
Nas duras invernias, dos altos dos Mons Ferus, perto das Fragas do Eume, enxergamos na linha do horizonte, alva, uma serra e sabemos que são os cumes nevados dos Ancares, as últimas estribações da Cordilheira Cantábrica, onde a Terra Mãe acaba.
Mira-vales (1966 m), Cuínha (1992 m), Pena Longa (1881 m), Mostalhar (1934 m), Pico dos Lagos (1866 m), Três Bispos (1794 m), Pena Rúvia (1822 m)… De norte a sul, estas são as maiores altitudes das serras orientais (com licença de Pena Trevinca e os seus 2127 m).
Serra configurada polas orogenias hercínica, primeiro, e alpina depois; e moldada por glaciações quaternárias, cuja pegada podemos observar nos vales em forma de U, pontilhados de morenas e pequenos lagos, ou nos circos glaciais, autênticos anfiteatros naturais que o gelo afeiçoou. Repartem-se os vales ancareses entre as bacias dos rios Sil e Návia. Geologicamente, as rochas predominantes são xistos, arenitos, quartzitos, calcários e filitos.
Lato sensu, a comarca está dividida administrativamente entre as províncias de Lugo, Leão e Oviedo, sem uma demarcação precisa. Montes de Návia, de Cervantes, de Bezerreã, do Zebreiro, vales de Ancares, de Íbias… É claro que todas estas terras partilham traços etnográficos comuns. Na arquitetura popular destacam-se as palhoças, casas tradicionais de reminiscências castrejas, com planta circular e teito de colmo (palha de centeio). Existem também importantes vestígios arqueológicos, dentre os quais se salientam os petróglifos gravados em xisto. Linguisticamente, o isolamento destas terras permitiu conservar características perdidas no resto da Galiza, como, por exemplo, a nasalidade que conservam palavras como «irmão» ou «corações» no vale de Ancares.
A comarca está administrativamente dividida entre as províncias de Lugo, Leão e Oviedo: Montes de Návia, de Cervantes, de Bezerreã, do Zebreiro, vales de Ancares, de Íbias…
E se o seu património cultural se revela importantíssimo, os Ancares são conhecidos, fundamentalmente, polos seus valores naturais…
O galo-montês (Tetrao urogallus) foi a ave icónica destas montanhas, onde tinha o seu limite ocidental de distribuição. A derradeira observação fiável nos Montes de Cervantes data de 2003, refere-se a um exemplar fêmea em Cabana Velha. Todavia outra fêmea desorientada apareceu na aldeia Candim em maio de 2019, mas a pita-do-monte pode-se considerar extinta em toda a serra. Sendo o futuro da subespécie cantábrica extremamente preocupante.
Nos Ancares ainda podemos ver charrelas (Perdix perdix) galegas, uma espécie de perdiz de alta montanha. Mais uma ave galiforme que parece condenada à desaparição no nosso país.
Aqui, na segunda metade do século XX, encontrou o urso-pardo (Ursus arctos) o seu último refúgio galego. Hoje, felizmente, a espécie volta a estar em expansão e coloniza novas áreas mais a sul.

A lebre-de-piornal (Lepus castroviejoi) é outro dos tesouros faunísticos destas montanhas. Endemismo exclusivamente cantábrico, que habita entre os 1.000 e os 1.900 m de altitude, da Serra dos Ancares à de Híjar. O seu nome científico é uma homenagem ao galego Javier Castroviejo, o primeiro biólogo que investigou esta lebre e um dos principais estudiosos da biodiversidade destas montanhas.
Nos Ancares, por riba dos 1600 m, subsiste também uma interessante curiosidade herpetológica, a lagartixa-das-branhas (Zootoca vivipara), uma espécie típica das turfeiras. Ora, apesar do seu nome científico, a subespécie louislantzi que achamos no norte da Península não é vivípara, mas ovípara. E mesmo que, tradicionalmente, se tenha considerado uma herança das eras glaciais, na Galiza, para além dos Ancares, localizamo-la nalgumas serras do extremo norte, por vezes, a altitudes surpreendentemente baixas, de até 367 m!!!
Os bosques ancareses têm uma alta biodiversidade, fruto da confluência da região biogeográfica eurosiberiana com a mediterrânica. Existem faiais (Fagus sylvatica) como o da Pintinidoira, o mais ocidental da Europa; azinhais (Quercus ilex) como o de Cruzul, o mais setentrional da Galiza; soutos (Castanea sativa) magníficos como os de Búrbia; azevedos (Ilex aquifolium) que, como o de Cabana Velha, alimentaram e protegeram os galos-monteses; e grandes carvalheiras com carvalhos-alvarinhos (Quercus robur), carvalhos-brancos (Quercus petraea) e os seus híbridos (Quercus rosacea) ou com carvalhos-negrais (Quercus pyrenaica).
Os Montes de Cervantes guardavam extensas florestas caducifólias, quase primigénias… Porém a partir de 1915 e durante uns três lustros, começou a operar em Vilarelho de Donis a companhia madeireira «Los Ancares» do marquês de Riestra, que cortou as melhores árvores da mata do rio do Ortigal. Não seria a única, nem a última agressão sofrida por estes bosques.
Os Montes de Cervantes guardavam extensas florestas caducifólias, quase primigénias… Porém a partir de 1915 e durante uns três lustros, começou a operar em Vilarelho de Donis a companhia madeireira ‘Los Ancares’ do marquês de Riestra, que cortou as melhores árvores da mata do rio do Ortigal
A respeito da proteção ambiental da região, em 1966, criava-se a «Reserva Nacional de Caça dos Ancares (Lugo)» e sete anos mais tarde a «dos Ancares Leoneses (León, Oviedo)» (sic.). Estas reservas permitiram a reintrodução, com fins cinegéticos, de espécies como o veado (Cervus elaphus), o rebeço-cantábrico (Rupicapra pyrenaica) ou a cabra-brava (Capra pyrenaica). Em 1971, a vertente leonesa da serra de Ancares recebeu a consideração de «Paisagem Pitoresca» e, em 2002, foi-lhe concedido o título de «Espaço Natural da Serra dos Ancares (León)», com um nível de proteção menor abaixo do de parque natural. No ano de 2006, eram declaradas as reservas da biosfera dos «Ancares Lucenses, e Montes de Cervantes, Návia e Bezerreã», por um lado, e a dos «Ancares Leoneses» por outro.
Em 1929, aquele que logo se tornou o diretor da seção de Ciências Naturais do Seminário de Estudos Galegos e catedrático de Biologia, Luís Igrejas, publicava El Parque Regional Gallego, um livro em que reclamava a proteção ambiental deste território para preservar «estas espécies de animais que só rara ou unicamente se encontram neste local» e que, vaticinou, irão «desaparecer totalmente pola encarniçada perseguição que sofrem por parte de maus e inescrupulosos caçadores». Pois bem, quase um século depois, por incrível que pareça e contrariamente ao que tantas vezes se afirma, os Ancares continuam à espera de ser parque natural.