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A saúde mental na investigaçom

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Com a crise do coronavirus fai-se ainda mais patente a importância da investigaçom para o nosso desenvolvimento como sociedade. Mas a investigaçom nom é algo abstrato: por trás dela há um feixe de pessoas que luitam por levar a cabo o seu trabalho num sistema altamente competitivo, individualista e precário.  Falamos com varias delas, em conjunto, sem nomes nem apelidos. Como afeta isto à sua saúde mental?

Segundo um es­tudo re­a­li­zado em Bélgica e pu­bli­cado pola em­presa de aná­lise in­ter­na­ci­o­nal Elsevier em 2017, a me­tade de es­tu­dan­tes pre-dou­to­rais deste país so­frem no mí­nimo dous sin­to­mas as­so­ci­a­dos com pro­ble­mas de saúde men­tal, umha per­cen­ta­gem maior ao resto de tra­ba­lha­do­ras tam­bém com es­tu­dos su­pe­ri­o­res. E quem som as pre-dou­to­rais? Um co­le­tivo que está a re­a­li­zar o seu pri­meiro grande tra­ba­lho de in­ves­ti­ga­çom, a tese de dou­to­ra­mento, que no atual sis­tema uni­ver­si­tá­rio deve re­ma­tar-se en­tre os três e os cinco anos. Antes esta tese po­dia re­a­li­zar-se mesmo em dé­ca­das e era pos­sí­vel com­pa­ti­bi­liza-la com um em­prego, até na pró­pria uni­ver­si­dade. O atual sis­tema impossibilíta‑o, abo­cando-as a fi­car à for­tuna de con­vo­ca­tó­rias de aju­das pre-dou­to­rais (que som es­cas­sas), pois a pos­si­bi­li­dade para com­pa­gi­nar umha tese com um ou­tro em­prego é quase im­pos­sí­vel (e, caso ser pos­sí­vel, som plu­ri­em­pre­ga­das a quem nom se lhes re­co­nhece um dos seus empregos).

Além disso, umha vez re­ma­tada a tese, as di­fi­cul­da­des para ace­der a um posto no sis­tema uni­ver­si­tá­rio som igual­mente com­pli­ca­das, o qual se agrava no caso das áreas de Humanidades e Ciências Sociais. “Entre umas bol­sas e ou­tras” –co­menta uma das en­tre­vis­ta­das, pos-dou­to­ral na UVigo– “levo a tra­ba­lhar in­ter­mi­ten­te­mente na mesma uni­ver­si­dade desde no­vem­bro de 2008 até hoje com um to­tal de 11 con­tra­tos diferentes”.

O peso da produtividade

Este ní­vel de in­se­gu­rança la­bo­ral e pre­ca­ri­e­dade nom vem só. À in­cer­teza pro­vo­cada po­los con­tra­tos por obra, no me­lhor dos ca­sos, acres­centa-se-lhe umha di­nâ­mica pró­pria da in­ves­ti­ga­çom: um sis­tema que exige umha pro­du­ti­vi­dade cons­tante, na qual as in­ves­ti­ga­do­ras de­vem ser tam­bém do­cen­tes, di­vul­ga­do­ras, pu­bli­car em re­vis­tas de im­pacto ou or­ga­ni­zar sim­pó­sios, en­tre ou­tras cou­sas, e no que esta pro­du­ti­vi­dade se as­so­cia di­re­ta­mente com a iden­ti­dade pró­pria. Na aca­de­mia, umha é quanto que os seus su­ces­sos aca­dé­mi­cos e, de facto, o so­fri­mento é algo que se va­lora e mesmo se prémia.

O sis­tema exige umha pro­du­ti­vi­dade cons­tante na qual as in­ves­ti­ga­do­ras de­vem ser tam­bém do­cen­tes, di­vul­ga­do­ras, pu­bli­car em re­vis­tas ou or­ga­ni­zar simpósios

Isto torna es­pe­ci­al­mente com­plexo de­vido à falta de li­mi­tes ho­rá­rios da in­ves­ti­ga­çom, a ine­vi­tá­vel au­to­e­xi­gên­cia e umha fi­lo­so­fia que fi­nal­mente con­se­gue que as tra­bal­la­do­ras se au­to­ex­plo­rem, bem para po­der con­ti­nuar no mundo aca­dé­mico, bem por pura autorrealizaçom. 

Quando se en­con­tram pe­rante qua­dros de es­tresse ou an­si­e­dade pro­vo­ca­dos polo tra­ba­lho, en­tra en jogo um sis­tema sa­ni­tá­rio des­mon­tado e al­ta­mente me­di­ca­li­zado, no qual es­cas­seiam os re­cur­sos para fa­zer frente a es­tes problemas. 

Isolamento e individualismo

A fi­lo­so­fia da aca­de­mia” –conta umha com­pa­nheira— “nom pro­move o fluxo in­ter­re­la­ci­o­nal das dou­to­ran­das nem ajuda a que es­tas for­mem re­des para além de um con­texto pu­ra­mente aca­dé­mico. Isso con­tri­bui para um iso­la­mento tanto in­di­vi­dual, den­tro da co­mu­ni­dade uni­ver­si­tá­ria, como co­le­tivo, a res­peito de ou­tras profissionais”.

Este iso­la­mento pro­voca umha bar­reira tam­bém en­tre in­ves­ti­ga­do­ras e sin­di­ca­tos. Precisamente, por se tra­tar de um co­le­tivo tam he­te­ro­gé­neo e um sis­tema muito opaco, os pró­prios sin­di­ca­tos des­co­nhe­cem em grande me­dida as suas pro­ble­má­ti­cas. Por ou­tra banda, as pes­soas in­ves­ti­ga­do­ras nom se ache­gam ao mundo sin­di­cal nom sendo que te­nham pro­ble­mas con­cre­tos re­la­ci­o­na­dos com con­tra­tos ou pres­ta­çons, já que o in­di­vi­du­a­lismo im­pe­rante in­culca que deve pro­cu­rar-se o bem para um, nom o bem para to­das. Esta ló­gica afeta es­pe­ci­al­mente às pes­soas de classe obreira, que sen­tem fre­quen­te­mente o sín­drome da impostora.

As in­ves­ti­ga­do­ras nom se ache­gam ao mundo sin­di­cal nom sendo que te­nham pro­ble­mas con­cre­tos re­la­ci­o­na­dos com con­tra­tos ou prestaçons

É uma sen­sa­çom que me acom­pa­nha a cada mo­mento” –co­menta um com­pa­nheiro– “quando al­gumha cousa me sae mui bem ‑por se me saiu de chi­ripa e es­tou a en­ga­nar a gente‑, ou mui mal ‑por se re­sulto ser umha de­ce­çom. Também quando te­nho con­tato com có­di­gos, pro­to­co­los e di­nâ­mi­cas do mundo aca­dé­mico que me re­sul­tam pro­fun­da­mente alheios”.

Duplas opres­sons

Nesta di­nâ­mica, os co­le­ti­vos so­ci­al­mente opri­mi­dos so­frem umha du­pla opres­som. De acordo ao es­tudo an­te­ri­or­mente men­ci­o­nado, as mu­lhe­res te­mos um 27% mais de pro­ba­bi­li­da­des de so­frer pro­ble­mas psi­quiá­tri­cos do que os ho­mens no seio da aca­de­mia, o qual se es­conde com umha sorte de pur­plewashing no que as uni­ver­si­da­des se es­cu­dam na pre­sença de es­tu­dos de gé­nero nos seus pro­gra­mas para ig­no­rar a evi­dente falta de cui­da­dos e que as di­nâ­mi­cas pa­tri­ar­cais con­ti­nuam pro­fun­da­mente as­sen­ta­das. Isto ainda é mais acu­sado na co­mu­ni­dade LGTBI, por exem­plo. Umha com­pa­nheira, já dou­tora, que le­vou a cabo a sua tran­si­çom de gé­nero en­quanto re­a­li­zava o dou­to­ra­mento ex­plica: “É a mesma fa­tura que nos tem pre­pa­rada o pa­tri­ar­cado cada vez que acei­ta­mos pas­sar polo aro, só que ele­vada à má­xima po­tên­cia. Magnifica-se todo, o bom e o mau. Ficas no chao uti­li­zando o teu der­ra­deiro fô­lego para di­zer ‘ga­nhei’”.

Garantir a saúde

Todas as pes­soas en­tre­vis­ta­das con­cor­dam em que o único lu­gar onde en­con­trá­rom ar foi na sua rede afe­tiva, umha rede que o pró­prio sis­tema uni­ver­si­tá­rio nom fa­vo­rece. “O sim­ples facto de contá-lo é muito im­por­tante, mas em re­a­li­dade esse de­sa­bafo é só pa­li­a­tivo”, as­se­gura um dou­to­rando. Companheiras, ami­gas e em mui­tos ca­sos tra­ta­men­tos psi­co­ló­gi­cos pa­ga­dos po­las pró­prias pes­soas in­ves­ti­ga­do­ras con­fi­gu­ram a sua fonte de forças. 

É ur­gente que se nos pro­por­ci­one as­so­re­a­mento e re­vi­sons pe­rió­di­cas com es­pe­ci­a­lis­tas para ga­ran­tir o bem-es­tar da nossa saúde men­tal, igual que se nos ofe­re­cem re­vi­sons mé­di­cas anu­ais”, de­fen­dem. Aliás, con­cor­dam na ne­ces­si­dade de so­lu­çons desde o pró­prio sis­tema e desde o pú­blico –mais con­vo­ca­tó­rias com mais ga­ran­tias, mais cer­te­zas ge­o­grá­fi­cas, sa­lá­rios dig­nos– que con­tri­buam a pa­liar um pro­blema ge­ne­ra­li­zado que, ainda con­si­de­rando-se tabu den­tro da uni­ver­si­dade, é já um se­gredo a vozes.

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