As restriçons impostas à mobilidade e ao direito de reuniom na gestom da pandemia estám a ter impacto nas dinámicas de coletivos que realizam ativismo social, político e cultural de base. Um dos impactos principais foi o próprio esforço necessário para se adaptarem e reorganizarem com base nas novas exigências legais e sanitárias. Acarom disto, acontecia umha baixada na tensom mobilizadora nas ruas, assim como um incremento no emprego das redes sociais para a comunicaçom e um discurso mediático focado principalmente na gestom em matéria de saúde.
A gestom política da Covid19 está a ter um importante impacto no ativismo social, político e cultural. Como consequência das restriçons aos encontros presenciais, o espaço virtual está passando a ser, ainda mais, um lugar de deliberaçom e encontro. Com a imposiçom do toque de recolher, aumentárom as dificuldades para o desenvolvimento de tarefas de agitaçom ou simplesmente a organizaçom de palestras e assembleias fora dos horários de trabalho habituais.
Com esta nova realidade, desigualdades e conflitos já presentes vírom-se agudizados. Ester Mariño, militante feminista em Vila-Boa e trabalhadora da CIG salienta que a volta ao espaço doméstico implicou que o tempo das mulheres estivesse muito mais limitado. “Éramos nós que estávamos a encarregar-nos do bem-estar de muitas pessoas, e isso também influi na limitaçom de poder encontrar espaços comuns”. Para Mariño, a pandemia está a dar a razom à reivindicaçom feminista de colocar a vida no centro.
No que respeita ao ámbito do trabalho, sindicalistas apreciam um incremento dos abusos por parte do empresariado e foi preciso procurar soluçons para desenvolver o trabalho sindical num contexto de fechamentos perimetrais e limitaçons para o direito à reuniom.
Sindicalistas apreciam um incremento dos abusos por parte do empresariado e foi preciso procurar soluçons para desenvolver o trabalho sindical num contexto de fechamentos perimetrais e limitaçons
Na SOS Racismo salientam que, no atual momento de controlo da liberdade de circulaçom, “umha das dinámicas mais perigosas que parece que veu para ficar é a vigilância dos corpos nom brancos, e a desativaçom daquelas poucas dinámicas de encontro e manifestaçom que estavam ativas”.
Onde colocar o foco?
Esta adaptaçom às novas regulamentaçons implicou que o trabalho político de base tivesse que se concentrar nalgumhas reivindicaçons concretas, ou que colhessem relevância determinadas tarefas ou denúncias. Colocando alguns exemplos, Kai Baltrsuch, ativista do movimento Extinction Rebellion (XR), salienta que na sua organizaçom “estamos a concentrar as energias mais no local, no pragmático, do que no desenvolvimento das estruturas estatais”. Assim, a sua estratégia atual passa por “assinalar as grandes empresas, envolvidas nos maiores impactos no ambiente com açons performativas mais ou menos disruptivas”.
Pola sua banda, Ester Mariño expom que nas conversas com as companheiras percebe duas urgências. Umha delas é “recuperar esses espaços grupais para os autocuidados e os cuidados coletivos”, e a outra é “sair para a rua e tornar visível toda esta situaçom que está a reduzir os nossos direitos, o nosso bem-estar físico, psicológico e emocional desde o mês de março”.
Várias ativistas apontam que a internet será umha ferramenta valiosa para o trabalho político militante, mas há temor a que reduça a militância nas ruas
Da SOS Racismo salientam que algo a que houvo que prestar especial atençom nestes tempos de pandemia foi a marcaçon de encontros com a administraçom. “A necessidade de obter umha entrevista pola internet para qualquer trâmite, nom só dificulta o acesso, como ainda, nalguns casos, chega a impossibilitá-lo, sobretodo em pessoas sem domínio da internet ou naquelas pessoas que nom dominam bem as línguas oficiais”, salientam na SOS Racismo, que denuncia também a falta de interesse das administraçons em facilitar traduçom dos trámites para línguas nom oficiais.
Com umha crise económica gestando-se, as necessidades básicas vám também adquirir especial relevância. Assim, Bruno Lopes, da Fundaçom Artábria, lança umha proposta: “acho que a esquerda soberanista e anticapitalista deveria incidir na ajuda mútua e trabalhar os espaços de solidariedade, criando Bancos de Alimentos próprios, por exemplo, e marcando umha clara diferença entre solidariedade e caridade”.
A distorçom dos meios
O foco mediático desde o início da pandemia concentrou-se na gestom governativa e sanitária da pandemia, num discurso que confrontava a liberdade individual com a saúde pública. O discurso hegemónico ocupou-se também de invisibilizar realidades, como a maior precariedade laboral e vital entre a classe trabalhadora.
Pola sua banda, Kai, da Extinction Rebellion, salienta que o interesse mediático pola mudança climática global e a emergência climática esvaeceu: “Só interessa o que acontece a curto prazo. Se continuarmos a permitir a inaçom dos governos e contentando-nos com a desinformaçom dos meios, a crise climática será incontrolável nos próximos anos”.
As redes sociais na balança
As reunions online e o ativismo polas redes sociais, que já existia mas aumentou, fam parte já do tecido organizativo do ativismo. Várias ativistas apontam que a internet será umha ferramenta valiosa para organizar o trabalho, já que permite umha melhor gestom de tempo e poupar deslocamentos para reunir-se. Num momento em que as comunicaçons estám a realizar-se maioritariamente através de redes sociais e apps de mensagens parece oportuno fazer tarefas propagandísticas nestes espaços.
Ainda que nos últimos meses todas as manifestaçons tivessem que se adaptar às medidas de distanciamento, aprecia-se em geral certo retorno a mobilizaçom
Mas também estas novas tecnologias da comunicaçom tenhem a sua contraparte: “No espaço virtual perde-se 90% do valor das nossas discussons, dos nossos acordos e do que partilhamos. E acho mesmo que está gerando mal-entendidos e incómodos que nom viveríamos num espaço físico”, salienta Ester Mariño. “Ademais, é um espaço mui canso e tedioso, que nom todo o mundo domina, e ainda há muitas mulheres que nom tenhem acesso a recursos telemáticos”, acrescenta.
Arredor do ativismo nas redes sociais, várias vozes expressam temor a que umha maior atividade política nos espaços virtuais tenha o seu correlato numha menor militância nas ruas. Como exemplo do ativismo exclusivo em redes sociais, de SOS Racismo criticam a figura das ‘aliadas performativas’. “É muito mais singelo apoiar, partilhar ou difundir denuncias sociais nas redes mas também é mais complicado que essas mesmas pessoas sintam o mesmo nível de compromisso que mediante a realizaçom de açom nas ruas. A falta de contexto e contacto direto entre pessoas facilita estes processos de desconexom”, salientam deste coletivo.
Voltar à rua
Mas a rua nom deixa de estar presente na olhada dos movimentos sociais. Ainda que nos últimos meses todas as mobilizaçons tivessem que se adaptar às medidas de distanciamento, aprecia-se em geral certo retorno a mobilizaçom. Neste contexto, em outubro tinha lugar umha manifestaçom de mais de mil pessoas em Compostela em solidariedade com as independentistas processadas na Operaçom Jaro, no quadro de umha campanha que tivo que se desenvolver no meio das restriçons da pandemia. Para o independentista Joam Peres, o sucesso mobilizatório deveu-se a três fatores: “o extremo da situaçom denunciada que conseguiu rachar o círculo solidário habitual, a intensa interlocuçom com organismos políticos e a atividade polas redes sociais”. Peres confia em que o atual momento de baixa presença nas ruas seja transitório e as mobilizaçons voltem após este período restritivo.
No horizonte, está a achegar-se umha das datas mobilizatórias mais fortes dos últimos anos, o 8 de março. Pola sua parte, Ester Mariño percebe que “o sentimento quase unitário é que é mais necessário do que nunca neste ano estar na rua e fazer greve. Isto vai-nos obrigar a nos reinventar e, claro, novas formas de reivindicaçom e de presença, mas polo menos nom renunciar a ter um 8 de março reivindicativo e de presença na rua”. “Estar na rua e tirar toda a merda que ficou tapada trás das portas dos lares todos estes meses”, conclui.
Centros sociais: resistência e oportunidade
As medidas de limitaçom de reuniom estám a colocar numha situaçom difícil os centros sociais autogeridos do país. Muitos deles encontram-se sem a sua atividade regular e passárom temporadas fechados. Para enfrentarem a complexa situaçom económica, a maioria dos centros sociais ativárom estratégias como a ampliaçom da sua base quotizante ou a negociaçom de rebaixas no alugueiro do local. Neste atual momento de dificuldade, alguns dos centros sociais vem o seu futuro seriamente questionado, mas para outros é umha oportunidade para se reorganizar.
Bruno Lopes, da Fundaçom Artábria de Ferrol, manifesta preocupaçom polo futuro do centro social. “A situaçom é crítica, já vivim outras crises, mas pola primeira vez vejo perigar realmente o projeto”, salienta. Segundo Lopes, nos meses que estivo aberta a Artábria após o confinamento nom conseguiu retomar-se a assistência do pessoal habitual. “Só com as quotas das pessoas associadas nom dá para cobrir os gastos mínimos”, salienta Lopes e expom que “nos próximos meses haverá umha assembleia geral que terá que decidir o futuro do projeto”.
Para enfrentarem a complexa situaçom económica, a maioria dos centros sociais ativárom estratégias como a ampliaçom da sua base de pessoas associadas
Na Revolta de Berbês, em Vigo, assinalam que a situaçom foi bastante complicada. Jurjo Diz, integrante deste centro social refere que depois dos primeiros meses se concentrárom em alargar a base social e que houvo boa resposta. “É o que nos está a sustentar agora”, afirma. Presentemente, a única atividade som as reunions para a procura de soluçons. “A nossa intençom é garantir a continuidade até março, e aí avaliarmos a situaçom e vermos que vias temos”, salienta Diz.
Para o Mádia Leva de Lugo “as primeiras preocupaçons som económicas mas de momento imos indo com o que temos poupado. O problema é nom sabermos quanto vai durar esta situaçom”. Realizam também umha reflexom: “Há umha forte dependência do lazer como fonte de financiamento dos projetos autogeridos. No nosso caso ficamos sem festivais e sem Pardinhas”, que financiava em boa medida os gastos do local. Mas acrescentam que “estamos satisfeitas de manter estes meses o local aberto, sempre que o permitírom, continuar com os cursos, contunuar presentes fazendo dous novos murais… Procuramos nom limitar-nos a fazer comunicados e pendurá-los nas redes sociais”.
Abrir novas etapas
Mas também alguns centros sociais autogeridos encontram-se com certa força e considerando algumha remodelaçom. Por exemplo, a Galheira, de Ourense. A chegada da pandemia colheu-nos a preparar umha reconfiguraçom, que passaria pola abertura do balcom e a organizaçom de atividades próprias. Atualmente a nível económico mantém-se bem. “Há um número de sócias elevado e temos receitas estáveis”, salienta César Caramês, deste centro social. Durante o verao realizárom algumhas atividades, como a festa da Pátria, e conseguírom que se achegasse algumha gente nova.
O Fuscalho da Guarda também se encontra sem apertos económicos. Ademais, estám a ver como por efeito da pandemia algumha gente migrada retornou à vila e podem colocar forças no projeto. Martim Uveira, do Fuscalho, expom que “toca fazer um processo e debater as dinámicas de funcionamento”, para poder integrar as pessoas novas. Atualmente o Fuscalho apenas mantém a atividade dos cursos e eventos como projeçons audiovisuais.
Pola sua banda, o Quilombo de Ponte Vedra quer “aproveitar este tempo para guardar algo de dinheiro, relançar o projeto, que se junte mais gente e procurar um local definitivo com mais possibilidades”, segundo indica Borja Mejuto, um dos seus ativistas. Entre que abandonam o local atual e encontram a sua seguinte localizaçom contam com manter diversas atividades previstas ao ar livre, ou deslocá-los para outros espaços da cidade.
As ativistas dos centros sociais consideram importante para supervivência do ativismo político e cultural de base a manutençom destes espaços. “A pandemia mundial evidencia a necessidade do trabalho coletivo e comunitário como ferramentas para a construçom dumha alternativa popular e nacional à barbárie”, manifestam do Mádia Leva.