Encruzilhada de etnias e culturas. A República do Tajiquistám vem de sofrer umha guerra civil na última década do século passado. O menor em superfície dos “stám” é umha república presidencialista, onde o chefe de estado, Emomali Rahmon, está a se perpetuar no poder. Encravado no coraçom da Ásia Central, esta república algodoeira de raízes persas olha para o futuro, com vontade de encaminhar o seu rumo.
O Tajiquistám está cingido polo Quirguistám, a China, o Afeganistám e o Uzbequistám. A sua organizaçom territorial compreende o Oblast Autónomo do Gorno-Badakhstán, Oblast Sughd, Oblast Khatlon e 11 Distritos de Subordinaçom Republicana. Quanto à sua atual localizaçom geográfica, o povo tajique encontra as suas origens em populaçons sedentárias assentadas entre as antigas Báctria e Corásmia –a diferença da tradiçom nómada dos quirguizes–, que se estendiam desde o Mar de Aral até a cordilheira do Pamir.
O Islám chegou a Ásia Central no século VII, quando a conquista árabe. Contudo, os feudos tribais da regiom fôrom enfraquecendo o poder dos árabes, favorecendo o controlo do império Samânida –dinastia iraniana– na regiom. Assim, acredita-se a forte pegada que povos de matriz indo-europeia, como a Báctria ou a Sogdiana, exercêrom sobre os tajiques.
Hoje dos quase 30 milhons de tajiques no mundo, a maioria mora no Afeganistám, seguido em número polo Tajiquistám, Uzbequistám, Cazaquistám, Quirguistám, Turquemenistám, Paquistám, Rússia e China.
O Badaquistám Montanhoso
Situado na proeminente Cordilheira do Pamir, a República Autónoma do Gorno-Badakhstan está bordejado ao sul e oeste polo Afeganistám e a leste pola chinesa Regiom Autónoma Uigur do Xinjiang. Foi instituído em 1925 como ente autónomo e incorporado à RSS(1) tajique em 1929, para proteger ‑aparentemente- os traços culturais. Atinge o 45% da república tajique, mas a populaçom que mora nestas terras nom supera o 3%. O rio Panj –a sul– conforma a fronteira natural com o Afeganistám. Na borda esquerda –ou seja em terras afeganas– encontra-se o corredor de Wakhan, na regiom homónima do Badaquistám, criada no século XIX polo Império Britânico, para a Rússia nom se internar na Índia britânica, por onde o Paquistám atual.
Os pamiris e tajiques diferem na doutrina islâmica, já que a pertença dos primeiros ao ismaelismo ‑no ramo xiita do Islám- contrasta com a dos tajiques, de maioria sunita.
Língua e etnia tajique
O tajique é umha língua iraniana enquadrada no ramo sudoeste do persa moderno. Discorda com a raiz iraniana sudeste dos pamiri, tal e como o pastó, falado no Afeganistám. No século VIII, os antigos moradores da Ásia central chamavam tajiques aos conquistadores árabes, para designar os muçulmanos sedentários –daquela iranófonos– em confronto aos nómadas, de maioria turcófona.
Até começos da década de 20 do século passado, a língua literária dos tajiques era o persa clássico, escrito com carateres árabes. Nas conversaçons diárias empregavam vários dialetos da mesma língua. Na década seguinte, o passo do alfabeto árabe ao alfabeto latino originárom formas dialetais na língua escrita, engendrando umha língua diferente ao persa. O idioma acabou de mudar em 1940, quando o alfabeto cirílico substituiu ao latino. Durante todo o período soviético a língua tajique, isolada do resto dos dialetos persas, modernizou o seu vocabulário com palavras russas.
Guerra civil e atualidade
Em 1991, Rahmon Nabiyev alcançava o poder por segunda vez, após vencer nas primeiras eleiçons democráticas da república recém-constituída. A deriva ultranacionalista do presidente –expulsando russos e judeus do país- acelerou o começo da guerra civil, acontecida entre os anos 1992 e 1997. A dura oposiçom que Nabiyev mantinha com os grupos étnicos do Gorno, gharmis e pamiris –as outras duas minorias, leais ao presidente, eram os khoyandi e os kulyabi- chegou até a proibiçom de terem representaçom no governo, polo que liberais, democratas e islamistas conformam a Oposiçom Tajique Unida. Depois, a colaboraçom da OTU com os Talibans e Al Qaeda acirrou o início da guerra.
Em 1993, após a morte do presidente Nabiyev em estranhas circunstâncias, o pró-comunista Emomali Rahmonov –desde 2007 Rahmon, para adotar a versom persificada do árabe Rahman- tentava unificar o país e pôr fim à guerra. A capital, Dusambé, conquistada polos jihadistas, foi recuperada rapidamente polos paramilitares Kulyabi –milícias dessa etnia tajique, que depois seriam acusados de limpeza étnica contra Gharmis e Pamiris- e mais polo exército russo. Este processo inicial repercutiu na radicalizaçom do Partido do Renascimento Islâmico, impulsionando a entrada de jihadistas desde o Afeganistám.
Em 1996 acorda-se um cessar-fogo entre o governo de Rahmon e o chefe da oposiçom fundamentalista islâmica, Aid Abdulá Nuri, que permitiria um governo de coligaçom com participaçom islamista. Também se limitava a capacidade de reeleiçom do presidente e autorizava-se a livre constituiçom de partidos islamistas. Assim e tudo, começa outro período conturbado. O espalhamento do fundamentalismo justificavam as medidas a prol da firmeza e a estabilidade. As ânsias de poder do presidente do Partido Democrático Popular provocou um acrescentamento dos níveis de repressom política e violaçons maciças dos direitos humanos. Em 2016, o governo tajique convoca e vence num referendo, onde desaparece qualquer restriçom na reeleiçom presidencial, além da aprovaçom doutras reformas que favoreciam a consolidaçom no poder.
Hoje, Rahmon continua a acomodar o seu regime dinástico, ocupando os seus familiares os principais postos políticos e empresariais do país; o seu filho, Rustam Emomali, foi investido recentemente prefeito de Dusambé, após dirigir a supervisom financeira e contra a corrupçom do país. A sua filha, Rushona Rahmonova é a ministra de exteriores e mais sua outra filha, Ozoda, dirige o gabinete de governo.
A nossa viagem
Partindo do Quirguistám, o acesso ao Gorno polo passo fronteiriço Kyzyl Art é o preâmbulo para contemplar o imponente maciço do Pamir. Após percorrer 30 quilómetros de terra nullius a 4200 metros de altitude, os picos das montanhas começam a se misturar, até intuir que no fundo alçam-se os suntuosos picos Ismail Somoni –antigo Comunismo, de 7.495 m– e o pico Lenine de 7.165 msnm. Seguindo uns quilómetros a paisagem muda, pola irrupçom do lago Karakul –formado polo impacto de um meteorito–, combinando com os picos nevados que fogem direçom à China.
Nom deixávamos de pensar que aquela era a terra dos pamiris. A primeira paragem foi aldeia de Murgab. As construçons das moradas eram retangulares, com os tetos planos. Passamos a noite numha hospedagem modesta e agradável, onde a senhora Erali. Após um bom repouso num chao confortável, tínhamos que apanhar transporte para irmos ao seguinte ponto, a capital do Gorno, Khorug. Partilhamos um todo-o-terreno com uns moços da vila –que ofereciam um serviço de transporte nom oficial– após arranjarmos um bom preço para todas as partes. Além de nós, transportavam todo tipo de víveres, mesmo umha cabra viva no porta-bagagem. A comunicaçom era difícil, já que apenas falavam russo e nom aprofundamos muito nas conversaçons. Logo começamos a fitar no som das línguas iranianas e mais nas vistas dos picos Marx e Engels, o rio Panj e a fronteira com o Afeganistám, durante as 10 horas de viagem por estradas sem pavimento.
Por fim chegamos a Khorug. A primeira recomendaçom foi que nom ficáramos no centro da cidade, porque era a mais instável do país. A única referência era uma albergaria para jovens, que vinha a ser um hostel para guiris. Era barato, já que o tempo estava bom e podia-se dormir num lugar tranquilo –e à intempérie– por três dólares. Durante o dia descobrimos a cidade e a gastronomia: oferecia-se laghman, shurpa, macarrons ou o sempre ubíquo plov. Depois, na hora de conhecer a vila, o ambiente percebia-se um bocado hostil. Logo certificamos que tinha muito a ver com os cruentos sucessos da guerra civil, que bateu com força na vila.
O próximo destino era a antiga Stalinabad, hoje Dusambé. A duraçom da viagem foi de 17 horas, numha mashrutka muito reduzida cheia de europeus, saxons e israelitas, que na maioria vinham de fazer montanhismo. Sem dúvida foi umha das partes mais duras. A atraçom, ou, melhor, a curiosidade infelizmente manipulada pola guerra, era divisar os povos isolados do Afeganistám a poucos metros de distância, desde a outra beira do Rio Panj. Na metade da viagem, quando cruzamos a alfândega entre o Gorno e o Tajiquistám –o visado para o Gorno som 20 dólares, mais os 50 do Tajiquistám–, as autoridades figérom um registo completo da equipagem e documentaçons. Chegadas a Dusambé, a dinâmica com a polícia foi intensa, já que faziam registos com muita frequência e total impunidade. Os dirigentes legitimam a forte repressom sobre a populaçom, devido ao jihadismo e mais por ser umha das vias de passo principais de ópio, entre outros motivos.
Já no final do percurso polo país tajique, paramos em Panjakent. O objetivo era chegarmos diretamente a Samarcanda –a só 60 quilómetros de distância– mas a estrada estava bloqueada polas tensons entre os dous países. Aproveitamos para visitar a antiga cidade –Património da Humanidade– de Sarazm, de grande valor arqueológico, que acredita a presença humana naquelas terras já no ano 5000 a.C. A circunstância da fronteira fechada levou-nos a Leninabad –hoje Khujand– no vale de Fergana, onde deu para ver o rio Amu Dária e gozar do mercado. Foi umha surpresa aprazível, já que em todo o percurso era a primeira vez que apreçávamos a arquitetura islâmica. Também dispunha de umha fortaleza do século V a.C., paragem obrigatória na Rota da Seda. De grandes dimensons, foi derrubada por Gengis Khan, logo de umha mortífera batalha contra o conquistador nómada, Tamerlám.
Seja como for, conseguimos entrar no Uzbequistám percorrendo mais três vezes a distância prevista. Quem espera sempre alcança.
1 Ver capítulo do Quirguistám no Novas da Galiza de junho, onde se explica o que é umha RSS e RSSA.