O próprio nascimento da fotografia, na primeira metade do século XIX, supujo umha concentraçom de sentimentos e pareceres que antecipavam o que seria a sua posterior evoluçom como arte e técnica. Desde a época moderna os instrumentos ópticos tivérom-se como elementos de apoio à investigaçom científica e a fotografia nasce quase como experimento, mas logo passa a entender-se ou assinalar-se como cultura e divertimento pola sua semelhança com a pintura. E ainda hoje, quando se chega aos dous séculos de história, o meio fotográfico navega entre a sua forma documental, certificadora e doadora de veracidade e a sua forma artística, expressiva e figurativa.
A permanência nesta situaçom intermédia do meio (método) fotográfico fijo dele objeto de interesse da intelectualidade de vanguarda em diferentes décadas desde o seu abrolhar: Arthur Rimbaud, Walter Benjamin, Gisèle Freund, Roland Barthes, John Berger ou Susan Sontag, por citar algumhas. Tomamos as palavras de Benjamin para aprofundar nesta reflexom: “A fotografia propom algo novo e singular: (…) algo que o silêncio nom cala, algo que reclama, com insolência, o nome da que viveu aí, que aí segue estando e que nunca quedará de todo atrapada pola ‘arte’”. Na mesma linha, John Berger, já na segunda metade do século XX analisa a fotografia assim: “A única decisom que pode tomar o fotógrafo é a do momento que escolhe isolar. Porém, esta aparente limitaçom é o que lhe dá à fotografia a sua força singular”. Podemos encontrar um acordo entre os dous autores e Sontag: “umha fotografia nom é apenas umha imagem (…), umha interpretaçom do real; também é um vestígio, um rastro direto do real, como umha pegada ou máscara mortuária”.
À vista destas palavras parece evidente que a fotografia nos interpela às pessoas porque há um sentido físico e de necessidade de saber que um sentir estivo presente. Especialmente sucedia isto na fotografia anterior ao dispositivo digital, menos proclive à manipulaçom abjeta. Desta época data o artefacto protagonista do presente texto: a obra de Víctor Martínez de las Heras “Vitín” que, como fotojornalista, retratou o Emílio Vieites “Miluco” ou “Sandokan” numha das greves de 1984 em Vigo. Esta obra de Vitín transcendeu a sua funçom enunciativa e jornalística para converter-se num símbolo metonímico, excedente de significados e que transcende cara a arte: ambas pessoas deixam de ser Miluco e Vitín para poder ser reconhecidas além do local, passando a ser ser Emílio Vieites ”Sandokan” e Víctor Martínez de las Heras. O olhar de Miluco responde perfeitamente à consideraçom de punctum enunciada por Barthes no seu clássico A câmara clara: “Por fulgurante que seja, o punctum tem mais ou menos virtualmente umha força de expansom, esta força é frequentemente metonímica”. A força do olhar de Sandokan, desarmado frente ao seu adversário armado e sem rosto, é a representaçom da luta dessas operárias e famílias, com nomes, sobrenomes e alcunhas frente o poder, as forças económicas e a coerçom empresarial supostamente anónimas. Miluco faleceu o passado ano mas ficou a açom de toda umha vida e o olhar de Sandokan. Nas palavras de John Berger: “O verdadeiro conteúdo de umha fotografia é invisível, porque nom se deriva de umha relaçom com a forma, mas com o tempo”.