Nos últimos números do Novas da Galiza abordou-se um dos temas que, nom sendo novo, voltou ao debate social sobre as saídas para a crise.
A Renda Básica é umha medida económica de proteçom da populaçom mais empobrecida e desfavorecida mas nom para a superaçom das desigualdades nem da pobreza mediante o ataque às suas causas profundas
Assim, na reportagem do número de junho ofereceu-se a visom que sobre a Renda Básica tenhem diferentes coletivos sociais defensores da sua necessidade estratégica, enquanto no número de julho a Renda Básica foi impugnada com base nos limites físicos do planeta para sustentar a atual civilizaçom e os seus sistemas de proteçom estatal.
Gostava, nestas linhas, de apresentar umha análise crítica da que tem vindo a converter-se numha das “propostas estrela” nom só para boa parte da esquerda, mas também –por motivos diferentes– para alguns setores burgueses.
Tentarei fazê-lo mediante o esclarecimento de alguns conceitos ou categorias que, sem umha definiçom rigorosa, podem sustentar análises idealistas que vam da defesa incondicional da Renda Básica como proposta “anti-sistema”, à sua negaçom radical com base na sua “insustentabilidade” ambiental.
Por essa via, tentaremos argumentar os limites da Renda Básica como o que ela é: umha medida económica de proteçom da populaçom mais empobrecida e desfavorecida, mas nom para a superaçom das desigualdades nem da pobreza mediante o ataque às suas causas profundas.
Trabalho vs. emprego, riqueza vs. valor e produçom vs. distribuiçom
A reportagem que nos serve de ponto de partida leva um título bem significativo: “Libertar-se do trabalho?”. Citando o coletivo Renda Básica Universal de Compostela, assinala-se a aparente contradiçom entre a chamada “crise do mercado de trabalho” e a afirmaçom de que tanto a produtividade como a riqueza estám a crescer globalmente, “mas o problema está na distribuiçom”.
Umha vez que estamos a falar de um sistema económico de tipo capitalista, será imprescindível entom estabelecermos as distinçons entre os pares que encabeçam esta epígrafe.
1º Trabalho vs. emprego: O trabalho está na base da nossa constituiçom como espécie e seria impossível a nossa reproduçom enquanto ser social sem essa atividade exclusiva do ser humano. Certamente, ao longo da história o trabalho tem adotado diferentes formas (caçador-coletor, escravo, servil…), até a forma assalariada se converter em totalmente hegemónica, como hoje é. Julgamos, por isso, que a crítica dirigida ao “trabalho” deveria ter como alvo o “emprego”, quer dizer, o “trabalho assalariado” próprio das relaçons mercantis-capitalistas. O objetivo entom deverá ser ultrapassarmos a sua forma assalariada e atingirmos o trabalho emancipado como via de rutura com o trabalho alienado na sua forma atual.
O aumento da produtividade dá origem a mais mercadorias por um preço menor, reduzindo a taxa de lucro burguesa e originando crises
2º Riqueza vs. valor: É verdade, como afirmam no coletivo RBU de Compostela, que a riqueza, entendida em termos quantitativos como produçom de utilidades sociais, está a aumentar, em boa medida graças à produtividade crescente, mas isso nom garante um melhor funcionamento em termos de lucratividade, porque mais riqueza nom implica mais valor económico. Ao invés, o aumento da produtividade dá origem a mais mercadorias por um preço menor, reduzindo a taxa de lucro burguesa e originando crises como a que assistimos na última década. Haverá que lembrar que ela nom foi umha crise de subproduçom, e si de superproduçom, e que dessas se sai mediante a destruiçom de forças produtivas, expansom a novos mercados e aumento da intensidade da exploraçom do único elemento do processo produtivo capaz de produzir valor novo: a força de trabalho que os trabalhadores e trabalhadoras vendem no chamado “mercado de trabalho”. Isso explica o brutal aumento da desigualdade entre o peso económico das “rendas do trabalho” (salários) e o das “rendas do capital” (mais-valia) verificado nesta última década na Galiza.
3º Produçom vs. distribuiçom: Situar o problema na esfera da distribuiçom equivale a assumir como inevitável a relaçom económica de exploraçom da força de trabalho, a qual, como sabemos, acontece principalmente na esfera da produçom e funda o sistema capitalista. Soluçons “redistributivas” como a Renda Básica até podem representar legítimas ferramentas compensatórias, mas nom “alternativas globais” para transformar o sistema. Para tal é preciso o questionamento radical da natureza intrínseca e crescentemente desigual do atual modo de produçom.
A Renda Básica na perspetiva dos capitalistas…
Todavia, nom só algumhas esquerdas proponhem algum tipo de “renda básica” como alternativa à “pobreza”. Há também economistas, forças políticas e governos abertamente burgueses que também a proponhem, embora por motivos diferentes. Se na esquerda se exagera o papel da Renda Básica enquanto ferramenta redistributiva (combinada com políticas fiscais que obriguem os mais ricos a pagarem mais impostos e a financiar assi a tal RB), setores capitalistas valorizam-na como forma de abrandar as contradiçons económicas surgidas da dinámica de exploraçom crescente da força de trabalho, inerente à dinámica de valorizaçom do capital.
O objetivo neste caso é evitar umha eventual explosom social derivada da pauperizaçom de mais e mais camadas populares, nomeadamente a crescente populaçom excedente de um processo produtivo que expulsa cada vez mais trabalhadores e trabalhadoras.
…e do decrescentismo
Chegados a este ponto, vê-se logo a escassa releváncia de reduzir a questom, como Manuel Casal fai no seu artigo, à perspetiva de um inevitável colapso do sistema por esgotamento de recursos energéticos fósseis. Ainda sem entrarmos aqui no assunto do colapso, parece pouco justificável reduzir a crítica à Renda Básica só a motivos de tipo ambiental. Haverá também que levar em conta a lógica da reproduçom social descrita nestas linhas, umha vez que as críticas aqui argumentadas mantenhem total vigência com ou sem fim da produçom de petróleo, gás e carvom.
E porque nom repartir o trabalho?
A centralidade do trabalho cooperativo livre nunca se dará se a aspiraçom central for que a classe dominante redistribua a riqueza
Umha última consideraçom sobre a Renda Básica leva-nos a formular essa pergunta, que aponta para o caráter explorador do sistema. Menos horas de trabalho, mesmo que seja ainda assalariado, repartido entre toda a populaçom ativa e sem reduçom salarial, assinala o único elemento prescindível do processo produtivo, dado o seu caráter parasitário. Referimo-nos ao burguês proprietário dos meios de produçom, personificaçom da imprescindível lucratividade do capital que garante a continuidade do processo de acumulaçom em termos capitalistas.
Do questionamento da figura do dono da empresa, cujo lucro obstaculiza a repartiçom de trabalho sem perda de salário, à afirmaçom da centralidade do trabalho cooperativo livre ao serviço das necessidades coletivas do ser humano e nom do lucro de umha minoria, há só um passo; no entanto, esse passo nunca se dará se a nossa aspiraçom central for só que a classe dominante “redistribua”, mediante rendas básicas, umha fatia maior dos seus chorudos rendimentos provenientes da exploraçom mediante o trabalho assalariado.