Termina a primavera e as frondes da floresta luzem esplendorosas. Entre os verdes diversos das folhagens filtram-se os raios do sol de junho para dar fulgores na erva e lampejos nas águas, águas do Rego do Souto, ribeiro afluente dum quase recém-nascido Eu, rio jovem que contorna o bosque velho da Marronda.
Com mais de 1.200 hectares de superfície, dos quais umas 600 estão arvoradas, a Marronda é exemplo notável de bosque húmido cântabro-atlântico de média montanha (dos 448 aos 925 metros sobre o nível do mar). Localiza-se no norte da Galiza, no concelho de Baleira, entre as aldeias de Branha, Fórneas, Mendreiras, Real e Martim.
Umas cento e setenta espécies de árvores e arbustos convivem nesta fraga: Carvalhos (Quercus robur), castanheiros (Castanea sativa), aveleiras (Corylus avellana), vidoeiros (Betula alba), tramazeiras (Sorbus aucuparia), amieiros (Alnus glutinosa), azevinhos (Ilex aquifolium), sanguinhos (Frangula alnus)… e especialmente faias (Fagus sylvatica). A Marronda constitui uma importante reserva de faias no seu limite de distribuição sul-ocidental.
Umha árvore rara na Galiza
A faia é espécie rara na Galiza, pois prefere solos desenvolvidos sobre rochas calcárias, ainda que também a encontremos sobre alguns outros evoluídos a partir de ardósias ou quartzitos. Gosta de terrenos bem drenados e ricos em matéria orgânica e de climas húmidos e temperados, com verãos frescos. A sua área de distribuição estende-se por boa parte da Europa setentrional e central e ainda por algumas zonas do sudoeste europeu, numa faixa entre os 40 e 60º de latitude Norte. Na Galiza encontramo-la unicamente na Marronda e nas terras do Zebreiro e do Courel, ora em faiais mais ou menos puros como os de Fonte Formosa (talvez o faial galego mais bem conservado), Pintinidoiras e Linhares, ora em bosques mistos como as devesas de Zanfoga, Rio-Cereija, Romeor e Rogueira. Na Marronda concentram-se na zona conhecida como os Ameixadoiros.
Árvore longeva de folha caduca, pode chegar a atingir grandes dimensões (mais de 40 metros de altura) e um porte imponente. O tronco reto, de casca lisa e de cor cinzenta, ramifica a uma altura elevada (muitas vezes acima de metade da árvore) formando uma copa cónica ampla e ligeiramente alongada. As folhas, dispostas alternadamente sobre os ramos, são verdes brilhantes, ovais ou elíptico-lanceoladas e de margens onduladas. Os frutos formam glandes de secção triangular agrupadas aos pares ou aos trios e envolvidas por uma cúpula espinhosa que as liberta quando madurecem. Estes frutos de natureza oleaginosa são muito apreciados por animais diversos como ursos (Ursus arctos), javalis (Sus scrofa), esquilos (Sciurus vulgaris)… e galos-monteses (Tetrao urogallus), quando os havia.
A faia era, segundo contam, um dos quatro pilares do ano solar celta, junto com o carvalho, o vidoeiro e a oliveira. A sua madeira utiliza-se para alguns trabalhos de marcenaria, como fabricação de móveis, parquets, soalhos… etc. Também como combustível, pois tem um elevado poder calorífico (superior ao do carvalho), tendo sido tradicionalmente empregada na fabricação do carvão vegetal.
Zona protegida
Na Galiza encontramos a faia unicamente na Marronda e nas terras do Zebreiro e do Courel
A Marronda está declarada desde 2016 Lugar de Interesse Comunitário (LIC) por ser uma zona de especial proteção dos valores naturais. Muitas espécies ameaçadas encontram nela refúgio. Na flora destaca-se, para além da faia, o Narcissus cyclamineus, um narcisso endémico da Península Ibérica. Entre os vertebrados encontramos mamíferos como a cada vez mais escassa toupeira-de-água (Galemys pyrenaicus) ou o arminho (Mustela erminea); aves como a águia-cobreira (Circaetus gallicus) ou o tartaranhão-cinzento (Circus cyaneus); répteis como a lagartixa-de-montanha (Lacerta monticola) ou anfíbios como a salamandra-dourada (Chioglossa lusitanica), preciosidade do nosso património natural. Mas quando falamos de proteção, não devemos esquecer tampouco o grupo dos invertebrados, tradicionalmente preteridos devido ao nosso antropocentrismo e ao seu afastamento filogenético. Na Marronda sobressaem a vaca-loura (Lucanus cervus), o maior escaravelho da Europa; o caracol Elona quimperiana, que encontramos, quase exclusivamente, nos bosques umbrios galaico-cantábricos e bretões; e a lesma Geomalacus maculosus, que tem uma distribuição disjunta que abrange Irlanda, Inglaterra, Bretanha e o extremo norte peninsular (de Portugal à Cornija Cantábrica).
A uns excepcionais valores ambientais, este território soma valores paisagísticos, arqueológicos e etnográficos. Em Fonteu, como o próprio nome indica, está a fonte onde nasce o rio Eu. Encontramos nos arredores da Marronda castros como o da Pena dos Mouros, o da Pena do Castro, o de Degolada e o de Antigualhas. E campos de mamoas, aqui chamadas medorras, o que indica o medo que provocavam estes túmulos neolíticos; existe um denominado assim mesmo, Medorras, no Monte da Cruz da Nena, topónimo que evoca uma tragédia. Conserva-se ainda ali uma cruz em lembrança duma meninha supostamente devorada por lobos. Existem também miradoiros como o da Volta, o do Moinho ou o da Pena da Palha; cachoeiras como a da Marronda ou a do Poço da Ferreira; arquitetura tradicional…
Ursos na Marronda?
Na primavera de 2011, um destes plantígrados era detetado nas cercanias, no Alto da Vacariça. Durante semanas deixou abundantes pegadas na zona, chegando a ser fotografado enquanto atacava colmeias. Já em 2009, outro urso fora observado no vizinho concelho de Pol. A Marronda constitui um importante corredor ecológico que liga a Terra Chã com a cordilheira que Élisée Reclus na sua ‘Nouvelle Géographie Universelle’ denominou “Pirenéus cântabros”. Os corredores ecológicos são faixas de vegetação que visam mitigar os efeitos da fragmentação dos ecossistemas, promovendo a comunicação entre diferentes áreas naturais separadas pola atividade humana e com um papel chave na preservação da biodiversidade. Assim o conceito de “reservas isoladas” deve ser substituído polo de espaços protegidos interligados entre si.