Casaio, Cambedo e Repil som três topónimos que tenhem umha fonda relaçom com o movimento guerrilheiro anti-franquista que de 1936 até a década de 50 estivo ativo no nosso país. Os vales próximos a Casaio acolhérom a mítica Cidade da Selva, umha agrupaçom de assentamentos guerrilheiros nos vales das Morteiras e da Brunha assaltada em 1946; Cambedo é umha aldeia raiana ‑em território português- assediada e bombardeada em dezembro do mesmo ano pola Guardia Civil espanhola e a Guarda Republicana portuguesa polo seu apoio à guerrilha, e algo semelhante aconteceu em Repil, na paróquia monfortina de Chavaga em 20 de abril de 1949.
Com estes três lugares pode ser desenhado um mapa em que desenvolver a cronologia do auge e a queda da Federaçom de Guerrilhas Galiza-Leom, assim como a trajetória da II Agrupaçom do Exército Guerrilheiro, organizado a partir da seçom comunista da Federaçom após o assalto da Cidade da Selva acontecido no verao de 1946. E mais umha cousa tenhem em comum estes três lugares: neles desenvolvérom-se, ou estám a se desenvolver, projetos arqueológicos que aprofundam na memória deste passado recente e que visibilizam os pontos de contato entre as classes populares do rural e o movimento guerrilheiro.
Casaio
Um grupo de investigadoras, dirigido polo arqueólogo Carlos Tejerizo e que se deu em chamar Sputnik Labrego, está a trabalhar na zona de Casaio, em Carvalheda de Valdeorras, as transformaçons do seu mundo labrego. Ademais de ser umha zona de especial atividade guerrilheira, a investigaçom analisará também os processos industrializadores que aqui se deram, como é a mina de volfrâmio de Valborraz ou a chegada das exploraçons de lousa.
Celtia Rodríguez e Mario Fernández fam parte da equipa técnica de Sputnik Labrego, que em julho estivo a realizar escavaçons arqueológicas na Cidade da Selva. “Contabilizamos mais de vinte sítios ocupados por pessoas fugidas ou integrantes da Federaçom”, exponhem. “Pola situaçom dos chouços já sabes se se trata de fugidos ou pastores. No chouço dum fugido nom colhe um rabanho, mas as cabanas dos pastores necessitam de umha explanada em que podem estar os animais pola noite”. Mário e Celtia acrescentam que o topónimo ‘Cidade da Selva’, o qual aparecia recolhido no órgao oficial da Federaçom El Guerrillero era praticamente desconhecido na vizinhança de Casaio até a chegada da equipa de investigadoras.
O ‘Bailarim’
A presença de pessoas fugidas nos montes de Casaio pode remontar-se ao verao de 1936, quando se bota ao monte Manuel Álvarez Arias ‘Bailarim’ e arredor do qual se nucleia um grupo. Neste caso ainda nom se pode falar de guerrilha, pois ‘Bailarim’ teria fugido ao monte para escapar do cárcere após ter cometido um assassinato. É a partir de finais de 1937 que chegarám a Casaio diversos ex-combatentes republicanos da frente de Astúrias, especialmente de tendência socialista e anarquista, que irám implementando um perfil mais ideologizado. Entre eles encontram-se Manuel Girón, Marcelino de la Parra ou Abelardo Macías Fernández ‘O Liebre’. Mais tarde chegarám também de Astúrias Marcelino Fernández Villanueva ‘O Gafas’ ou os irmáns César e Arcadio Ríos.
Em 1940 ‘Bailarim’ decide entregar-se e pactua a sua liberdade em troca de informar de onde se encontram os guerrilheiros. Antes desta açom, a Guardia Civil praticou umha extrema violência contra a sua família, com o fim de que revelassem o seu paradoiro. A sua mulher foi encarcerada em várias ocasions e a sua sogra foi assassinada, tirada de umha ponte pola própria Guardia Civil após ser torturada com extrema violência. Porém, no lugar indicado por ‘Bailarim’ nom encontrariam guerrilheiros, que se encontravam num intento de fugida cara a Portugal, o que provocaria o seu encarceramento e posterior fuzilamento em 1943.
Mulheres guerrilheiras
“A labor das mulheres na guerrilha era fundamentalmente de enlace”, expom Celtia. Mas também houvo mulheres que estivérom no monte, como é o caso das irmás Consuelo ‘Chelo’ e Antonia Rodríguez López. Estas duas irmás, originárias de Soulecim, no Barco, marcharam com a guerrilha em 1945. Até entom já passaram por vários cárceres e viram como a Guardia Civil levava a sua mae e o seu pai para assassiná-los. Alguns dos seus irmaos estavam já no monte e todos eles deixariam a vida em diversos combates com as forças do regime franquista.
Em 1941 estas irmás, algumhas familiares de ‘Bailarim’ e outras enlaces, intentam introduzir armas no cárcere de Ourense, numha operaçom com a qual se programava assaltar o cárcere e liberar três guerrilheiros que foram detidos no Porto quando tentavam fugir. Porém, a operaçom foi descoberta e os guerrilheiros levados à Corunha, onde seriam executados.
Durante as escavaçons, as investigadoras de Sputnik Labrego achárom algo curioso: um creme para a cara, da marca Nievina, cuja publicidade vinculava o uso deste creme com as mulheres. “Nom temos certeza de se esta creme foi empregue por mulheres ou se tinha algum outro uso”, expom Celtia. De todos os modos, serviu para visibilizar a presença de mulheres na guerrilha.
As minas
A Federaçom de Guerrilhas Galiza-Leom constituirá-se oficialmente em 1942, num congresso celebrado nos montes de Ferradillo, perto de Ponferrada. Vários dos seguintes congressos posteriores realizarám-se na Cidade da Selva de Casaio, até que em julho de 1946 esta é atacada durante um destes congressos. Entre a atividade atribuída aos guerrilheiros nestes anos encontram-se diversas sabotagens e açons armadas contra párocos e falangistas que colaboraram na repressom de 1936.
A mina de Valborraz, em Casaio, é também objeto de estudo do Sputnik Labrego e tivo relaçom com a guerrilha. Nos anos 40 esta mina de volfrâmio estava em maos dos alemáns e foi convertida num destacamento penal para presos republicanos. Celtia e Mario indicam que estám documentados vários ataques, e num deles escapam vários mineiros que passam a integrar a guerrilha, muitos deles de origem andaluza e ideologia comunista.
Escavaçons e mitos
Entre as pessoas que ajudaram a Sputnik Labrego a encontrar os chouços da guerrilha nos vales das Morteiras e da Brunha encontravam-se duas que eram crianças quando a Federaçom estava ativa. Segundo os testemunhos recolhidos, existia naquela altura umha intensa colaboraçom entre os pastores e a guerrilha. “Conheceram-nos e davam-lhes de comer, ajudavam-nos a construir os chouços”, expom Celtia e Mário. “Também contam que a guerrilha pagava pola comida que levavam, ou as vizinhas davam-lho por terem fame. Mas vinha a Guardia Civil e diziam ‘quiero este cabrito’ e o levavam sem pagar nada. Recalcam muito que a Guardia Civil levava todo, mas que os “‘roxos’ pagavam todo”, acrescenta Celtia.
A nível arqueológico escavárom-se três chouços neste verao: dous no val das Morteiras e um no Teixadal de Casaio. Este último pensa-se que poderia estar mais relacionado com pessoas fugidas do que com integrantes da Federaçom. Porém, os do vale das Morteiras poderiam formar parte da Cidade da Selva.
Alguns achados podem pôr em questom alguns dos lugares comuns arredor da guerrilha, como o feito de que passavam fame, pois nos chouços encontraram-se restos de animais, e mesmo contavam com elementos de higiene pessoal.
Cara Cambedo
Em julho de 1946 a Guardia Civil e várias contrapartidas atacam em várias ondas a Cidade da Selva de Casaio durante a celebraçom do chamado ‘congresso de reunificaçom’. Nestes combates cairám mortos os guerrilheiros Francisco Elvira e Arcadio Ríos, e tal ataque suporá o início do declínio da Federaçom, a qual se dissolverá em 1947. Algumhas das pessoas da Federaçom conseguirám exilar-se na França, entre elas César Ríos, ‘O Gafas’ ou as irmás Rodríguez López.
Por outra banda, vários guerrilheiros, fundamentalmente os mais próximos ao ideário comunista, integram-se na II Agrupaçom do Exército Guerrilheiro, o qual estava coordenado polas delegaçons do Partido Comunista de Espanha. Esta nova agrupaçom consegue a colaboraçom de outras partidas que agiam de jeito autónomo. Outros guerrilheiros procedentes da Federaçom como Manuel Girón ou Abelardo Macías ‘o Liebre’ continuarám com as suas próprias partidas.
Serám guerrilheiros da partida liderada por Demetrio García, que estavam a colaborar com a II Agrupaçom, os protagonistas do assédio e bombardeio da aldeia raiana de Cambedo. Numha casa deste lugar encontravam-se vários guerrilheiros no 21 de dezembro de 1946, após vários dias de umha batida pola zona que realizou conjuntamente a Guardia Civil e a Guarda Nacional Republicana portuguesa. Dous guerrilheiros resultariam mortos e outros dous capturados, e a casa de dona Albertina, na qual se encontravam, destruída. Após a batalha chegou a repressom, que encarceraria dúzias de pessoas.
Arqueologia da batalha
O arqueólogo Xurxo Ayán participou neste mês de agosto no projeto arqueológico em Cambedo, umha iniciativa que coordena com Rui Gomes Coelho. Nessas prospeçons aparecérom restos de metralha, restos de rajadas de metralhadoras, mesmo restos fossilizados de elementos domésticos na casa de dona Albertina, a qual ficou abandonada desde aquele 1946.
“Há umha dupla política de memória arredor de Cambedo”, explica Ayán. Por um lado, estaria a Associaçom de Amigos da República de Ourense, que em 1996 inauguraram um monólito ao pé da capela de Cambedo com a legenda ‘Em lembrança do vosso sofrimento’. Naquele 1996 ainda viviam pessoas que atuaram como enlaces na guerrilha. Por outro lado, na memória popular o topónimo Cambedo ficou ligado com gente dura e rude.
Repil
O 20 de abril de 1949 era assestado um novo golpe aos grupos guerrilheiros que operavam na II Agrupaçom, nesta ocasiom em Repil, na paróquia de Chavaga ‑Monforte-. Xurxo Ayán, também em colaboraçom com Rui Gomes Coelho, trabalhou numha intervençom arqueológica neste lugar em 2016. “Chavaga era umha espécie de santuário da guerrilha, nesta zona contavam com muito apoio”, expóm o arqueólogo. Ayán, natural desta zona, apresenta-nos a figura do comandante Miguel Arricivita, o qual foi enviado pola chefatura da Guardia Civil para rematar com os movimentos guerrilheiros na Galiza. “O que fijo Arricivita foi fomentar as delaçons, os ataques às populaçons para que deixassem de apoiar a guerrilhas ‑com torturas e demais‑, e infiltrou pessoas”, explica Ayán, quem também indica que nestes anos estivo ativo o ‘Comandante Félix’, um presunto dirigente comunista que realmente trabalhava para a Guardia Civil.
O assédio às casas de Repil e Montecelo começárom as três da tarde e contárom com um amplo despregue de efetivos da Guardia Civil. Este ataque produziu-se pola delaçom dum familiar da dona da casa de Repil, quem sabia que nesse dia de abril, que eram festas na Chavaga, às três da tarde os guerrilheiros encontrariam-se nessas casas.
“Fijo-se um assédio da vivenda de Repil” expom Ayám; “era um pequeno outeiro, dispugérom-se morteiros e três linhas de fuzileiros da Guardia Civil. Os combates começaram na casa de Montecelo ‑onde se encontrava o ex-guerrilheiro da Federaçom Evaristo González Perez ‘o Rocesvintes’- e quando sentírom os tiros, um da de Repil saiu pola janela e já percebeu a presença dos guardas”. “Entom decidírom sair pola porta da horta”, continua o relato de Ayán, “para tentar cruzar a estrada e ajudar os que estavam na outra casa. Tam pronto saem pola porta, três som mortos a tiros. Um deles botou-se para dentro da casa, sai pola porta principal disparando e consegue escapar”. Este é o guerrilheiro Fermín Segura, o qual recebe um disparo na queixada que lhe desfigura a cara. “Consegue chegar à Freixa, onde é auxiliado polo cura, don Plácido, que depois terá muitíssimos problemas e será enviado para o Brasil. O Fermin sobreviveu, mas foi abatido dous anos depois”, conclui Ayán.
Os restos de cartuchos de balas encontrados mais de sessenta anos depois conseguem recriar as linhas de vanguarda, os lugares onde foram massacrados os guerrilheiros e mesmo qual foi a linha de fuga que seguiu Fermín Segura. “É umha paisagem labrega”, reflete Ayán, “que se converte em campo de batalha. É a metáfora dum estado totalitário que ataca a populaçom civil”. As famílias das casas onde se agachavam os guerrilheiros deixaram também duas pessoas mortas e várias encarceradas, na sua maior parte mulheres.
A escalada repressiva do regime franquista irá provocando a queda e a morte dos ex-guerrilheiros da Federaçom que continuavam ainda ativos. Em 1951 encontrará a morte Manuel Girón, um dos objetivos mais perseguidos para o comandante Arricivita.
Durante os anos 50 reativam-se na Galiza os movimentos migratórios, e Xurxo Ayán quer chamar a atençom sobre “que muitas destas migraçons som por motivos políticos, de pessoas que anteriormente foram enlaces da guerrilha”. E conta da experiência de Antonio Díaz, um antigo enlace que migrou para Cuba, onde foi chofer do bispo da Havana. Díaz marchará cara a Sierra Maestra e, di-nos Ayán, será também quem esteja ao volante do ‘jeep’ em que Fidel Castro e Ernesto Guevara entrarám triunfantes na cidade da Havana.