Aracely Rodríguez Malagón conta com um mestrado em Estudos do Caribe, é membro do “Club del Espendrú” (La Habana) e ativista feminista cubana. No passado mês de novembro mantivo umha conversa com “Cuba información TV” após o XIII Encontro Iberoamericano de Género e Comunicaçom “Isabel Moya”, que foi celebrado na capital cubana.
Aracely, que significa a palavra Espendrú e em que consiste o projeto?
Espendrú é como lhe chamamos em Cuba ao cabelo ‘afro’, natural. O Club del Espendrú, como projeto, repensou-se há cinco anos como plataforma educativa desde um projeto do grupo de hip hop Obsesión tomando elementos da cultura hip hop, e doutros saberes, tentamos construir de forma coletiva essa parte da História negra que nom está nos livros, para desconstruir a História colonial, que é a que conhecíamos até agora e na qual está invisibilizada a nossa História negra. O Club del Espendrú é umha reivindicaçom desses homens e mulheres negras que também achegárom a sua parte à História e que nom estám nos livros ou nos nossos saberes. Essa é a nossa missom central, embora também temos outras linhas de trabalho, pois temos umha Escuela de Saberes Afrodescendientes e, ainda, umha linha de mulheres. Com esta última tratamos de as capacitar e empoderar, desde a base dumha economia social e solidária, para que ocupem esses lugares onde estám desvalorizadas e em desvantagem a respeito doutros grupos socais. Em definitiva, tentamos dar as ferramentas para o seu empoderamento económico, mas também social.
O “Club del Espendrú” é umha reivindicaçom desses homens e mulheres negras que também achegárom a sua parte à História e que nom estám nos livros ou nos nossos saberes. Essa é a nossa missom central, embora também temos outras linhas de trabalho, pois temos umha Escuela de Saberes Afrodescendientes e, ainda, umha linha de mulheres.
Estivemos no encontro Género y Comunicación durante três dias falando de feminismo e ti falaste especificamente de feminismo negro, porque é necessário?
Eu acho necessário, em primeiro lugar, porque quando se fala de feminismos está-se a falar dum feminismo global. E os feminismos há que particularizá-los, porque, caso contrário, nom poderemos identificar a problemática específica de cada mulher. Teríamos que falar dum feminismo indígena, dum feminismo africano, dum feminismo asiático e, portanto, há também que falar dum feminismo negro, mas contextualizado segundo a experiência de cada grupo de mulheres, pois nom é o mesmo o nosso feminismo negro do que o feminismo negro dos EEUU, já que vivemos contextos históricos diferentes. Há que falar de feminismo negro, porque existe umha desvalorizaçom e invisibilizaçom da mulher negra historicamente; creio que temos que reivindicar o que aportárom as mulheres negras ao feminismo e à História.
Há que falar de feminismo negro, porque existe umha desvalorizaçom e invisibilizaçom da mulher negra historicamente; creio que temos que reivindicar o que aportárom as mulheres negras ao feminismo e à História.
Também falaste sobre o uso da imagem da mulher negra para publicitar produtos, publicitar o próprio turismo cubano, referindo-te às imagens que vendem nas feiras de artesanato, etc. Que análise fas disto?
Umha das missons do nosso projeto, e de outra muita gente que está neste movimento, é a de descolonizar a nossa imagem. Um exemplo disto som os obradoiros que fazemos de penteados ‘afro’, que conformam um exercício de capacitaçom mas também um exercício de descolonizaçom da imagem. Tentamos descodificar essa imagem eurocentrista da mulher bonita de cabelo liso e pele branca, mostra dos códigos que nos impugérom, dum ponto de vista subjetivo, e que a sociedade transmite; é o que nos ensinárom nas escolas. Criárom-nos com a ideia de que a nossa imagem nom é bonita, de que a minha boca nom é boca, mas bemba, de que a minha cor nom é linda… é por isso que no encontro mostrei imagens que publicitam o turismo: umha mulher negra estereotipada com lábios pronunciados, nádegas exageradas e de grandes peitos, esse tipo de imagem deve ser desconstruida, há que acabar com ela, pois nom todas as mulheres negras somos iguais. Levamos anos a trabalhar nisto, contodo, é isso o que hoje encontras nos mercados de artesanato.
Nesta linha, conseguimos que algumhas artesás negras figessem outro tipo de bonecas; através da conscientizaçom, conseguimos mostrar que essa imagem nom é a nossa imagem e que é desrespeitosa. Quando elas tomárom consciência disto, fôrom revalorizando a sua própria arte e dando outro valor à nossa imagem, à imagem da mulher negra. E foi aparecendo, ademais, um uso ligado ao espaço lúdico – anteriormente, as bonecas negras eram tam feias que apenas tinham um uso ligado a questons religiosas -, e ajudando com elas a deixar de reproduzir a imagem da beleça branca, porque as crianças podem brincar com bonecas loiras, mas devem ter também bonecas semelhantes a elas próprias, às suas tias e tios. Trata-se disto, de desconstruir umha imagem colonial construida ao longo de cinco séculos, em que nós mesmas transmitimos que a nossa imagem nom era bonita, transmitindo um cánone eurocentrista. Porque, do mesmo jeito que a um homem se lhe ensina que é um homem e que joga com o martelo, nom nascemos bonitos ou feios, é a sociedade que nos ensina o código social da beleza e nós, as mulheres negras, nom participamos dele, infelizmente.
Trata-se disto, de desconstruir umha imagem colonial construida ao longo de cinco séculos, em que nós mesmas transmitimos que a nossa imagem nom era bonita, transmitindo um cánone eurocentrista.
Para finalizar, precisamente o encontro tratava sobre os meios de comunicaçom; que papel achas que podem cumprir os meios em conscientizar, educar, corrigir esta situaçom?
Os meios de comunicaçom som elementos fulcrais na nossa sociedade e, em relaçom com a comunidade negra, som-no quando nom vemos pessoas negras nos principais programas televisivos, quando nom as vemos nos principais noticiários… E isto, embora se poda ter avançado, digo‑o eu e dim-no também as estatísticas: podes sentar frente a televisom cubana, ver os oito canais e tirar a tua estatística de quantas mulheres negras e quantos homes negros trabalham em cada espaço. Isso, quanto à televisom como ferramenta educativa, porque é essa visualidade a que chega. Essa, mas também a de videoclipes – quem é que aparece nos videoclipes que degradam as mulheres, e mostram apenas um único tipo de mulher? –. Ou a dos programas e filmes infantis. Em qualquer produto audiovisual observamos que existe umha série de elementos que, somados, mostram que os meios de comunicaçom devem trabalhar, devem conscientizar-se e estruturar-se para mudar a situaçom atual, e nom apenas para cumprir certas estatísticas. Nom para que haja duas ou três pessoas negras no programa, mas para que as pessoas que estám aí, o diretor do programa, sem que necessariamente seja negro, seja consciente da situaçom em que vivemos.
Para mim, é isso o que falta na comunicaçom. Ti própria viste como neste evento de três dias a única palestra que tratou o tema da mulher negra nos meios, a única em que se mostrou que devemos ter em conta a comunicaçom e o feminismo negro, foi a minha.
Isso é umha clara prova; apenas tínhamos de dar umha vista de olhos para dizer quantas negras havia ali. Porém, insisto em que nom tenhem de ser especificamente pessoas negras, mas, no mínimo, pessoas brancas com consciência, mostrando que existe um problema ainda hoje em dia ‑e isso nom houvo-. É por todo isto que acho que a comunicaçom sim é responsável por isto todo.