
A Ley Orgánica 10/2022, de 6 de setembro, de garantía integral de la libertad sexual reconhece no preâmbulo a sua origem e fundamento nas reivindicaçons feministas. Esta Lei trata de denunciar a violência machista como um problema de estado, polo que adota um leque de medidas até agora nom tidas em conta: contempla o acompanhamento no processo de denuncia desde o início, a formaçom integral dos profissionais que terám de intervir no processo policial, médico-forense e judicial e as medidas de proteçom nos casos de especial vulnerabilidade tentando dar amparo às mulheres que, além da violência infligida polo agressor sexual, tenhem de sofrer a violência institucional quando por fim o denunciam.
Desde 7 de outubro de 2022, data em que entrou em vigor a lei, trascendeu à opiniom pública é o estabelecimento de um único delito: agressom sexual, com independência de se mediou violência e/ou intimidaçom. Também trascendeu a reduçom da pena mínima do delito de agressom sexual. Do resto da lei… quase nada. Sim se sabe da LO 10/2022, ao máis puro estilo goebbeliano, é que “beneficia os violadores”.
Porém, a verdade é que nom se reduzírom as penas máximas de nenhum dos delitos contemplados até a aprovaçom da nova lei e, portanto, depende do critério do tribunal que revisa a sentença aplicar a reduçom ou manter a condena imposta.
Se estudarmos alguns casos em que se “reduziu” a pena poderá-se analisar o talante do Julgado e/ou Tribunal da(s) sentença(s) inicial/is:
1) A secçom sexta da Audiencia Provincial da Corunha, reduziu em 18 meses a condena a um homem que abusou da filha da sua parceira, de 13 anos de idade, com umha discapacidade e à qual ameaçava para que nom o contasse a ninguém. A pena inicialmente imposta era de 6 anos de prisom e o Tribunal reduziu para 4 anos e seis meses.
Para proceder á reduçom, a Audiencia “entendeu” que nom é aplicável a agravante de ser a vítima umha pessoa especialmente vulnerável por ser menor e com discapacidade porque, segundo diz, textualmente: “nom ficou provado que a discapacidade da menor incrementasse com relevância típica a vulerabilidade que derivava da sua idade e dos fatores circunstanciais antes expostos”.
Se, acreditado que a vítima é menor e tem discapacidade, o jurado, num salto no ar, diz que nom “lhe” consta que isso afetasse ao facto delitivo, é isso que vai prevalecer. Isso é o “Critério” judicial.
Nom se reduzírom as penas máximas, portanto, depende do critério do tribunal que revisa a sentença aplicar a reduçom ou manter a condena
2) A Audiencia da Corunha reduziu as penas para os condenados num caso de violaçom e cooperaçom. Sucedeu em 2016, em Santiago de Compostela. A vítima tinha saído de festa com o seu namorado e com um amigo. Com a excusa de levá-la para casa, e sabendo que o seu amigo queria ter relaçons com ela, conduzírom até um lugar apartado. Ali o amigo levou‑a à força ao assento de atrás e violou‑a enquanto o namorado dela permanecia sem intervir no assento do condutor.
3) A Audiencia Provincial de Madrid (sala composta por Ana Vitoria Revuelta, Luis Carlos Pelluz e María del Pilar Casado) revisa e reduz a sua própia condena polos factos sucedidos em 2018 quando quatro amigos dentre 25 e 27 anos levárom umha rapariga com 65% de discapacidade intelectual a umha casa num polígono industrial para manter relaçons sexuais com ela. A Fiscalia solicitou umha condena de 17 anos para cada um: 14 anos por agressom sexual e outros três por lessons. O tribunal só condenou um deles a 6 anos de cadeia por “agressom sexual” (a pena mínima da lei anterior, sem contemplar agravantes que já existiam na altura). A Audiencia reduziu a pena para 4 anos.
Já na sentença inicial a proteçom à vítima foi inexistente: antes, durante e despois do processo ficou desamparada. É irrelevante que ao único condeado lhe fossem descontados 2 anos de pena, o que é incrível é que só se condenasse um só violador e a 6 anos. Entretanto, isso nom deve ser merecedor de análise para quem se escandalizam pola reduçom.
4) A Audiencia Provincial de Madrid, em sentença de 7 de outubro de 2022, reduz umha condena de 6 anos e 9 meses de prisom a tam só 1 ano e 3 meses a um professor de inglês condeado por abusar sexualmente de várias alunas, algumhas menores de idade.
Porém, de novo: nom “lhe” consta, ao tribunal, que as circunstâncias –elas menores, ele o professor, adulto– fossem determinantes para a comissom do delito.
Umha reforma ineficaz
Nom estamos longe dos juízos onde se preguntava à mulher se fechara bem as pernas. Estes juízes e juízas estám revisando as suas próprias sentenças que já impugeram por imperativo jurídico-social e nom por conviçom própria nem por aplicaçom técnica do direito, que retorciam (e retorcem) até níveis insuspeitos.
Com isto tudo, pom-se o foco na reforma das penas como correçom ao “erro” cometido polo Ministerio de Igualdad. Porém, com esta reforma nom se vai poder impedir que no período em que estiver em vigor a atual se proceda à revisom e reduçom das condenas impostas até o 7/10/2022 (caso os tribunais, juízes e juízas “achem que procede”), com o qual esta reforma tem a única finalidade de sustentar o discurso de que a lei do ‘só o sim é sim’ ataca as mulheres e está realizada por pessoas incompetentes.
Podia ter-se introduzido umha disposiçom transitória que previsse que nos casos já sentenciados se tinha que manter a pena se esta ficava no arco abrangido pela nova lei. Contudo, isso nom teria evitado entender –como se está a fazer nas revisons– que a agravante considerada nom concorria ou que, mesmo concorrendo, nom tivesse incidência no delito, procedendo a revisom na mesma. Se o direito fossem matemáticas, nom existiriam sentenças contraditórias, nem sequer distintas.
Em qualquer caso, existem os chamados princípios informadores do direito, entre outros o art. 3.1 do Código Civil (“as normas serám interpretadas segundo o sentido próprio das suas palavras, em relaçom ao contexto, aos antecedentes históricos e legislativos e à realidade social do tempo em que ham de ser aplicadas, atendendo fundamentalmente ao espírito e à finalidade daquelas”), que se aplica também ao princípio de retroatividade das leis que favorecem o réu, previsto no art. 2.2. do Código Penal.
Os princípios informadores do direito nom som excludentes, mas concorrentes. Assim, a reduçom das penas a invocar o direito ao ‘benefício da lei mais favorável’ está efetuar-se de forma injusta, prevaricadora e contrária ao direito, além de produzir o efeito oposto ao pretendido polo texto legal e ainda além de que, na maioria dos casos, as sentenças eram já à partida injustas. Esta circunstância também é substraída do debate mediático: nom convém analisar as sentenças havidas até a data nos casos de agressons e abusos sexuais porque ponhem em evidência a violência institucional.
O consentimento no centro
Umha das novidades mais radicais da lei é que coloca o consentimento no centro, como maneira de equilibrar processualmente a vulnerabilidade social das mulheres. Até agora a gradaçom da gravidade do delito estabelecia-se segundo existisse violência e/ou intimidaçom, entendendo por violência a presença de golpes, armas ou contextos que o patriarcado definir como tal. Se o consentimento é o centro, o mero facto de denunciar é prova indiciária de que aquele nom existiu, polo que será o agressor e nom a vítima quem tenha de demonstrar que a relaçom foi consentida.
Se se situa o consentimento no centro é o agressor quem tem de demonstrar que a relaçom foi consentida
Parece que se debilita o principio de presunçom de inocência que deve amparar a toda pessoa acusada de um delito, mas acontece que se produz um necessário equilíbrio. Analogamente, na jurisdiçom social, quando o/a trabalhador/a alega vulneraçom dos seus direitos, o/a empresário/a, como parte “forte” do processo, deve provar que nom se produziu, bastando à pessoa trabalhadora a mera alegaçom para tresladar a carga provatória. Porque quando falamos da violência machista, falamos de um delito amparado numha violência estrutural, que precisa de proteçom especial para as vítimas, já que existe umha posiçom político-social de vulnerabilidade inicial das mulheres e de superioridade dos homens que permite que se poda produzir ese delito. Este é o debate que devia ter gerado a lei.
A nova lei estabelece medidas até agora inexistentes, como a imposiçom de penas acessórias à prisom: inabilitaçom para exercer um cargo como autoridade pública, como docente, trabalhador em contacto com menores, funcionários de prisons, de centros de menores…; medidas a respeito dos própios filhos/as/es: a inabilitaçom para exercer a responsabilidade parental, curadorias etc, sem que dependa da vontade do juíz, juíza ou tribunal, a evidenciar que o perigo do agressor sexual abrange muito mais que a vítima direta, sendo um perigo para a sociedade no seu conjunto.
Cria-se um fundo de compensaçom destinado a financiar medidas de reparaçom às vítimas, porque pouco ou nada se fala de que as mulheres vítimas de agressom e/ou abusos sexuais numha percentagem elevadíssima, sem comparaçom com nenhum outro delito, renunciavam à eventual indemnizaçom como forma de acreditar que a sua denúncia era veraz e nom tinha um fim económico.
A lei 10/2022 cria recursos de prevençom, deteçom e acompanhamento ao longo do périplo que umha vítima de violência machista deve percorrer, sendo as penas, se calhar, o menos relevante do texto.