No final do passado ano 2019, depois das importantes chuvas deste outono, voltou ressurgir na Límia uma parte da antiga Lagoa de Antela. As imagens desde o ar amostram como grandes áreas de culturas estão cobertas de água que reclama um terreno que foi dela. Este feito, que acontece periodicamente em épocas de importantes precipitações, lembra a existência da que foi possivelmente a zona húmida de água doce mais relevante do território galego e um dos mais extensos a nível peninsular. No entanto, a superfície assulagada durante umas semanas é uma pequena parte dessa grande área que se pode visualizar em mapas antigos e que surpreende enormemente às gerações mais novas.
De certo, a Lagoa da Antela ocupava uma extensão de quase 4.000 hectares na época invernal em espaços pertencentes aos concelhos de Ginzo de Límia, Sarriaos, Vilar de Bairro, Junqueira de Ambía, Sandiás, Vilar de Santos, Rairiz de Veiga e Porqueira, na província de Ourense. Antela foi muito relevante ambientalmente pelos diferentes ecossistemas específicos vinculados com ela, que acolhiam um grande número de espécies animais e vegetais. A lagoa era singularmente relevante como lugar de nidificação e internação de aves migrantes já não vistas atualmente na Galiza.
A zona húmida, sobre a qual há interessantes publicações como “A memória assulagada” e valiosa informação em espaços como o Museu da Límia, foi dessecado durante o regime franquista numas atuações que começaram no ano 1958 e duraram vários anos. A Lagoa já fora objeto de diferentes projetos de dessecação, mas conseguira resistir até essa altura. Este processo de eliminação da Lagoa de Antela, decisão dos governantes da Ditadura, entronca com a lógica industrializadora e modernizadora que considerava a Lagoa como um lugar improdutivo e insalubre, uma racionalidade similar à que derivou na florestação massiva das áreas de monte comunitário. A dessecação tinha como objetivo criar áreas para as culturas, convertendo-se a área dessecada num espaço de produção, principalmente de patacas, que a longo prazo teve importantes problemas económicos e ambientais. Neste sentido, os posteriores processos de concentração parcelária ainda fizeram mais destroços nas áreas de floresta autóctone que ficaram na zona.
O ecossistema da Lagoa proporcionava outros recursos endógenos aproveitados pelas populações locais. Por exemplo, fornecia de diferentes classes peixes que pescavam e consumiam as pessoas da contorna.
As atividades económicas ligadas à Lagoa
A vida das populações locais da área de Antela estava adaptada à singularidade do espaço e aproveitavam os recursos endógenos existentes. Na contorna as atividades agrárias de policulturas e as gadeiras eram claramente as mais relevantes, aproveitando as florestas autóctones nas beiras das massas de água para a obtenção de madeira e o mato para manter a fertilidade das terras de cultura, mas também existiam algumas atividades económicas ligadas especificamente à Lagoa que agora semelham inacreditáveis. Assim, uma análise de fontes e documentos históricos amostra como em meados do século XIX a recoleção de samessugas era uma atividade muito importante nas economias locais. As samessugas de Antela eram famosas pelo seu grande tamanho e muito apreciadas a nível peninsular (e mesmo internacional) para usos na medicina da época mediante a sua utilização em sangrados. De facto, naquela altura mesmo havia uma instalação específica para a recoleção de samessugas da Lagoa e a sua exportação até a França, o que dá conta da relevância desta atividade económica.
O ecossistema da Lagoa proporcionava outros recursos endógenos aproveitados pelas populações locais. Por exemplo, fornecia de diferentes classes peixes que pescavam e consumiam as pessoas da contorna. No mesmo sentido, a importância que tinha o espaço para a avifauna possibilitava a caça de diferentes aves, sedentárias ou migrantes, e mesmo a recoleção dos seus ovos. Assim, no próprio dicionário de Madoz de mediados do século XIX, aparece assinalada a caça de patos como uma das atividades relevantes em diferentes locais da zona.
Um ecossistema como o da Lagoa de Antela, se ainda existisse, seria atualmente um motor económico para a contorna a partir da posta em valor da sua importância ecológica.
Outro aproveitamento era a recoleção e a venda das rãs, para a comercialização das suas ancas. De facto, na província de Ourense ainda se mantém uma certa tradição do consumo destes anfíbios. As rãs, que eram muito abundantes nos ecossistemas da Lagoa de Antela, pescavam-se com cana para aproveitar as suas coxas que se vendiam por dúzias a estabelecimentos da província.
Ainda que a destruição da Lagoa terminou com a maior parte destas atividades económicas específicas é importante assinalar como nos últimos anos estão-se a fazer diferentes esforços para recuperar pequenas zonas húmidas ligadas com a área da antiga lagoa e mesmo a memória do espaço. Neste sentido, é preciso salientar diferentes atuações que tratam de recuperar áreas vinculadas com Antela como alguns trabalhos realizados por parte da administração autonómica ou as iniciativas da Sociedade Galega de História Natural com trabalho voluntário, aquisição de parcela e mesmo acordos de custódia do território. Nessa direção, é relevante salientar as jornadas e atividades realizadas por diferentes entidades nos últimos anos para manter viva a memória da Lagoa de Antela.
A dessecação da zona húmida rematou com algumas atividades económicas especificamente ligadas ao espaço e com oportunidades futuras das novas economias vinculadas com o ambiente e a biodiversidade.
Hoje em dia as áreas de zonas húmidas e nomeadamente as lagoas de água doce estão a converter-se em espaços com importantes atividades económicas ligadas à biodiversidade e fundamentalmente à observação da avifauna. Um ecossistema como o da Lagoa de Antela, se ainda existisse, seria atualmente um motor económico para a contorna a partir da posta em valor da sua importância ecológica.
Em suma, a Lagoa de Antela era um espaço muito singular que foi destruído pela ditadura franquista a partir de racionalidades e objetivos produtivistas. A dessecação da zona húmida rematou com algumas atividades económicas especificamente ligadas ao espaço e com oportunidades futuras das novas economias vinculadas com o ambiente e a biodiversidade. É importante salientar os trabalhos de recuperação realizados nos últimos anos na área da Límia e os esforços para não se perder a lembrança do que aconteceu com a Lagoa de Antela.