O verao parece alongar-se cada ano na Galiza, porém, o estudantado galego semelha chegar antes ás aulas com cada novo curso. Nos inícios de setembro, milhares de estudantes enchem as ruas compostelanas, mas ainda que parece que a situaçom dentro da USC é igual para todas, há umha realidade subjacente menos alegre, a da privatizaçom, mercantilizaçom, perda de autonomia e venda da universidade, que cada ano fai que algumhas tenham que cancelar os seus estudos por falta de dinheiro e de ajudas económicas.
Mais do que privatizaçom, penso que o conceito de mercantilizaçom expressa de maneira mais precisa o processo experimentado nas últimas décadas”, di Isaac Lourido, professor da Universidade da Corunha, que conta como o problema por que está a passar esta instituiçom nom é só compostelano, mas que está espalhado por toda a Europa. “Trata-se dum processo demorado no tempo, mas que se agudizou com a aprovaçom da Lei de Ordenaçom Universitária e a implantaçom do chamado Plano de Bolonha. O processo resume-se na degradaçom da universidade como bem público, na sua progressiva perda da autonomia em favor de interesses políticos e económicos e, em geral, na desarticulaçom do que se imaginou a partir de 1968 que podia ser a universidade: um espaço para o pensamento crítico e um agente de transformaçom em favor das maiorias sociais”. E precisamente isto é o que está a passar na USC, que está perdendo o seu labor de serviço público, sendo transformada numha sorte de máquina expedidora de títulos, cada vez mais caros e, pola contra, com cada vez menos valor ou qualidade. Já no ano 2005, o catedrático Xavier Vence advertia no seminário ‘A política neoliberal para o Ensino Superior: retos para a universidade pública’ que, “como as titulaçons universitárias som umha necessidade básica para a populaçom, isto converte a universidade num nicho de muitos milhons de possíveis clientes para os buscadores de negócio”. E nom há dúvida que isto é o que parece que está a passar.
O caso dos mestrados
“O Plano Bolonha tem grande parte da culpa”. Explica Chema Naia, um aluno da faculdade de políticas e membro da organizaçom estudantil Erguer. “De 2005 a 2015, o plano Bolonha suprimiu as licenciaturas e converteu-nas em graus com a estratégia 3+2. Isto quer dizer que agora há que fazer três anos para graduar-se e a seguir um mestrado sem o qual nom vás a sítio nengum. E isto com o dinheiro que implica, porque se os graus custam umha média de 800 euros, os mestrados som de 1500. Isto traduz-se numha deriva face a privatizaçom da universidade, sendo as elites económicas sociais quem podem aceder aos estudos, tirando às licenciaturas o cariz formativo completo que tinham, e convertendo o grau numha sorte de F.P. Superior, fazendo que seja o mestrado o que mais valor tenha”.
É entom que começam a aparecer mestrados sem homologaçom, que apenas servem para nada, e que se utilizam para ganhar dinheiro. “É como o que está passando com políticos como Casado ou Cifuentes, parece que com pagar o mestrado já che dam o título, o que demonstra que já nom importa quanto estudes ou quanto choies, mas quanto estejas disposta a pagar”, expom Chema.
Para algumhas, o problema radica em que os reitores tenhem muito poder e controlam a transparência da universidade. “O caso de Casado nom foi um caso isolado, mas o sintoma dumha doença muito maior”, di o Catedrático de Historia Antiga na faculdade de Historia da USC, José Carlos Bermejo. “Ninguém obriga os professores a fazer favores aos políticos, mas, mesmo assim, fam-nos. Por outra banda, vivemos umha idolatria a títulos sem valor. O nosso país sofre dumha funda ‘titulite’, e, ainda por cima, de mestrados sem valor real — e muitas estudantes reparam nisto depois de fazer tal ou qual mestrado. Quando ainda havia licenciaturas, muitas universidades chegárom a reconhecer que tirárom mestrados como um jeito de arrecadar fundos”.
Um 6,5 para as bolsas
A esta “compra” de títulos, há que lhe somar a falta de ajudas económicas que muitas estám a sofrer desde há alguns anos. Desde 2012, as quantias das bolsas diminuírom enquanto o requisitos para mantê-las aumentárom. O 6,5 de média que há que ter para continuar a obter ajudas por parte da Junta complica muito as cousas para aquelas pessoas que precisavam conciliar trabalho com estudos, já que o Plano Bolonha exige, entre outras muitas cousas, umha percentagem mui elevada de assistência a aulas, algo que nom acontecia com as licenciaturas.
A universidade está a perder o seu labor de serviço público, sendo transformada numha sorte de máquina expedidora de títulos
Para Chema, o problema radica em que nom se tem em conta que a situaçom nom é a mesma para toda as estudantes. “Tenho amigos que quedárom sem bolsa por 0,05. Sempre há matérias mais complexas, por exemplo, em Políticas quase todo o mundo reprova Direito Romano, e se a reprovas já podes quedar sem bolsa. Isto é injusto porque há que ter em conta que nom todo o mundo chega com as mesmas oportunidades à faculdade: há gente que tem um núcleo familiar disperso ou nom tem o apoio económico da família, portanto, tem que trabalhar para além de estudar. E com Bolonha isto é impossível: tes que ir a aulas, fazer trabalhos, muitas vezes em grupo, que ademais nom tenhen um conteúdo formativo evidente (por vezes, parecem feitos para encher umha série de requerimentos e para adaptar-te ao sistema de trabalho na tua casa)… e a gente que trabalha nom pode conciliar, obviamente, o que provoca que reprovem por faltas de assistência, perdam assim a bolsa e entom tenham que trabalhar ainda mais e é um círculo vicioso que fai que muitas tenham de abandonar a universidade, ao final”.
“É certo que podes pedir que em algumha matéria fagam umha exceçom por trabalho, pero nom abrange todas as figuras de trabalho que existem já que há muito trabalho em B, precário, sem contrato, entom é mui complicado demonstrar aos professores que estás a trabalhar. Sim que há matérias com professores que cho permitem, mas muitas outras, a maioria, nom. O que falta é umha blindagem contra disto, assegurar os direitos do estudantado, luitar para que isto mude”, assegura Chema.
Ainda que parece que a situaçom pode melhorar ‑com o novo curso, as quantias aumentárom em 100 euros- a nota média para manter as ajudas é mantida, e a ela acrescenta-se umha outra ajuda de 200 euros para os estudantes excelentes, de 8 pontos ou mais, algo que está sendo criticado por quem considera que é injusto que os prémios à excelência se centrem nas ajudas económicas, quando para alguns estas ajudas podem marcar a diferença entre aceder ou nom aos estudos superiores.
Entram as empresas
Por suposto, a universidade em geral é um ente complexo, e generalizar a situaçom de todas as alunas é complicado e arriscado, mas contodo, muitas afirmam que a universidade nom deixa de complicar as cousas às estudantes com menos recursos. E isto nom é o único em que se percebe umha mudança na forma de ver a universidade. No caso da USC, os ataques som discretos e lentos, para que nem estudantes nem professores sejam de todo conscientes de que as empresas privadas tenhem cada vez mais poder dentro das aulas, de que se está a produzir um processo de mercantilizaçom da universidade.
“Falar em mercantilizaçom implica falar na aplicaçom da lógica capitalista em todas as esferas da instituiçom. Impom-se a ideia da utilidade dos programas formativos, mas restringida a umha inserçom rápida no mercado laboral; diminui-se o investimento público, de maneira que pioram notavelmente as condiçons de trabalho do professorado, os equipamentos e os critérios de acesso, continuidade e apoios para o estudantado. A necessidade de procurar investimentos complementares obrigou às universidades a estreitarem relaçons com a empresa privada e cederem perante as suas exigências”, comenta Lourido. Este processo tem lugar através de múltiplas vias: cadeiras nos Conselhos Sociais, convénios de colaboraçom estáveis –por exemplo, com as entidades bancárias–, a criaçom de cátedras patrocinadas, investimentos diretos em projetos de investigaçom… ou também com pequenos detalhes, como que agora haja que pagar para poder fazer o exame de idiomas que che permite ir de Erasmus, a obrigatoriedade de obter um B1 num idioma estrangeiro para poder graduar-se, ou, que também custa dinheiro, o facto de o cartom universitário estar expedido polo banco Santander, algo que é um problema em si próprio, polo poder que se dá a este banco dentro da instituiçom pública, pero ademais implica que se, por exemplo, alguém perde o cartom durante as férias, nom o pode renovar até o novo curso, perdendo o acesso à universidade durante esse tempo, pois os bancos nom realizam cartons novos neste período.
"Há umha deriva face a privatizaçom da universidade, sendo as elites económicas as que podem aceder aos estudos"
“Também está o caso do antigo hospital universitário de Galeras”, acrescenta Chema. Um edifício público da universidade privatizado por dous processos: a gentrificaçom da cidade, que se centra nos benefícios dos hoteleiros e do empresariado, buscando o lucro ao invés do benefício social; e a intençom de saldar umha dívida da universidade. Este processo de venda foi fortemente criticado por grupos como ‘Compostela nom se vende’, entre outros motivos, porque nom se lhe explicou ao alunado a circunstância e legitimidade da dita dívida. “Organizamos um processo que se chamou ‘Compostela nom se vende’, que quedou um pouco paralisado, onde pretendíamos analisar este processo, e vimos que a quantia da dívida que se tinha que pagar era diferente do preço que se pagou, e que havia umha empresa especulativa por trás, Ibernof SL, que dependia dumhas subvençons. É dizer, nom era um processo de saída a concurso, de venda normalizado, nem muito menos, mas há muitas cousas que se nos escondérom”. E este nom foi o único caso de venda de património público da universidade a entidades privadas ou de falta de transparência por parte desta entidade pública. Chema denuncia que os alunos tampouco tenhem a organizaçom capaz para fiscalizar isso, e acrescenta ademais que nom há umha organizaçom do claustro e que há competências entre departamentos porque tenhem financiamento escasso. “Entom, o que se dá é um processo onde o ganha todo a empresa privada, porque chegamos ao ponto em que a financiaçom da universidade pública é tam escassa que nom há diálogo entre as diferentes universidades galegas, mas umha terrível competência que nom devera existir”, aponta este estudante.
Universidades privadas
Para Antonio Pérez, do pessoal de administraçom e serviços (PAS) na USC, vem-se observando na Galiza, desde há uns anos, um incremento no interesse de introduzir universidades privadas dentro da paisagem educativa galega. “A Junta, com Feijó na cabeça, pom-lhe cada vez mais obstáculos à universidade pública nos orçamentos ou para a criaçom de novos títulos. A Junta obriga a eliminar vagas em outras titulaçons (que nom estám vazias) para criar umha nova, incluso havendo um interesse claro por parte do alunado em essas novas titulaçons. Por exemplo, intentou-se criar um título em criminologia, porque se percebia certo interesse, mas para isso, obrigava-se a reduzir as vagas na faculdade de Direito, com a demanda que há de essa titulaçom. Isto nom é umha loucura mas, indiretamente, provoca que, como nom se cria essa titulaçom, os estudantes vam para a universidade privada na procura do título que lhes interessa e que nom encontram na pública”, denúncia Antonio.
“Somado a isto, está a existência dumha Lei do Estúdio Universitário Galego, a ACSUG (Axencia para a Calidade do Sistema Universitario de Galicia) que fomenta agora a criaçom de novas universidades privadas, e fomenta-se por parte da Junta”, aponta Chema. E está a apariçom de universidades como a de Abanca, o IESIDE Business Institute (Instituto de Educación Superior Intercontinental da Empresa), que nasce com a intençom de apresentar opçons privadas universitárias.