Rosa Cerqueiro, psicóloga clínica e porta-voz do Movimento Galego da Saúde Mental, desenha um sistema de saúde muito deteriorado e tendente à sobremedicalizaçom porque tem de atender o urgente. Assegura que a aposta num sistema biopsicossocial que prevenha fatores de risco teria que ser a folha de rota dumha Conselharia da Saúde que enfrenta as piores cifras do Estado.
As galegas encabeçamos as piores cifras no Estado quanto à saúde mental, suicídios ou consumo de psicofármacos. Quais fatores influem na nossa saúde mental?
Há várias teorias, mas desde o Movimento Galego da Saúde Mental levamos tempo a insistir na importância de fazer um estudo para ter claros estes fatores. Isto é fundamental porque guia a acçom: só sabendo com que fatores se relaciona podemos realizar açons mais precisas. Há hipóteses como umha situaçom socio-económica ede muita tensom, e nom falo da pandemia, porque Galiza já tinha estes indicadores prévios. Mas há que passar da teoria para a prática. Sabemos, por exemplo, que há uma relaçom com a posiçom socio-económica, que há um fator de género ou que a saúde mental é pior em mulheres racializadas…. Mas teríamos que ter esse mapa na Galiza e ver a incidência em zonas rurais, em bairros das cidades… fundamental para distribuir melhor os recursos, já que se calhar as necessidades que tem um homem de Ferrol nom som as mesmas do que umha mulher de Verim.
Falemos do Plano de Saúde Mental. Como valorizas o seu funcionamento?
A estrutura da rede de saúde mental inicia-se na Galiza na década de 80 quando passamos dumha atençom quase exclusiva nos hospitais psiquiátricos a criar uma rede a nível comunitário com investimento em profissionais e unidades. Desde entom passamos décadas em que apenas houvo avanços… No ano 97 um informe da própria Junta já alertava que ficaram pendentes de desenvolver recursos profissionais e dispositivos para ir crescendo e aumentando em prestaçons assistenciais. Temos umha rede de saúde mental historicamente infradotada. O problema é que estamos tam por baixo das necessidades que o investimento que anunciam em 2020 já nasce com uns problemas importantes e daquela já avisamos que a dotaçom de pessoal e unidades nom era suficiente e assim se comprovou.
O Plano já fora anunciado 2 anos antes da COVID e já era deficitário por umha grande carência arrastada de décadas… Imagina depois da pandemia com todas as cifras desbordadas.
Existe algum tipo de perfil quando falamos de saúde mental?
Nom devemos traçar nenhum perfil. Som as condiçons de vida as que enfermam: situaçons de abuso, de maus tratos, de violência, de pobreza extrema, o paro, más condiçons no emprego, sobrecargas… por exemplo: umha família monomarental, mulher com condiçons socio-económicas mui duras… vai ter um grau de mal-estar psicológico muito maior do que outras.
E algum fator de risco?
A violência e os abusos. Falo da violência de diferente tipo: económica, sexual, emocional e institucional. Esses som os principais fatores de risco.
Ultimamente fala-se muito de saúde mental: estamos já consciencializadas?
Há umha cara e umha cruz. Fala-se muito mais de saúde mental, permitiu-se falar da suposta vulnerabilidade emocional: “nom estou bem, estou a sofrer”… Abriu-se essa janela, podemo-nos abrir quase em canal com temas de ansiedade ou afetivos, mas penso que seguem pervivendo os mesmos estigmas em pessoas com diagnose de transtorno mental grave. Seguem baixo a escuridom, a vergonha e o tabu… seguimos a excluir pessoas com determinadas diagnose: pessoas com psicose, com transtornos alimentícios…
Quais modelos doutros lugares que funcionem podemos implementar aqui?
Já está todo dito: o modelo a seguir é o biopsicossocial que atende os problemas de saúde de modo integral, um modelo comunitário e preventivo que trata de prever as condiçons sociais tanto macro como micro para nom chegar a consolidar umha problemática maior na saúde mental. Esse modelo é o que supostamente se segue no Estado espanhol e na Europa, mas na prática seguimos com o modelo biomédico: problemas de saúde mental fora do contexto social em que vive a pessoa para o que há umha única intervençom que é medicar. Um modelo que classifica, etiqueta e descontextualiza… Sobretodo em mulheres. Que tapa, que silencia e exclui.
Aqui também há umha fenda de género?
Fundamental e enorme…. Um de cada três problemas em saúde mental, sobretodo ansiedade e depressom, som em mulheres. Mas aqui há também umha bidirecionalidade: por umha parte fatores sociais que estám na base do mal-estar: dupla e tripla jornada laboral, precarizaçom do emprego, da vida, muito mais expostas ao maltrato… E também está a parte de prejuízo: para umha mulher e um homem com iguais sintomas é muito provável que a mulher seja diagnosticada com um problema de saúde mental enquanto que o homem seja submetido a provas para tentar descartar umha doença física, sobretodo se há sintomas de dor.
Entom: a causa da nossa fraca saúde mental é o sistema?
A causa é a desigualdade. Estamos num sistema social que exige muito e de maneira contraditória, que gera muitas desigualdades e que ademais culpa as pessoas que nom conseguem chegar. As condiçons de vida e o sistema social som doentes.
Quais coletivos escapam do sistema de saúde mental?
As dificuldades de acesso ao sistema sanitário som um fator de risco. O próprio sistema é um freno para aquelas pessoas que o necessitam, polo que tarda em atender: quem tem maior capacidade económica procura atençom no âmbito privado. Fica fora quem tem menos recursos económicos, quem vive em zonas isoladas longe de um transporte público eficiente, quem tem que cuidar outras, pessoas com alguma incapacidade física limitante sem apoios fortes…
Os psicofármacos som a soluçom?
Se curassem tudo já nom havia saúde mental. Nom há umha resposta que cure totalmente. O tratamento deve ser integral, biopsicossocial e pôr em andamento recursos diferentes, porque o que lhe vale a umha pessoa nom lhe vale a todas: psicoterapia, fármacos, recursos de proteçom social, educativos, de lazer na comunidade…Umha resposta simples nom vai resolver um problema complexo. O café para todos nom serve e menos em saúde mental.
O consumo de psicofarmacos também avonda nas moças. A que se enfrenta essa geraçom?
Temos de quebrar com o mito da geraçom de vidro já… nada mais longe da realidade! Som umha geraçom que enfrenta umha sociedade que lhe pede umha cousa e a contrária: tenhem muitíssima exigência e por outra banda muitíssima sobreproteçom.
Tenhem muitíssima pressom académica, estética, exigências de hipermaturidade, as redes sociais… Falamos de umha mocidade pressionada cara ao sucesso, cara ao consumo e o nom poder falhar… E quem nom cumpre, é excluída. Frases como: “nom há limite, o limite és tu” som quase perversas. As moças chegam com umha clínica de ansiedade, depressiva, do impulso, de autopuniçom, de nom aceitar-se, de hiperatividade. Mas eu acho que é umha geraçom muito resistente.