re­a­li­da­des, mas isto nom deve fa­zer-se for­çando os mol­des do Direito Penal em de­tri­mento das ga­ran­tias deste, que neste âm­bito co­bram umha im­por­tân­cia ca­pi­tal dada a re­le­vân­cia dos di­rei­tos e in­te­res­ses em jogo.

Em úl­timo lu­gar, cum­pre re­fle­xi­o­nar­mos co­le­ti­va­mente so­bre se que­re­mos ca­mi­nhar cara a umha so­ci­e­dade em que le­gi­ti­me­mos as res­tri­çons da li­ber­dade de ex­pres­som, re­cla­mando e apoi­ando li­mi­ta­çons a di­rei­tos fun­da­men­tais pola via ju­di­cial baixo a falsa ideia da pro­te­çom. Consideramos que esta de­riva pom em ques­tom as nos­sas li­ber­da­des, que re­al­mente re­sul­tam mais ame­a­ça­das polo sis­tema re­pres­sivo que pola criminalidade.

O último de Panóptico

Ir Acima